O que eu penei para conseguir conciliar tudo. O que eu penei para conseguir fazer o que era certo com o que eram as minhas circunstâncias. Cada vez que me lembro...
Muito cedinho, dava a papa do pequeno almoço e, a seguir, dava de mamar. Saía a correr para ir para casa da minha sogra. Transportes e mais transportes e a pé, sempre a correr. A casa longe do trabalho e de casa dela. E, depois, ia a correr e mais transportes para o trabalho. Por volta das quatro e tal da tarde já eu sentia o peito a encher, depois os mamilos a arrepanharem-se e saía a correr e mais transportes e chegava lá, cansada, os seios quase a rebentarem. Já tinham comido a papa do lanche e eu sentava-me e, de imediato, punha-os ao peito para que se saciassem. Nessa altura tinha a licença de amamentação que consistia em ter duas horas de desconto no horário, uma de manhã, uma à tarde.
Se o trabalho apertava e, à tarde, me atrasava, os seios não aguentavam a pressão e eu sentia que os mamilos começavam a pingar. Ia a correr para a casa de banho, cortava grandes bocados de papel higiénico, fazia rolinhos compactos e punha-os dentro do soutien para que ensopassem o leite. Mas aconteceu não ser suficiente e ficar com o vestido ou a blusa todos molhados. Uma aflição, um desconforto, uma vergonha. Só eu sei.
Noutras ocasiões, se tivesse que dar de mamar em público, punha-me num canto, tentava passar despercebida, uma fralda (de pano) ao ombro, e cobria o bebé e o seio.
A minha filha mamou até aos treze meses. Andava, falava e ainda mamava. Até que eu, que já andava um bocado saturada, um dia lhe disse que já não havia leitinho. Ela não queria acreditar e eu tive pena de mentir. Mas já não tinha grande jeito, teve que ser. Com ele não foi até tão tarde pois era muito sôfrego, mamava com tanta força e tão rapidamente que se engasgava sempre, quase sufocava e, enquanto eu o punha ao alto e o abanava para se desengasgar, os mamilos esguinhavam por todo o lado, indo-lhe para a cara, fazendo arder-lhe os olhos, incomodando-o. Era um desatino. Por isso, tenho ideia que, por volta dos seis meses, fartou-se e deixou de querer mamar. Custou-me porque sabendo que o leite materno é super saudável, queria que ele mamasse até mais tarde mas, por outro lado, foi um alívio. Não sei se por mamar daquela maneira, estimulava-e a produção de uma tal forma que tinha leite que dava para alimentar uma ninhada de bebés e os meus seios andavam sempre quase a explodir, sempre a deitarem leite, sempre doridos. Além disso, dar-lhe de mamar em espaços públicos era o perfeito desatino. Eu a querer passar despercebida, tudo no maior pudor, e ele a engasgar-se, a chorar, o leite a jorrar como pipas transbordantes.
Por tudo isto, pelas dificuldades todas por que passei, é com uma certa invejinha (invejinha das boas, note-se) que vejo como, nos tempos que correm, algumas mulheres já se sentem libertas para dar de mamar em público ou para extrairem leite e, inclusivamente, algumas até podem levar as crianças de peito para o trabalho. Quem me dera ter podido fazer tudo isso, quem me dera.
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A primeira fotografia mostra a modelo Rachel McAdams a posar para a Versace, a segunda mostra Mara Martin a desfilar no Miami Swim Week Fashion Show. E esta aqui abaixo mostra Jacinta Ardern, Primeira-Ministra da Nova Zelândia, numa sessão das Nações Unidas para a qual levou a sua bebé.
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