Já não gotejo. Em contrapartida, estou como se estivesse sedada. Um comprimido por dia, ainda por cima de ínfima dimensão, e fico assim, neste estado. E esta noite vou tomar a terceira dose a ver se deixo de estar congestionada como ainda estou. Quero voltar ao normal. Nem tenho dormido com o vidro da janela completamente aberto pois receio que o frescor da noite, que me sabe tão bem, me faça pior. Tenho ideia que é à terceira que isto se cura. Não tive febre pelo que deve mesmo ser coisa de nada, só resfriado, influenza benigna, coisinha de gente retardada que se constipa quando os outros já curaram meia dúzia. O pior é que me diminui a energia a um ponto que não se imagina. Ainda eu estava apenas a sentir-me doente, sem ter tomado nada, e já estava inerte. Imagine-se agora, com um comprimido letal por dia. Para que se perceba: cheguei a casa e nem me despi. Vá lá, descalcei-me. Mas vim para o sofá com a roupa do dia. Quando dei por mim, estava o meu marido a perguntar-me o que jantávamos. E eu a querer acordar para lhe responder e só a adormecer. Quando o ouvi dizer que podíamos comer atum lá arrebitei: fiz um esforço e, ao fim de um bocado, consegui abrir os olhos. Arrastei-me até ao quarto, troquei de roupa e lá consegui chegar à cozinha. Liguei o forno no máximo. Descongelei salmão. Num tabuleiro coloquei pera aos quartos, depois os lombos de salmão em cima, temperei-os com sal, orégãos e azeite e levei ao forno. Nessa altura, baixei a temperatura.
Regressei à sala e adormeci de novo.
Acordei com ele a chamar-me. Felizmente o salmão não ficou esturricado. Mas também não se queimaria pois deixei a temperatura nos 150º. Quanto muito, secaria. Mas não secou.
Lá fui. A mesa estava posta. Havia também arroz e salada. Comi um poucode salmão com salada. Também consegui lavar os pratos. Mas, mal cheguei de novo ao sofá, voltei a adormecer. Já passava das dez, acordei de novo: era ele a perguntar-me se já tinha falado com os filhos. Liguei ao meu filho e, logo a seguir, tocou o telefone e era a minha filha. Não sei se voltei a adormecer mas sei que acordada não estou.
E agora aqui estou.
Porque será? Porque estou aqui? É esta coisa de os meus dedos quererem dançar no teclado, dançar mesmo que seja sozinhos, escreverem palavras que nem eu sei o que vão ser. Pois que seja, não me importo. É como se fosse outra, alguém que não sei quem é e que escreve sem me pedir autorização. Só sei o que escreve quando vejo escrito.
E isto faz-me pensar. Deve ser o primeiro pensamento que tenho hoje: e se eu não fosse eu mas 'alguém' que tivesse sido clonado e que se fizesse passar por mim? 'Alguém' não: uma coisa.
Pensamento meio delirante.
E se, num salto quântico, o tornar completamente delirante, vou parar lá onde todos os caminhos vão convergir.
Ao mesmo tempo que temo o uso perverso e desregulado da inteligência artificial, atrai-me muito. Pode ser uma ajuda potentíssima. E pode ter utilizações múltiplas e cada uma mais insólita que a outra.
Estive a ver a Sophia a conduzir uma sessão de meditação.
Cada vez vão humanizando mais o objecto. Sorri, tem rugas de expressão, semicerra os olhos, abre-os, diz piadas. Não tardará o dia em que conversará connosco de uma forma tão inteligente e sensível que preferiremos a sua companhia à dos humanos. Virá o dia em que as pessoas se apaixonarão pelos seus robots. O Her deixará de ser ficção. A inteligência das coisas será cada vez menos artificial.
E isto faz-me pensar. Deve ser o primeiro pensamento que tenho hoje: e se eu não fosse eu mas 'alguém' que tivesse sido clonado e que se fizesse passar por mim? 'Alguém' não: uma coisa.
Pensamento meio delirante.
E se, num salto quântico, o tornar completamente delirante, vou parar lá onde todos os caminhos vão convergir.
Ao mesmo tempo que temo o uso perverso e desregulado da inteligência artificial, atrai-me muito. Pode ser uma ajuda potentíssima. E pode ter utilizações múltiplas e cada uma mais insólita que a outra.
Estive a ver a Sophia a conduzir uma sessão de meditação.
Cada vez vão humanizando mais o objecto. Sorri, tem rugas de expressão, semicerra os olhos, abre-os, diz piadas. Não tardará o dia em que conversará connosco de uma forma tão inteligente e sensível que preferiremos a sua companhia à dos humanos. Virá o dia em que as pessoas se apaixonarão pelos seus robots. O Her deixará de ser ficção. A inteligência das coisas será cada vez menos artificial.
E chegará o dia em que poderei accionar uma opção no computador ou numa pequena coluna em que eu digo aqui uma coisa e, do outro lado, um robot escreverá outra ou eu direi, com esta minha voz, alguma coisa e, do lado de lá, daí, chegar-me-á alguém que lerá os vossos pensamentos e mos dirá com uma voz estranhamente humana. E quando eu disser maluquices ouvirei alguém a rir ou a querer corrigir-me. A emocionar-me. Chegará o dia. E não faltará muito.
O mundo está a caminhar rapidamente e quando percebermos que estamos a ser ultrapassados... só espero que não seja tarde demais.
Mas, enfim, não é dia para conversas dessas. Precisaria de ter grande parte dos neurónios activos e o que se passa é que nem um, único, deve estar em condições.
Vou, pois, introspeccionar-me de olhos fechados, a pensar na lua a banhar o rio, esteja ela como estiver, loura, esbelta, gélida, esquálida, promissora, fugidia. Tanto faz. O rio é tolerante, sempre uma boa cama.
Mas, antes, vou partilhar convosco um vídeo em que se vê como Sophia tem aprendido umas coisas. Jimmy Fallon até fica desconcertado. Até já canta, ela, a coisa.
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Pinturas de Tarsila do Amaral com a voz de Sade a acompanhar.
E abaixo um ursinho minúsculo a fazer de tudo para ir ter com a mãe ursa --- e o drone a sobrevoar.
E abaixo um ursinho minúsculo a fazer de tudo para ir ter com a mãe ursa --- e o drone a sobrevoar.
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5 comentários:
Permita-me ter a veleidade de a encaminhar para um post que escrevi e publiquei no meu blog no ano passado, a respeito da inteligência artificial. O post, que me deu muito trabalho a preparar (confesso), é o seguinte: https://amateriadotempo.blogspot.com/2018/03/inteligencia-artificial.html. Relendo-o, parece-me que poucas ou nenhumas alterações lhe faria agora.
Os investigadores na área da inteligência Artificial (IA, na sigla em inglês) estão muito preocupados com as questões morais que estão envolvidas no desenvolvimento da IA e na sua utilização. Defendem, por exemplo, que os estados devam, desde já, estabelecer um código de ética claro e taxativo, a ser imposto a todos os que se dedicam à investigação e à utilização da IA, incluindo penas a aplicar a quem não cumprir esse código. Mas isso poderá não ser suficiente, porque a IA, com a sua capacidade de aprender por si mesma, poderá acabar por violar esse código de ética sem qualquer intervenção humana. Isto dito assim é muito abstrato. Vou tentar ser um pouco mais concreto.
Os investigadores que têm trabalhado na área da aprendizagem-máquina (machine learning), por exemplo, têm vindo a detetar um preocupante aparecimento de estupidez artificial, a par da inteligência artificial. O que quero dizer com isto? É claro que existem pessoas preconceituosas. Demasiadas, até. Pessoas que são racistas, sexistas, xenófobas, homofóbicas, etc. Entre os próprios engenheiros e cientistas que têm trabalhado no desenvolvimento da IA existem pessoas assim. Ora tem-se verificado que um sistema de IA que seja desenvolvido por um engenheiro preconceituoso se torna, ele também, preconceituoso. Já existem sistemas de IA que discriminam as mulheres em relação aos homens, por exemplo, porque os homens que os desenvolveram agem assim. Aconteceu há pouquíssimo tempo na Google, salvo erro. Mas mais preocupante do que isso é que pode acontecer que um sistema de IA que seja à partida tolerante e aberto pode tornar-se, por si mesmo e ao longo do tempo, preconceituoso, porque interage com uma sociedade onde existem pessoas preconceituosas.
Enfim, o assunto não se esgota por aqui, mas para já é o que se me oferece dizer sobre o assunto.
Corrijo: em inglês, a sigla da inteligência artificial é AI, evidentemente, de Artificial Inteligence.
Olá Fernando,
Sim, o seu texto é interessante. Mais do que isso: deixa-nos a pensar. Todo este tema perturba. Sabemos que a AI pode ser infinitamente bom mas que encerra em si riscos que podem ser infinitamente maus. E quando a tecnologia fica acessível a muita gente e quando a desregulação vem longe, muito atrás, os riscos são ainda maiores. Como impedir que alguma coisa de muito mau aconteça? Não faço ideia. Imagino que não seja possível.
Máquinas com algoritmos de AI inventaram uma linguagem e começaram a comunicar entre si, uma linguagem que os humanos não entendiam. Ou contas de twitter alimentadas através de AI que desataram a escrever coisas fascistas...
Não sei o que se pode fazer.
Obrigada pela partilha da sua opinião, Fernando. Sempre muito pertinente e rigorosa, a sua opinião.
Olá,
Eu acho que a inteligência artificial está muito longe desse grau de autonomia que poderá colocar o ser humano em causa. As capacidades de aprendizagem das máquinas, de desenvolverem uma suposta linguagem, incompreensível para os seres humanos, são sofisticações tecnológicas interessantes mas muito longe de atingir o nosso nível de "inteligência" (por exemplo, a sofisticação e eficiência energética do cérebro humano é praticamente impossível de reproduzir com os sofisticados microprocessadores de silício).
O que me preocupa mais é a biotecnologia. Com essa tecnologia sim podemos vir a médio prazo por exemplo a reproduzir o cérebro humano "programando-o" de formas que sairão fora do nosso controlo cognitivo.
A inteligência artificial per si, do processamento digital assente no transistor de silício, preocupa-me a sua utilização. É como a bomba atomica: não é tanto a falta de controlo sobre como a fabricar e controlar mas a assimetria nesse conhecimento, que dá vantagens desproporcionais a quem o detém.
O que vemos no Facebook, no Google e afins é um vislumbre dos reais problemas da inteligência artificial: não é tanto a tecnologia per si, mas como e quem a controla. Se no passado era fácil entregar este poder de controlo ao estado, hoje esse mesmo estado tem.muita dificuldade em reclamar esse controlo. Para mais, as novas "armas" são mais facilmente acessíveis a qualquer indivíduo (aliás, a sua produção é hoje descentralizada). Esse é para mim o grande problema e desafio.
Todos podemos programar facilmente um drone, um carro autónomo, etc... que aprende e tal com a sua interação com o ambiente e afins... mas a questão é que tipo de decisões éticas é que colocamos no código:
https://youtu.be/-N_RZJUAQY4
Abraço!
Olá Paulo,
Justamente. Como grande parte das coisas deste género, o perigo não está tanto nas coisas em si mas no seu potencial mau uso.
A programação aprende-se facilmente, há fóruns de discussão e partilha, há código disponível na web e na dark web e tudo se faz de forma disseminada e não controlada. E muitas vezes nem é tanto a má intenção do quem o faz mas, mais, o aliciante de ver se se consegue. E, quando se consegue, está feito. E disponível para voltar a ser feito. E isto no que se refere a algoritmos, a automação de dispositivos, a equipamentos que 'aprendem' por si.
E na biotecnologia com partes de corpo a serem produzidos e gente a ser clonada e o DNA a ser manipulada os riscos estão também à vista.
Claro que as boas utilizações são infinitas e também também ser divulgadas e enaltecidas.
Mas o problema de má utiliação é bem real e está na total dispersão de meios, na acessibilidade impossível de regular e na não-conscencialização global de quem poderia tentar refrear o mau uso.
E um bom 1º de Maio, Paulo.
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