sexta-feira, agosto 31, 2018

Olh'ó passarinho


O meu marido, quando à noite se ouvem os gritos das gaivotas, protesta: 'Essas gajas não se calam'. Eu gosto. São gritos fortes que condizem com o seu porte majestoso, quando abrem as asas e atravessam o mar. 

Também se insurge com elas quando se abeiram da esplanada onde tomamos o pequeno-almoço. Bichos espertos e com grande capacidade de adaptação, elas chegam-se a todo o lado onde lhes cheira a comida. Acho-as bonitas: elegantes e determinadas. Ele diz: 'Cagam tudo'. Não é dado à poesia.

No outro dia, vi um senhor a vir da beira do mar com uma gaivota ao colo. Como eu própria vinha da água, não tive como registar a situação. Terão que acreditar nas minhas palavras. Transportava-a com cuidado. Depois pousou-a. Ela agitou-se, tentou abrir as asas, tombou, uma das pernas a tentar ajudar mas sem sucesso. O senhor voltou a pegar nela ao colo e levou-a até a uma pequena piscina que tinha sobrado da maré que estava a descer. Julgaria que a água a ajudasse. Não ajudou. O senhor pegou então nela, atravessou o areal e foi pô-la na cadeira do nadador-salvador que não estava lá. A pobre gaivota, de repente sem majestade ou altivez, ali ficou, numa aflição, sem força. Não sei se estaria lesionada, doente ou se apenas estaria na sua hora de se ir. A incapacidade ou o fim da linha é sempre uma coisa triste de observar. Imagino a surpresa desagradável que o nadador-salvador, um jovem bronzeado, terá tido quando voltou ao seu poiso. Na volta, ainda pensou que tinha sido a gaivota que o tinha procurado, em busca de ajuda.

De vez em quando, interrompo a leitura, pego na máquina e começo a seguir o voo das gaivotas que sobrevoam a praia.

Gosto mais de vê-las assim, livres, belas, do que pensar que, como todos os seres vivos, também têm as suas fragilidades e a sua finitude. E, de facto, também não gosto de vê-las feitas pombos descarados a ver se debicam croissants. Mas as coisas nem sempre são tão impolutas, perfeitas e genuínas como gostamos de as idealizar.






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