quinta-feira, outubro 10, 2019

MENstruação - coisa também de homens...?
[E, de passagem, um breve lamiré sobre o Montenegro a querer restaurar o cavaquismo e o passismo como forma de curar as laranjas do bicho-rio]





Já aqui falei de menstruação: de como me chegou tarde o que muito me inquietou quando era menina moça, de como uma vez fiquei com a saia branca toda manchada de sangue tendo sido um colega que, completamente encabulado, me avisou, de como ao fim de nove meses de gravidez mais uma data deles sem ela (talvez por estar a amamentar) quando apareceu me ter pregado um susto, julgando eu estar com perigosa hemorragia, tendo sido o meu marido a sossegar-me ('Não será a menstruação?').

Também já falei de quando se foi sem deixar saudades e sem que a sua ausência me tenha causado agasturas, calores, securas ou outros transtornos.


Por isso, não é disso que vou falar. Vou falar é do que se passou ao longo dos férteis anos em que sangrei.

E o que é importante é que os homens saibam que as mulheres são seres fortes e milagrosos. Quando se pensa nisso tem que se reconhecer que o que se passa no corpo das mulheres é coisa mágica.

A mim sempre me doeu muito. No dia antes de aparecer sentia um incómodo surdo e profundo no baixo frente. Depois doía mesmo. E sangrava. Sempre fui de abundâncias. Tinha que ter pensos dos muito absorventes e tinha que levar sempre uns quantos de reserva para ir mudando. Depois, como tinha pavor que passasse para a roupa, passei a usar tampão e andava sempre a mudá-los. E muitas vezes, nos primeiros dias, usava tampão e um penso fininho para o caso de o tampão não absorver tudo ou de estar nalguma reunião e não poder trocar. Aliás, agora que falo nisso, lembro-me que odiava ter reuniões prolongadas quando estava com o período pois, se estava com o tampão, sentia que estava ensopado até à quinta casa e, se estava com penso, temia que voltasse a passar para a saia.


Mas o tampão tinha outra. Quando ia para a praia ou para a piscina obviamente que tinha que ser tampão. E não tem conta as vezes que o meu marido me avisava que estava a aparecer uma ponta do fio. Um horror. Ainda agora, por vezes, quando estou deitada na praia me ocorre espreitar não vá ter uma ponta de fio a espreitar na virilha.

Não sei se isto acontece com todas as mulheres. Comigo aconteceu. E acontece. Parece que, por vezes, me lembro ainda daquela dor cava, rasgão dolente no interior do baixo frente.

E havia um outro aspecto negativo. Aquela coisa de que tanto se fala, o TPM ou SPM, síndrome ou transtorno pré-menstrual, comigo não era mito urbano, era realidade e da pesada. Para aí dois dias antes e, em especial na véspera, eu ficava prestes a explodir. Uma impaciência inexplicável tomava conta de mim. Tinha que me conter, mas conter muito, para não mostrar que uma raiva descontrolada crescia dentro de mim, muitas vezes por coisas de nada. Outras vezes, a explosão acontecia e era de uma tal violência, uma tal fúria que se auto-alimentava que, volta e meia, a coisa acabava comigo lavada em lágrimas porque a guerra tinha ido num tal crescendo que só podia acabar num esvaziamento total, incluindo o dos sacos lacrimais. Claro que no trabalho eu continha-me mas isso implicava que a coisa ia acumulando. Naqueles dias a irritação que eu sentia era uma coisa diabólica que eu tinha que tentar refrear. Mas, chegada a casa, era só aparecer o primeiro pretexto. Podia ser a porcaria mais insignificante que era como se se abrisse uma válvula. Depois, assim como vinha, assim ia. E daquela erupção, daquela lava torrencial e em brasa, nada restava. Até ao mês seguinte. Nunca me deu para tentar saber a explicação para isto pois saber ou não saber ia dar no mesmo mas deve ter a ver com um fervilhão hormonal em que diabo nenhum conseguia ter mão.

Isto vinha frequentemente a par de uma dor de cabeça do caneco. Era normal ter que tomar um ben.u.ron pois a par da raiva mal contida vinha uma tensão danada na cabeça que parecia querer explodir.


E vem isto ao caso porque li de uma campanha publicitária que brinca com a hipótese de não serem só as mulheres a passar por isto. Haveria de ter graça. Os homens terem uma parte do corpo que todos os meses se atapetava, se cobria de uma manta macia e fofa para poder acolher uma vida nova e, quando isso não acontecesse, ir tudo fora para que a caminha esteja feita de novo e limpa todos os meses. Sangue fresco, espesso, escorrendo do corpo. Dores nas entranhas. A alma em revolução. Melhor ainda se a vida pudesse mesmo ser gerada no interior do seu corpo, a barriga a crescer, um serzinho a dar cambalhotas e pontapés dentro deles. E os seios a incharem, os mamilos a repuxarem. Havia de ser giro: um drama pegado. Maricas como são, haveria de ser um fartote, sempre feitos vítimas.


Mas vejam, tem graça.

É a campanha da Thinx, uma linha de lingerie adequada àquela altura do mês.


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Não consegui identificar os autores das pinturas que escorrem sangue mas sei que é Anna Caterina Antonacci que aqui vem de novo mostrar o que é uma mulher em brasa

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E não venham dizer-me que estavam era à espera que eu comentasse aquilo do Montenegro. Nem pó. Com o sono com que estou, ia mesmo falar dele, ia, ia. Só se fosse para dizer que ou o tecido das gravatas que usa não é bom ou é ele que não sabe fazer o nó. Ou as duas coisas. Ou então não tem pinta para usar gravata. O nó das gravatas às vezes está razoável mas é só às vezes pois, em geral, aquele nó parece um matacão mal parido, torto, um calhau mal jeitoso. Ou então é ele que é assim. Portugal estava um miminho, os portugueses é que não, dizia o puxa-saco do Láparo. Portanto, depois da múmia sair da marquise para vir louvar a Marilú eis que agora é o joker de trazer por casa, o caralinda do passismo, a aparecer a querer ressuscitar o cavaquismo e o laparismo. Boa malha. Portanto, depois do dia de ontem e da noite quase não dormida, ia mesmo gastar a minha beleza a falar disso. Era o ias. Falo da menstruação para homens e é um pau por um olho.

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E agora só vos digo que relevante é o que os 20 filhos da mãe do post abaixo andam a fazer ao ar que respiramos.

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11 comentários:

Lucília disse...

Olá UJM,eu,tal e qual -igualzinha.Quando me queixava ao médico principalmente da mudança de personalidade (riso)ele dizia -vocês mulheres têm uma vida dura,anormal.A desgraçada não me deixou saudades nenhumas e nem se despediu não senti nada do que dizem e, sem tempo, só fui ao médico passado dois anos.Um beijinho

Isabel Pires disse...

UJM, esta publicidade do vídeo é muito estúpida e sem graça.
Para além de outras coisas... Um exemplo, se fosse algo que 'pusesse' na mulher algo exclusivo dos homens, caía o carmo e a trindade porque ainda tinham de ter mais não sei quê, etc. e tal, assim já está tudo bem, ou parece.
É pena que o diferente, o exclusivo, não seja mais vezes interpretado e dito pelos próprios como algo brilhante e valioso que é, e é pena que não seja mais vezes sentido e referido assim pelas mulheres.

Quanto ao resto, que é íntimo, não é assunto de que fale em coisa pública.

Anónimo disse...

Compreendo a posição mais conservadora e a preferência pela discrição subjacente ao comentário da Isabel. Porém, há temas de que é preciso falar mais abertamente, sendo a menstrução um deles. Desde logo, porque é preciso que haja suficiente informação divulgada para que as pessoas saibam quando os seus sintomas são normais e quando podem ser a face dolorosa de uma patologia não diagnosticada, como a endometriose. https://www.youtube.com/watch?v=kHTRB-qBQ8g
Na prática, também nunca falo nem gosto de ouvir falar sobre esses assuntos. Não é nojo ou algo do género - simplesmente aborrecem-me. Aliás, impacientava-me quando as minhas amigas, na escola, se punham a falar sem fim sobre este tipo de assuntos "femininos". Eu que via tudo com naturalidade, achava uma tontice discutir tanto um assunto tão banal e ainda por cima tão desagradável. Achava estúpida a competição para ver quem era a última a ser benzida por essa coisa tão boa de sangrar uma semana por mês.
Dispersei. Última nota: isso de o exclusivo ser "valioso e brilhante" é o eras... Passava bem sem exclusividades sanguinárias e dolorosas.
Um abraço,
JV

João disse...

Do ponto de vista bioquímico - o ponto de vista onde se encontra a beleza da interações moleculares - trata-se da morte das células no útero por apoptose. "Apoptosis" significa em grego antigo a "queda das folhas no Outono". É uma morte programada e silenciosa. Portanto, trata-se de um de um renascer, como uma Fénix. Fosse eu poeta e isto daria pano para mangas, quero dizer, folhas para primaveras.

João L.

Um Jeito Manso disse...

Olá Lucília,

Saudades: zero. A dita cuja já cumpriu o que tinha a cumprir e portanto bye-bye. Que liberdade agora. Tudo tão tranquilo, tudo tão tá-se bem, não é?

Tirando isso, tão bom que tenha cumprido o seu papel, tão bom ter tido filhos. Um daqueles milagres que parece que ainda não assimilei: tive duas pessoas dentro de mim? Será?

A propósito: no outro dia, estava a dizer aos dois meninos mais crescidos que tinham dormido cá em casa durante o mês em que o pai esteve a estudar fora. Eles lembravam-se, falaram disso. Então o bebé perguntou: 'E eu?'. Eu disse. 'Tu ainda estavas na barriga da mãe'. E ele admirado: 'Tava? Na barriga da mãe?'. E eu disse que os bebés antes de nascerem estão na barriga das mães. E ele perguntou: 'E a mana?' e eu disse que sim. E ele muito admirado: 'E o mano?' e eu disse que também. E ele de olhos arregalados, a empinar a barriga, 'Todos?!' E eu desatei a rir com o espanto dele e disse: 'Mas não estavam os três ao mesmo tempo...'.

Beijinho.


Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel Pires,

Não sei se percebi bem o sentido do seu comentário. Não levei muito a sério o vídeo. É uma piada. Nós, homens e mulheres, somos seres humanos, em muita coisa iguais ou quase. Conseguimos fazer quase as mesmas coisas ('quase' porque não todas; eu, pelo menos, há coisas que não consigo ou não quer fazer como, por exemplo, e é mero exemplo, trocar um pneu). Mas apesar de sermos quase iguais temos algumas coisas muito diferentes: e nem me refiro apenas ao lado visual da anatomia. Esta particularidade da menstruação, por exemplo, acho uma coisa extraordinária. Ou produzir leite e ter tido crianças a alimentarem-se do meu leite. Acho uma coisa do outro mundo. Pode isto acontecer com tudo o que é cão e gato mas, ainda assim, acho do outro mundo, coisa do além.

E para mim isto é tudo merecedor de ser falado com orgulho, com alegria. Para mim, isto não é íntimo, isto é simplesmente extraordinário.

O vídeo é simplesmente brincalhão. Podia ser anúncio de coisa de homem e, por graça, porem as mulheres a usar. Nada de mais.

Mas, lá está, todos nós temos sensibilidades distintas pelo que o que é secreto para umas pessoas, é normal e pode ser falado normalmente por outras.

Uma bela sexta-feira para si, Isabel.

Um Jeito Manso disse...

Olá desenvolta e brava JV,

Quando eu era miúda, o tema era tabu e nem se dizia pelo nome. Era a Chica. As raparigas diziam 'estou com a chica'. Eu nunca fui capaz de tal. Dizia mesmo: menstruação. Não era tema que fosse épico nem especial: era normal. Preocupada estava era quando todas já tinham há que séculos e eu nada. Mas, quando veio, passou a ser tema normal. Mas havia tanto disparate nessa altura, nem queira saber: por exemplo, diziam que não se devia lavar a cabeça. Eu lavava e assegurava às outras que não fazia mal nenhum. Outras acho que nem banho tomavam com medo nem sei de quê. Creio que essas parvoíces foram ficando para trás por haver mulheres que falaram, que disseram que aqueles medos eram infundados.

E gostei que falasse na endometriose. Sei de uma jovem que a tem, aliás já não tão jovem quanto isso, e tem sofrido imenso quer a nível físico quer psicológico. É importante que se fale nisto pois não há que fazer segredo, esconder, sofrer em silêncio. Quem sofre de uma doença destas pior ficará se se sentir desafortunada, como se fosse só ela.

Abraço, JV. E viva a vida.

Um Jeito Manso disse...

Oi João,

Tão bonito isso. Venha daí um esforço a ver se dá para ver de que é capaz essa veia poética. É que todos nós temos, por vezes sem o sabermos, qualquer coisa de poetas.

Tudo o que se passa no útero é uma história que pode ser contada com um colorido maravilhoso. E, agora com essa imagem das folhinhas que nascem, atapetando o ninho e, depois, quando inúteis, silenciosamente caindo como as belas folhas do outono, ainda mais extraordinária a acho.

E é engraçado pensar que temos no nosso corpo uma espécie de réplica das estações. E que os milagres -- a que alguns seres bafejados pela sorte e que conseguem adentrar-se pelas florestas e assistir aos milagres da natureza -- existem também dentro do corpo das mulheres.

Dentro do corpo dos homens não sei. Há?!?!

PS: E os veados? Ainda andam a portar-se mal...?

:)

Isabel Pires disse...

UJM, também considero que é extraordinário, o que para mim não desfaz o sentido íntimo da questão. Pelo contrário, até o reforça. Daí que prefira que a alegria e o maravilhoso que lhe estão associados não corram o risco de perder brilho com o detalhe da organização prática que sempre achei cansativo quando ouvia as raparigas relatarem e às vezes ainda oiço de algumas mulheres.
Isto não constitui nenhuma crítica a quem se posiciona de forma diferente em relação a este ou a outros assuntos.

Fernando Ribeiro disse...

Agora já não é possível, só para o ano: se a UJM for à Praia do Rio da Prata (no Meco) ou à da Adiça (na Fonte da Telha), verá algumas banhistas andarem nuas pela praia fora, com o fio do tampão dependurado e bem à vista de toda a gente. E ninguém se admira, nem se indigna, nem se escandaliza. A menstruação é um fenómeno que os frequentadores dessas praias encaram com toda a naturalidade, e assim é que deve ser. De resto, nas praias naturistas de tipo familiar, como as referidas (há outras que o não são, sendo usadas para engates), há um respeito mútuo que é exemplar. Em nenhuma praia "têxtil" se encontra um respeito assim entre os frequentadores.

Um Jeito Manso disse...

Isabel e Fernando,

Creio que a descrição do Fernando explica bem o respeito que pode haver pelo corpo, mesmo quando exposto.

Estive agora a responder a comentários num outro post em que falei do corredor das urgências cheio de macas com gente em sofrimento, ali expostos. Ou as salas de fim de linha em que se agoniza. Aí há uma intimidade de que nem se sabe bem como falar. A dor está de tal forma exposta que não temos como guardar reserva dos nossos sentimentos.

Um corpo de mulher em toda a sua nudez ou em toda a sua maravilhosa fertilidade é belo e digno de respeito, de deleite, de veneração. claro que há aspectos dos quais o pudor é a chave que não deve abrir o que deve ser mantido em segredo. Mas isso talvez sejam outros aspectos. Digo eu.

E um abraço a ambos.