domingo, outubro 13, 2019

Qual dos três o mais safadão...?




Alterámos os planos. Éramos para ter seguido para o campo mal os meninos fossem para casa com os pais mas o que aconteceu foi que, antes de irmos, resolvemos descansar um pouco. Ora o corpo agarrou no sono e não o largou e, quando acordámos, achámos que já era tarde para ir. E havia ainda aquele pendente, a minha vontade de ir ver o filme de que falo no post seguinte. Pesquisei onde havia a seguir uma sessão e fomos.

À vinda, como geralmente acontece no rescaldo de estarmos com eles, contamos um ao outro situações a que o outro não assistiu. 

Por exemplo, eu contei como o bebé desatou a perseguir a irmã que, apesar de fazer duas ou três dele, tem medo quando o vê assim.
É que, quando está naquilo, nunca se sabe o que dali pode sair -- pode dar-lhe para bater, para arranhar ou morder e tudo just for the fun of it. Claro que toda a gente se zanga mas, enfim, ele continua a querer testar os limites. 
Então ela, grandona, corria à volta da mesa a gritar, toda furiosa: 'Pára bebé!' e ele, formigoto,  corria atrás dela a imitá-la: 'Pára bebé! Para bebé!'. Uma cena divertidíssima.
E isto estando adoentado. Pouco depois até o senti quentinho, ficou muito sossegado, muito bem comportadinho. Quis pôr-lhe o termómetro e até foi muito colaborativo, até me disse como aquilo funcionava, tudo muito bem. Mas foi sol de pouca dura, não consegui que se aguentasse sossegado ou com o termómetro posto até aquilo apitar.
E o meu marido contou-me que a menininha mais linda lhe tinha dito que ia a uma festa de anos de uma amiga que vive relativamente perto da nossa casa. Explicou onde. Depois, muito querida, disse ao avô: se passares lá ao pé, eu vou à varanda para te dizer adeus. Ele derretido, com algum sentimento de culpa, 'Mas não vai dar, nós vamos para o campo...' e ela, a fazer-se de incrédula: 'Mas achaste mesmo que eu ia à varanda dizer-te adeus...?'. Pimbas. E ele a contar-me isto reconhecendo o baldinho de água fria que levou pela cabeça abaixo mas, ao mesmo tempo, reconhecendo que aquele temperamentozinho refinado lhe é vagamente familiar...

Mas o melhor está reservado para o mano do meio. Inteligente, boa onda, um artista, um divertido, um malandreco de primeira apanha. Descobriu um livro de fotografia em que conhecidos fotógrafos fotografam mulheres. Contudo, como é expectável, entre fotografias de toda a espécie,  há algumas em que se vêem algumas mulheres em poses mais eróticas ou outras como deus as deitou ao mundo. Pois fui dar com ele muito absorto a ver o livro. Aliás, ao entrar na sala e vendo-o tão compenetrado a ver um livro, nem me ocorreu nada de mais. Ela deveria estar a querer que eu lhe fizesse um penteado e o bebé deveria estar a querer a tejôra roxa para fajê tabalhos pelo que ele estar sossegado com um livro até me pareceu muito bem. Mas, ao fim de pouco tempo, tanta compenetração fez-me espécie. Perguntei: 'Que livro é esse?'. Sobressaltado, fechou o livro. Fui ver e quis escondê-lo. A minha reacção automática, quando percebi a razão de tanto interesse, foi tirar-lhe o livro. Tem sete anos mas já é malicioso todos os dias. Peguei no livro e fui pô-lo num canto da estante da outra ponta da sala, num sítio onde não daria com ele.

Passado um bocado e tendo eu saído da sala, provavelmente na altura em que o bebé pediu para fazer cocó ou que o avô me chamou para qualquer coisa, ao reentrar, vejo-o a levantar-se à pressa, atirando o livro para longe. Zanguei-me: 'Não se deve desobedecer. Se não é para ver o livro, não é para ver. Certo? Ai. Queres que me zangue? Ai, ai!' E coloquei o livro num sítio mais inacessível.
Contudo, ao mesmo tempo, estava na dúvida. Será que deveria mesmo impedi-lo de ver o livro? Ou deveria deixar e aproveitar para lhe explicar a naturalidade das coisas? Mas não ia voltar atrás senão ficaria absurdo e, sobretudo, não havia disponibilidade possível para prelecções.  Nem, de resto, tenho a convicção de que, nestas coisas, as prelecções sirvam para alguma coisa.
Quando ele se foi deitar, coloquei-o por cima dos outros livros, na prateleira de cima, onde ele não o localizaria.

Pois hoje de manhã, conta-me a irmã: 'Sabes? Vou contar uma coisa. O mano disse uma mentira. De manhã, quando acordei, vi que o mano estava na cama a ver aquele livro que tu não querias e, quando me viu, escondeu-o atrás das costas e, sabes o que ele me disse?, disse que o livro tinha aparecido lá na cama'. Fiquei estupefacta. Olhei para ele. Com naturalidade, encolheu os ombros. Tentei zangar-me: 'Ai! Mas isso faz-se?'. Voltou a fazer um ar de quem já não poderia  fazer nada. E eu não disse mais nada pois estava sem perceber como tal tinha sido possível.

E ainda não percebo. Como foi que ele deu com o livro? Como é que lá chegou? E a que horas acordou para ir à sala, pé ante pé, numa de caça ao tesouro? Não percebo mesmo.

Entretanto, no chão, ao pé da mesinha que o bebé usa como 'mesa de trabalho' e onde há folhas, lápis, fita-cola, tesourinha e etc, estava um rolinho de cartolina branca. Pensei que tinha sido o bebé, ao ir buscar folhas para recortar, que tinha descoberto aquele rolinho algures. 

Quando se foram embora, como sempre, pusemo-nos a apanhar as 'cenas' que sempre aparecem fora do sítio, algumas vindas nunca se sabe de onde. Deitei fora as folhas recortadas ou riscadas e, quando apanhei o rolinho, fiquei ainda mais espantada. Era um diploma que há algum tempo me deram na empresa por já lá trabalhar há tempo suficiente para se poder dizer com propriedade que estou a caminho de fazer parte da mobília. Ora, por que raio de carga de água estava aquilo ali...? Pensei: a sorte que foi o bebé não o ter recortado... Depois lembrei-me. Quando recebi aquilo -- bem como uma placa de prata --, não sabendo onde pôr, coloquei na estante grande, sobre os livros, numa das prateleiras de cima. Ora como é que aquilo veio parar ao chão? Ainda por cima estava no lado oposto ao do tal livro? Não sei. Terá aquele manganão, ao romper do dia, andado com alguma coisa a 'varrer' as partes de cima das prateleiras? Não faço ideia. O que sei é que, à medida que vão crescendo, os desafios vão mudando.

Mas não são apenas desafios: são perplexidades, são enlevos, são encantamentos, alegrias, momentos que ficarão na nossa memória, são boas razões para gostar de viver.

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As crianças na arte foram pintadas respectivamente por George Jamesone, provavelmente por William Mosman, Hugh Cameron, Pere Borrel del Caso e Glenda Brown. Lá em cima o Coral Santisima Trinidad de Valencia com o coro de pequenos cantores e o  Coro de la Eliana dirigidos por Basilio Astulez interpretam Mare Nostrum.

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E a todos desejo um feliz dia de domingo

3 comentários:

AV disse...

Ah, os livros proibidos e por isso sempre irresistíveis. Acha que vale a pena esconder o livro ou será melhor falar sobre ele?

Um Jeito Manso disse...

Olá AV,

Pois não sei. Tem sete anos e uma curiosidade insaciável aliada a uma malícia de todo o tamanho. Às tantas ainda ia para a escola dizer que esteve a ver um livro com maminhas e etc que a avó lhe tinha emprestado... E também não sei o que é que é mais saudável para a educação dele. Esta coisa do interdito e do fruto proibido parece-me importante para a imaginação e para aprender a lutar para atingir objectivos. Mas não sei. Tenho que pensar.

Alice Alfazema disse...

Olá UJM!

Vou deixar aqui um link com alguma informação para os pais(não dar muita importância aos palavrões)https://alicealfazema.blogs.sapo.pt/conversas-da-escola-atencao-pais-nao-1179056


Um resto de boa semana. :)