Penso: se fosse tão contagioso assim, com tanta gente em circulação -- não apenas depois de levantado o estado de emergência mas mesmo antes, quando meio país continuou a sair à rua para manter a trabalhar hospitais, fábricas, infraestruturas, quartéis e esquadras, pescas, agricultura, correios, etc -- já haveria centenas de milhares ou, mesmo, mais de um milhão de infectados em Portugal. E está longe disso.
É certo que o confinamento dos que se viram proibidos de trabalhar ou que puderam trabalhar em casa ou dos que já não trabalhavam antes ajudou a quebrar muitas cadeias de transmissão. É certo também que as medidas de higiene, de protocolo respiratório e de distanciamento produziram, certamente, bons resultados. Mas, apesar de tudo, entre os que se mantiveram em circulação, a propagação foi baixa.
Refiro-me aos números oficiais, claro.
Desde o início me pareceu que, sendo isto uma coisa nova e, em muitos casos, muito perigosa -- e, portanto, a evitar ao máximo, sobretudo para que os hospitais pudessem acorrer ao necessitados -- não seria coisa que galopasse até atingir números esmagadores.
Mas, apesar de a realidade ir no sentido das minhas previsões (e da minha intuição), os números intrigam-me.
Se é verdade que por cada pessoa suspeita de estar contagiada ou com sintomas há muito mais assintomáticas, talvez cinco ou sete vezes mais, poderão já ter sido contagiadas não os quase trinta mil mas talvez entre os cento e cinquenta e os duzentos mil. Mas isso é pouco. Pouco para garantir a imunidade e muito pouco para poder ser facilmente explicável. Pelo menos para mim, é ainda inexplicável.
Entretanto, as televisões e os jornais vão divulgando linhas de investigação: pode o défice de vitaminha D influir negativamente na imunidade face ao corona ou favorecer a severidade da reacção? Ou pode, também isto, ter a ver, como tantas e tantas coisas, com a enigmática microbiota?
Gostava que assim fosse. Seriam explicações razoáveis.
É que alguma coisa há que, segundo me parece, está a ajudar os portugueses a enfrentar bem o dito merdinhas.
Se afecta com especial força os que não apanham sol ou que, por qualquer outro motivo, têm défice de vitamina D, ou os que têm uma dieta alimentar pobre ou deficiente ou se, fruto de medicamentos que tomam ou doenças que têm, os que têm a microbiota franzina ou espapaçada, ou se não tomaram a BCG ou se esta já não está activa, ou se qualquer outra coisa, isso não sei. Mas acho que alguma coisa é porque a larga maioria parece que escapa, incólume.
Em especial com a minha mãe, pela idade, sempre recomendei que apanhasse sol, que fizesse exercício, que se alimente bem, que coma mel, frutos secos, frutos frescos, ovos, legumes, que se mantenha hidratada, que faça ginástica respiratória. Tenho para mim, e isto desde o princípio, que isto é fundamental. Aliás, fundamental para resistir ao merdinhas e a tudo o resto.
Mas, se calhar, é porque isto não é nenhum ovo de colombo mas senso comum que tão bem estamos a resistir à coiseca abichanada. Isso e mais a dita BCG que era obrigatória para toda a gente e que, se calhar, ainda está activa para a maioria.
E quem diz isto para os portugueses diz para o resto do mundo, em especial para os que têm resistido melhor.
É que se não houver uma explicação assim, básica e razoável, então não percebo como é que depois de três ou quatro meses de vírus no país ainda apenas tenham sido infectados 0,27% de portugueses. Mesmo que os infectados não sejam cerca de 28.000 mas, sim, na realidade, 200.000, ainda assim estaríamos a falar de 1,96% de infectados. Coisa fraca, reconheçamos.
Agora uma coisa também eu admito como provável: que toda esta minha conversa não seja senão wishful thinking, eu a querer convencer-me duma qualquer teoria ou suspeição. O facto é que começo a ficar completamente saturada. O meu marido diz-me que o meu problema é que sou intrinsecamente indisciplinada. Talvez. A verdade é que gosto de fazer o que me apetece, quando me apetece, com quem me apetece. Gosto de me sentir livre. Isto de ter cuidado com as coisas em que mexo, isto de ter presente que, se toco ali, tenho que ir a correr desinfectar-me, isto de ter que me manter distante, de ter que andar de máscara quando saio, de não poder sair e ir ali comer um gelado, de não poder sentar-me numa esplanada a petiscar, isto de me forçar a pensar que aquele que tocou ali onde eu vou mexer a seguir pode estar contaminado... tudo isto é um massacre para mim.
Apetece-me reaver a minha liberdade de movimentos, apetece-me poder ter em minha volta todos os meus sem medo de os contagiar ou medo que tenham contactado com outros que podem estar contaminados, apetece-me não ter que estar a pensar onde é que pouso isto ou se pus aquilo onde antes tinha posto aquilo que se calhar estava contaminado. Não consigo. Isto não é para mim. Não sou de medos. Não sou de auto-flagelação. Não sou. Forçar-me a ser assim esgota-me.
E, pelo meio, como se esta paranóia não bastasse, ter reuniões em contínuo, ter mails a chegar a toda a hora, estar a fazer um telefonema e ver que estão outros a ligar a quem terei que ligar depois e ver que, uma vez mais, não vou conseguir descansar, ver que está a aproximar-se a hora de preparar o almoço ou o jantar e ver que não vou ter tempo. Não consigo gerir o meu tempo por forma a sobrar-me tempo para mim, tempo para descansar, tempo para estar na boa, na minha.
Resumindo: espero que muito rapidamente se perceba como evitar cair nas malhas da bicha covida, e que isso seja antes da vacina já que a vacina vai durar bué de meses e eu não sei se aguento esta tortura até lá.
E mais nada que o desabafo já vai para além de longo.
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As fotografias foram feitas, entre aguaceiros, neste domingo, in heaven, e vêm pela mão de Julie Fowlis que interpreta Dh’èirich mi moch madainn cheòthar (I arose early on a misty morning)
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A todos desejo uma boa semana. Haja saúde e esperança.
1 comentário:
Uma boa semana, também com Grace Jones:
https://youtu.be/nIN3IE3DHqc
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