terça-feira, outubro 29, 2019

Trova de muito amor para um amado senhor






Sabeis, senhor, que tenho que esconder o que falar não posso, não sabeis? Tenho, senhor, tenho que esconder de todos. E de mim também, senhor.

Nem a luz mais impudica, nem os ventos mais desvairados, nem o silêncio mais insistente, nada me fará dizer o que junto de todos e de vós também sou forçada a calar. 

Quero-vos distante de mim, senhor, quero esquecer-vos, quero nada saber de vós, quero não sentir o vosso perfume mesmo que a outros e não a vós ele pertença, mesmo que apenas o imagine, mesmo que apenas deseje tê-lo um dia sentido. É que é tão forte a saudade, senhor, tão forte, tão forte. 

E não queirais que eu saiba o que digo ou que me mantenha coerente. Não, senhor, não queirais. Toda eu sou fogo que me arde por dentro, queixume que se não deixa ver e que abre sombrios caminhos em mim, palavras de paixão que disfarçam a paixão que confessar não posso, labirintos em que sozinha me perco, perigosos e atraentes abismos que me respondem quando em silêncio por vós chamo, senhor.

Ah senhor, que dor, senhor, que dor.

Ah, que misterioso apego é este que sinto e que tanto queria desconhecer?

E que sopro é este que até mim chega e que sei, senhor, sei, que é o surdo chamamento que por mim lançais nas longas noites em que os lobos saem à rua para uivar, loucos de solidão e amor?

Ah senhor.



Se não vos vejo

Vos sinto por toda parte.
Se me falta o que não vejo
Me sobra tanto desejo,
Que este, o dos olhos, não importa. 

(Antes importa saber
Se o que mais vale é sentir
E sentindo não vos ver)

São coisas do amor, senhor,
Desordenadas, antigas.
E são coisas que se inventam
P´ra se cantar a cantiga. 

Não são os olhos que veem
Nem o sentido que sente.
O amor é que vai além
E em tudo vos faz presente

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Fotografias de Tim Walker.

Poema de Hilda Hilst do livro Trova de muito amor para um amado senhor que me obrigou a escrever o meu texto lá mais em cima

Lá em cima Letizia Butterin interpreta Laus Trinitati de Hildegard von Bingen

Aqui em baixo Verônica Sabino interpreta De Ariana para Dionisio de Hilda Hilst com música de Zeca Baleiro

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4 comentários:

lidiasantos almeida sousa disse...

INCRÍVEL. MARAVILHOSO, CADA VEZ ,MELHOR A CAPA DE INVERNO É EXTRAORDINÁRIA. Parabens.

Um Jeito Manso disse...

Olá Lídia,

Sempre uma entrada de rajada, sempre essa energia e alegria. Já fazia falta por cá?

E então agora não há daquelas novidades cabeludas que a menina, dantes, aqui deixava? Vá lá... conte lá coisa....

:)

Anónimo disse...

Parece o Assessor da Deputada do Livre, assim de saia preta!

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo/a,

Pois não sei. Eu acho que ela tem cara de quem usa cuecas ao passo que o Rafael Esteves Martins diz que avisou a Joacine que não apenas usa saia sempre que lhe apetecer como não usa cuecas sempre que lhe der na veneta.

Portanto, vamos esperar que um destes dias lhe dê uma rabanada de vento na saia para a gente tirar isso a limpo.

Não lhe parece?