sexta-feira, março 22, 2019

Qual a palavra para dizer azul, silêncio, limpidez?





Nos outros, eu gosto de ler textos curtos, palavras soltas. Mas eu, quando me ponho a escrever, não sei ser contida. Falta-me um freio, falta-me um filtro, falta-me a sabedoria para destilar as ideias. 

É como na pintura. As que escolhi e comprei aqui para casa são neutras, claras, simples. Eu, se me ponho a pintar, desfaço-me em cor, incapaz de controlar a torrente.

Não sei que é isto em mim, este excesso. 


Por exemplo, agora estou com vontade de escrever sem ser por nada e gostava mesmo era de ser capaz de saber dizer palavras silenciosas, transparentes. Estou a escrever e a parar, a pensar, sem saber como escrever para que, quem leia, se sinta como se estivesse a contemplar, em silêncio, uma lâmina de gelo azul, límpida, perfeita. Pétalas de azul efémero.

Também gostava de saber falar sobre a paz. Não a impossível paz no mundo mas, sim, apenas, a paz entre duas pessoas talvez unidas por invisíveis e inconfessáveis laços feitos de palavras. Mas não sei. Acredito que seria preciso muito mais do que sei. Não sei alcançar as quimeras, não sei como aproximar-me do transcendente. Nem sei se a palavra transcendente aqui faz sentido pois desconheço as letras que deslizam, frescas, azuis, que se unem, que formam palavras puras. Afecto, luz, paz, água, azul, olhar, silêncio. Ou fogo.


Uma cama azul, infinita, amores perfeitos e intangíveis, palavras cegas, perdidas, procurando o gesto, o tacto, o remoto olhar. Soubesse eu qual a palavra, a única palavra, soubesse eu dizer pouco e numa única palavra guardar dentro o reflexo, a saudade, o sonho, o murmúrio, o fogo. Mas não sei.

Talvez a palavra amor.

Mas não sei.

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As fotografias mostram o gelo a quebrar-se no Lago de Michigan
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4 comentários:

Anónimo disse...

Mas não sabe...
E no entanto, escreveu um dos seus mais belos textos de sempre.
And blue is the warmest colour...
E Amor é a palavra mais importante do mundo, se houver amor, qualquer espécie de amor, ainda haverá esperança para o mundo (pareço uma Miss a falar, eu sei, but I mean it.

Tenha um dia feliz!
Maria

Anónimo disse...

Assim. Palavras fortes que nos arrebatem com leveza. As suas também por vezes, UJM. Certos dias.

"Não grites, não suspires, não te mates: escreve.
Escreve romances, relatórios, cartas de suicídio, exposições de motivos, mas escreve. Não te rendas ao inimigo. Escreve memórias, faturas.
E por que despreza o homem, papel, se ele te fecunda com dedos sujos mas dolorosos?
Pensa na doçura das palavras. Pensa na dureza das palavras.
Pensa no mundo das palavras. Que febre te comunicam. Que riqueza.
Mancha de tinta ou gordura, em todo caso mancha de vida.
Passar os dedos no rosto branco... não, na superfície branca.
Certos papéis são sensíveis, certos livros nos possuem."
C. Drummond de Andrade

Abraço
JV

Isabel disse...

Músicas lindas (sou muito fã da M.B.), fotos espectaculares (no começo fiquei na dúvida se era foto ou pintura) e palavras bonitas.
Estes são os post que mais gosto e com que mais me identifico.

Beijinhos e um bom dia:))

(Gostei muito do poema do C.D.A.)

Anónimo disse...

Outras vezes, outros dias, palavras com graça. Ou ironia da pesada. Tontice pegada. Não fosse aqui o registo saltitante e não acabaria sempre retornando. Acha muita gente que não se pode ser pessoa focada, estudiosa, e ter esta necessidade de fazer saltitar os pirolitos. Espantam-se se digo que, neste momento, tenho nove livros abertos. Nao consigo baixar o número, quando acabo um já vou a meio de outros dois. Uns contos pelo meio. Tenho poetas na mesa da sala, na secretaria do quarto, na gaveta da mesinha do meu gabinete no trabalho. Vinte minutos de saltitanço mental à hora de almoço, que frescura de viver! E se não pego num pobrezinho há meses não significa que não pense nele, que não goste dele. Não tenho problema em abandonar aqueles cuja chama não arde em mim. Mas há prazer em degustar a reflexão quase subconsciente de uma leitura em curso. Que se deixa arrastar sem cansaço. Como há prazer em ler de rajada livros que são tempestades. Este seu blog, UJM, é muito isto para mim e não queria que ficasse a pensar, por causa do comentário lá de cima, que só em certos dias valeria a pena visitá-la.

Abraço
JV