sábado, outubro 12, 2019

Um dia animado, uma noite animada




Logo à abertura, aí estava eu. Mas não fui lesta pois abasteci-me de tomate, alface e uvas e só depois fui tirar a senha para a carne. Cinco pessoas à minha frente. Uma pediu um  pedaço de carne e olhava para mim como que a justificar-se ou a querer a minha aprovação: devia dar um bom guisado, esta parte é a mais saborosa. Depois, quando o senhor pôs a peça ao alto (e estou obviamente a referir-me ao bocado de rabadilha), ela achou que se calhar a outra ao lado era melhor, ele que visse. E olhava para mim e justificava a escolha. Acontece que eu, na primeira hora da manhã e ainda apenas com um café, não consigo socializar. Depois que o senhor do talho a cortasse aos bocadinhos. Mas queria ver o tamanho dos quadradinhos. E eu pensava que ela devia dizer cubinhos. Entretanto, os outros empregados traziam peças para o balcão ou atendiam encomendas. Só um estava de serviço ao público. Nestes momentos começa a subir por mim acima uma impaciência que não se aplaca com facilidade. A seguir foi um senhor que também estava irritadiço pois disse, como se estivesse a dar uma chazada à outra que ainda estava, nas calmas, a arrumar o saco no carrinho, 'Para mim é rápido, é meia dúzia de peitos de frango e não é preciso escolher nem cortar'. Entusiasmei-me. Mas não. A seguir era uma senhora que trazia na mão duas embalagens, cada uma com seu pato. Com ar auto-justificativo de quem estava a dar um golpe mas um golpe legal, disse: 'Eu tenho senha. É só para cortar. Os patos são tão grandes, em asa não consigo' Enchi-me de tolerância. A senhora dava instruções precisas, depois punha-se de bicos de pés para espreitar, depois tinha dúvidas se havia de cortar um bocado mais e olhava para o senhor e para mim a dizer 'são tão grandes, tenho que mandar cortar'. E eu poker face. Sem paciência, a ver a vida a andar para trás. A seguir ao corte dos patos, como se pedisse um favor, a senhora pediu umas bifanas mas o senhor que escolhesse um bocado bom e as cortasse fininhas. O empregado, a paciência em forma de gente, alçou um e outro bocado até obter aprovação. A partir daí entreguei para deus. Que demorassem o que quisessem. Quando chegou a minha vez limitei-me a pedir o que queria e em dois minutos estava despachada. Depois foi ir ao leite, aos iogurtes, ao queijo, à massa, às amêndoas. Depois fui nas horas a casa, pôr as coisas no frigorífico.

À tarde, iríamos buscar três meninos à escola. Jantariam e dormiriam cá.


Não cheguei muito cedo ao escritório.

No meio de análises e auditorias e apresentações, ligou a minha filha. Se calhar havia uma alteração de planos. Podia eu ir buscar os meninos dela à escola e levá-los para casa e se calhar, se fosse preciso, ficar com eles? Sim, podia. Dividíamo-nos, eu ia buscar os dela, o meu marido os do irmão.

A seguir ligou o meu filho. Que nestas ocasiões é que parece que é tudo a ajudar: o bebé estava doente, até tinha ido com ele ao hospital de noite. Nada de mais, faringite, coisa vírica. Não tinha pregado olho, tosse de cão.

Avisei a minha filha que ela, quando sabe que há virose no pedaço, põe-se logo ao largo não vá ir de carreirinha, correndo todos. Então não, era melhor não correr o risco senão ainda apanham também a virose e, já agora, é melhor não. 

Pelo meio, houve muito trabalho e reunião e, claro, o arranca-rabo com o tal herói que ontem, na minha ausência, pintou a manta com quem não lhe podia fazer frente e que hoje estava de bolinha baixa, todo ele peace and love. Deixei que fizesse de conta que nada se tinha passado e, no fim, creio que com ar de poucos amigos, disse-lhe que fossemos ao que interessava. Encostou-se à parede e levou a tareia para a qual estava guardado. Desdisse-se, contradisse-se, apatetou-se. Mas não abrandei. 

Depois saí mais cedo e nem ai nem ui, bom fim-de-semana. Ficou especado, certamente pensando que estava baldar-me para lhe mostrar como é que era. Saí faltavam vinte minutos para as seis. 

Avisei o meu marido que estava a caminho e ele disse que também. Encontrámo-nos e depois fomos, num único carro, buscar os mais crescidos à escola e o bebé a casa da outra avó que tinha feito uma taça de arroz doce para os netos, em especial para o bebé que gosta muito e para o caso de não querer comer muito, disto come ele sempre. Na rua, o meu marido, quando viu o arroz doce, todo ele se sorriu, agradecido. Esclareci logo: 'Estás a agradecer...? Julgas que é para ti...? Não é. É para os teus netos...' Ficou meio atrapalhado pois, em frente da comadre, fez papel de lambão. Mas ela riu, satisfeita por constatar o sucesso do seu arroz doce. 

Já cá em casa, depois de tomarem banho e vestido os pijamas, a minha menina linda quis ajudar-me a fazer o jantar e depois o bebé também e depois já estavam desertos para jantar e depois de jantarem como os lobos, bebé incluído, já ela queria fazer o trabalho do Clube de Leitura e o bebé brincar com o telefone a fazer de conta que estava a encomendar pizas (duas pijas gandes com xiambe, queijo, jeitonas, dois minutos, vem na mota?) e o rapazinho do meio, que está alto e espigado, quase tão alto como a irmã, a ver futebol. 

E depois quiseram fazer uma vídeo-chamada para os pais e pegaram no meu telemóvel mas não encontravam o WhatsApp e ficaram muito admirados por eu não ter, como se tivessem chegado a uma casa sem electricidade: 'Como? Não estou a perceber... Não tens WhatsApp...? Como é que é possível? Como é que fazes vídeo-chamadas...?'.  Entretanto, a minha filha ia mandando fotografias dos meninos, grandes e lindos, que os primos queriam ver, todos curiosos.

Escuso de dizer que eu estava sem conseguir ir à casa de banho desde que tinha chegado a casa. Não dá para explicar. Mobilizam-me de uma tal forma que nem para ir à casa de banho tenho tempo.

Entretanto lavaram os dentes, foram para a cama e, como sempre, quiseram que eu contasse a história da princesa Margaret. 

Hoje foi sobre a ida da princesa Margaret e dos primos e respectivos pais a ver os golfinhos, visita perturbada pelo cão Kikas que, como sempre, se infiltrou e que, as usual, se tornou o focal point da história. Fiz e fiz render a história a ver se adormeciam, já eu mal conseguia articular palavra tal o sono, mas chegada ao fim e beijinhos, beijinhos, meus amores mais lindos, durmam bem, beijoquinhas, ela quis ir fazer chichi porque se tinha esquecido. Lá foi. A seguir chamou-me ele, o menino do meio, a dizer que achava que não ia dormir bem porque ouvia barulho, já tinha ouvido dois aviões. E o bebé quis ir para a cama da irmã. E depois da cama da irmã, quis já nem sei o quê e depois beber água até que acabei por chamar o meu marido: que fosse para o pé do bebé contar uma daquelas suas histórias que o fazem desatar a dormir. Quando lhe perguntei, no outro dia, como eram as histórias que punham o bebé KO disse que era dizer raças de cão. Fiquei zonza: 'Raças de cão? Mas como? Como é a história?'. E ele, 'Como o quê? Nada a saber. Pastor alemão, labrador, boxer, etc'. Desta vez esteve lá que séculos. Veio azul: 'Ganda baile que o puto me deu. Repetia tudo o que eu dizia como se não acreditasse'. E eu. 'Repetia como?'. 'Então, assim: era uma vez uma cadela preta. E ele: 'Uma cadela preta...?!' e eu 'Sim, uma cadela preta com patinhas brancas. E ele 'Com Patinhas brancas...?' e eu 'Sim, e tinha orelhas castanhas' e ele 'Orelhas castanhas...?!?'. Um baile.'


Agora dormem os três. Ou melhor: os quatro. Ou melhor ainda: os quatro e meia já que eu também já estou mais para lá do que para cá.

Agora mesmo o meu filho enviou uma mensagem a perguntar por eles. Febre ele não teve e tosse, sim, é tipo tosse de cão mas esporádica. Espero que a virose esteja a passar e que não tenha contagiado os irmãos. E espero que a noite corra bem. Amanhã a manhã vai ser cheiinha como um ovo, nem sei ainda como vai dar tempo para tudo. O meu marido perguntou: 'Já pensaste como é que vai ser amanhã?' e eu respondi 'Não faço ideia' e ele respondeu 'Ok, já vi tudo'. E eu devia ter feito como o bebé: 'Já viste tudo..?' mas não tive energia para tanto.

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E face a isto não tenho energia para falar do baile que o Costa deu à Catarina, deixando-a a chuchar no dedo, nem tenho apetência para falar do Nobel da Paz pois não sabia deste senhor da Etiópia nem dos da Literatura de que tenho ideia que nunca li nada ou, se li, não estou a ligar o nome à pessoa.


O que sei é que fui dar um little giro à hora de almoço a ver se ganhava pica para desancar o outro infeliz e, no meio do giro, incluí a Almedina que é lugar da minha simpatia. Estava lá um dos advogados mais mediáticos do país a contar uma história toda cheia de pormenores e ênfases. A livreira ria, estou em crer que, sobretudo, por simpatia, e ele, entusiasmado, caprichava nos pormenores. E eu, que ia só em que paravam as modas, descobri um daqueles livros que me palpita que me vai encher as medidas. Mas quando?

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A pintura é contemporânea e mexicana e a o Lullaby é de Brahms

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E eu desejo-vos um sábado dos bons

6 comentários:

Paulo B. disse...

A descrição da "cena" da fila para as carnes, no supermercado, está deliciosa. Tão cinematográfica que me fez lembrar uma coisa à "la" Roy Anderson e a sua magnífica triologia sobre o "ser-se humano".
Bom fim de semana!

Francisco de Sousa Rodrigues disse...

Ai UJM então apanhou com resmas de esquisitices no talho, muito bom, então quando se apanha pessoal que quer levar o quase tudo o que lá há é do melhor. A tal do senhor em busca de aprovação foi muito boa, às tantas achava, no fundo, que estava mesmo a ser picuinhas e queria a bênção.

Imagino a sessão de abaixamento da garimpa que deu no dito cujo. Tanta UJM a fazer falta por esse mundo afora e muito particularmente no mundo organizacional, onde se eleva todo o tipo de inabilidades humanas a grandes sumidades.

Ai o Whatsapp, muito bom, no meu telemóvel também vai deixar de funcionar a 31.12 e não faço intenção de ir a correr comprar outro - há SMS/telefone, há Skype, há Messenger, há Telegram e é se quiserem.

O seu marido que se prepare que as raças de cães já não serão um bom hipnótico por muito mais tempo...

Um rico fim-de-semana.

Pôr do Sol disse...

As vezes lembro-me da frase de alguém " e um gajo não descansa".

Os netos são o melhor da vida dos avós.

Os avós esses salvadores! Embora com o dobro da idade dos filhos, por vezes metade da saude, já no fim das suas carreiras, quando ainda activos, estão sempre disponiveis.

Mas como dizer que não a uma reunião depois das 18 horas? A uma formação em horario extra laboral?

Pelos seus posts vejo que é assim o ritmo de hoje.

Pergunto:Para quando seguir o modelo dos outros países? Como evitar que sejamos a população mais envelhecida se os casais não se aventuram a ter mais de um ou dois filhos?

Nao ouvi nenhum partido em campanha dar importancia a horarios de trabalho que permita aos pais terem tempo para serem pais?

A economia de hoje não se compadece com o amanhã resolve-se.Tem que se estar 24 horas atento ao telemovel.

E a vida vai ficando para amanhã logo se verá sem prever o efeito produzido nas crianças. S

Um Jeito Manso disse...

Olá Paulo,

Quando vou ao supermercado tenho vontade de levar máquina fotográfica e fazer reportagem, tais as cenas 'humanas' que por lá presencio. Só que o meu ritmo não é compatível com os vagares de quem tem uma vida mais descansada que a minha. E, repare, acho que o problema é meu. Quando estou na caixa e vejo gente a contar moedas de cêntimos para dar o valor certo, moeda a moeda, e depois pedem a ajuda da pessoa da caixa e depois ainda vão meter as coisas no saco e tudo nas calmas e eu a esforçar-me para não arfar pois estou com o tempo contado... Enfim, stresses...

Uma boa semana, Paulo!

Um Jeito Manso disse...

Olá Francisco,

Há pessoas que gostam de ter a aprovação alheia ou que parece que não estão certas das suas escolhas. A melhor que apanhei recentemente não foi no supermercado, foi na cabeleireira e nem foi aprovação, foi mesmo pancada. Chegou uma senhora com muito bom ar e que, apesar de alguma idade, ainda tinha um ar levemente alternativo, entre o alternativo e o sofisticado. A cabeleireira foi ter com ela e levou-lhe o catálogo das tintas para ela escolher. E diz ela: 'Não vale a pena.' e diz a cabeleireira 'Mas ao telefone disse-me que quer mudar de cor de cabelo mas não sabe qual..' e ela 'Pois e repito, não faço ideia, só sei que quero mudar. E não me venha cá com mostruários porque não não servem de nada'. A outra desistiu, foi cortar o cabelo a outra.

Quanto aos meus netos, é uma evolução fantástica só que são cinco a evoluir ao mesmo tempo e a influenciarem-se e a puxarem uns pelos outros. Muita dinâmica...

Abraço, Francisco.

Uma boa semana!

Um Jeito Manso disse...

Olá Pôr do Sol

A vida é, por vezes, intensa e para quem está na idade de mostrar o que vale os desafios são muitos e as provações constantes. E há profissões mais sujeitas a constrangimentos, em que há prazos que não podem falhar, situações a que não se pode virar as costas. Conheço pois é também o mundo em que vivo. Eu, felizmente, já consigo poupar-me. Evito deslocar-me para fora do país pois tenho nas minhas equipas quem pode ir mas, para os que vão, não é fácil.

Não sei se estamos a caminhar no sentido certo pois cada vez trabalhamos mais, mais horas. E nas grandes cidades, com o trânsito pelo meio, ainda pior.

E, por isso, os avós, apesar de também no activo, cá estão para o que der e vier. No caso do meu filho, felizmente há a outra avó dos meninos que não trabalha e que pode ficar, de dia, quando algum está doente.

Enfim, vamo-nos apoiando conforme podemos.

Beijinhos, Sol-Nascente!