A do Rei Tony, bem grande |
A do Presidente Marcelo, também de bom tamanho (e nada de o confundir com o senhor em 1º plano que deve ser da Segurança. O nosso Marcelo está lá ao fundo, á direita) |
Só hoje é que consegui ir à Feira. Durante a semana é para esquecer, saio do trabalho tardíssimo, incapaz de ir laurear. Durante os transactos fins-de-semana, os afazeres foram outros, mais campestres que citadinos, com os sempre bons compromissos familiares à mistura. Portanto, hoje, finalmente e in extremis, lá estivémos caídinhos.
Mas a malta já não é jove, a malta já não está para as cenas às quais antes se entregava com deleite, sem qualquer sacrifício. O meu marido, no meio da barafunda, volta e meia pergunta-me porque quero eu lá ir. Não respondo porque não sei o que responder. Acho que é a mística. Mas também não sei desenvolver mais do que isto.
Muita gente, muito calor, muito barulho, muito cheiro a farturas. E aqueles stands que me aparecem envoltos em hiper consumo incomodam-me muito, contaminam um bocado a minha disposição.
Mas, enfim, é o que é -- e contra místicas não há cá caguinchices, funfuns ou gaitinhas.
Incomodados e encalorados lá fomos circulando.
Numa mesa, a Maria de Belém, com o esfíngico Eanes ao lado, falava na 'sociologia da carícia'. O meu marido solidarizou-se: 'Parece-me bem. Sociologia da carícia. Estou capaz de aderir'. Não percebemos a que propósito vinha aquilo mas ambos acreditámos que sim. Na volta para baixo já era o Eanes, agora sem óculos e mais gordo de cara, que, com aquela sua voz fechada e semblante igualmente carregado, dizia coisas. Eu disse: 'Está melhor agora que antes' e o meu marido completou 'Especialmente no sotaque'. Dei uma gargalhada.
Noutro stand, uma animada jovem mulher, falava na importância da qualidade do serviço, dizia banalidades, dava o vulgar pontapé 'tem a haver com' e prosseguia, afirmando, com garbo, que até tinha escrito nas redes sociais que o serviço está melhor em Portugal. O meu marido disse: 'Ah, isso é importante'. Na volta para baixo, já era um jovem homem que, com igual entusiasmo, falava do serviço e que tinha tido uma experiência a partilhar: alguém o tinha servido com um sorriso. O meu marido disse, com aquele seu ar de quem não parte um prato: 'Também é importante'. Fosse como fosse, a verdade é que tinha muita gente a assistir.
À sombra de quase todos os stands estava a costumeira mesinha onde uma ou um solitário escritor espera que alguém lhe vá pedir um autógrafo. Por vezes, estão dois e, aí, já podem conversar um com outro. Faz-me pena aquela desolação.
Num daqueles bigs stands com esplanada a meio, estava uma mesa com o Rodrigo Guedes de Carvalho mas, também ele, lá estava conversando com um companheiro, sem quaisquer devotos requerendo dedicatória.
Eu, mal lá chego, para me refrescar o espírito e conseguir suportar a balbúdia das marabuntas, começo por comer um gelado, desta vez um daqueles novos de chocolate e framboesa. Mas não foi suficiente.
É que hoje o contratempo também era outro. Conto: para agudizar a coisa, ando com uma pouca sorte do caneco com as máquinas fotográficas. Tanto que as crianças andam com a máquina dum lado para o outro, tantas vezes que já a deixaram cair. Até ao bebé, como num dia o contei, dei com ele a passear a máquina como se fosse um cão pela trela. Pois fui eu que, no outro dia, lá in heaven, a deixei cair no chão de pedra e parti a lente. Fiquei para morrer. Máquina para o galheiro. Um abalo na minha existência.
Hoje, para a Feira, fui buscar a velhinha Nikon, pu-la a carregar e, esquecida do problema que me levou, na altura, a ter que comprar outra, levei-a. Pois mal tirei uma fotografia, pimbas, bateria esgotada.
Portanto, com vontade de fazer a minha reportagem e sem ter com o quê, vi-me apeada.
E, quando surgiu um motivo mais do que suficiente para ter que registar o momento, não tive outro remédio senão valer-me do telemóvel. Uma infelicidade.
Pois muito bem: vamos, então, ao que interessa.
Conforme se vê na primeira fotografia, aquela lá em cima, uma fila bestial: tudo para o grande escritor Tony Carreira. Os outros escritores às moscas e os fãs do Tony todos alinhados em fila de pirilau para colherem o autógrafo do emérito escritor (escritores em lato sensu, claro, já que qualquer andorinha de arribação que resolva escrever três patacoadas já se acha escritora). O cúmulo do nonsence civilizacional, digamos assim.
E estando eu a divagar sobre a problemática, eis que, no meio da algazarra, de gente vestida de boneco, de gente com barulhentas crianças, intelectuais aos montes, alternativos aos cachos, casais gays a passear caniches, idosos, socialites e etc, no meio da relva, um amontoado. Aproximo-me para espreitar mas, sinceramente, já suspeitando. E não me enganei: era ele. O omnipresente, omnisciente e omnipotente Marcelo. Lá estava. Em pessoa.
No meio do separador central de relva. Distribuía beijocas, abraços e prestava-se às costumazes selfies.
O meu marido disse: 'Este gajo exagera' e deu-me ordem de marcha. Cruzei-me com uma rapariga que dizia, eufórica, 'Tirei uma selfie com ele: es-pec-ta-cu-lar!!!'. Um momento inesquecível na sua vida, deu para perceber.
Lá fui.
O ruído, a barafunda e o calor tiram-me do sério e fico incapaz de ter o sossego de alma que, para mim, é necessário para me debruçar sobre os livros, para mondá-los com a necessária atenção.
Acabei por trazer uns quantos, mas poucos, e fiquei com a sensação que deveria era lá ter ido um dia à noitinha, pela fresca.
Acabei por trazer:
Agora Sua Excelência, our Presidente, estava, pois, debaixo de um toldo e, à vez, os fãs iam ter com ele, ele dava o beijinho da praxe e faziam-se à fotografia. Se alguém se atrasava, o sorridente Senhor Presidente gesticulava, mantava acelerar. E, nos entretantos, voltava-se para trás e falava com os crentes que o chamavam pela rectaguarda.
Uma festa.
O meu marido puxou por mim, zangado, 'E tu parece que achas graça a este disparate'. Acho. Acho graça a tudo o que é exagerado, disparatado e inócuo. Mandei umas fotografias à minha mãe. Respondeu: 'Esse está em todo o lado'.
A mim o que me faz espécie é como é que ele, sempre naquela frenética roda-viva, faz para ir à casa de banho. O dia inteiro no meio de gente de toda a espécie e feitio, como é que ele se aguenta? Juro: faz-me espécie.
Mas pronto, adiante. Lá nos fomos embora. Alguns dos meninos estavam na aula de natação e fomos lá vê-los. Fico sempre feliz da vida quando estou perto dos meus meninos, grandes e pequenos.
E depois viémos para casa. Jantámos, fiz o jantar de amanhã, dei apoio psicológico ao meu marido num trabalho que tinha que acabar hoje, e agora aqui estou com mais esta pilha de livros e sem fazer ideia de onde hei-de pô-los. Ainda sugeri ao meu marido irmos ao IKEA antes de virmos para casa mas ele não deu bola: 'Era mesmo só o que faltava, depois da Feira do Livro, acabar o dia no IKEA'. Percebi. Seria dose.
Portanto, olhem, ficamos assim.
Quanto ao tamanho da fila do Tony e do Marcelo (e atenção, eu comecei com f, disse fila), não as medi mas, enfim, já sabemos: o tamanho não importa.
Mas a malta já não é jove, a malta já não está para as cenas às quais antes se entregava com deleite, sem qualquer sacrifício. O meu marido, no meio da barafunda, volta e meia pergunta-me porque quero eu lá ir. Não respondo porque não sei o que responder. Acho que é a mística. Mas também não sei desenvolver mais do que isto.
Muita gente, muito calor, muito barulho, muito cheiro a farturas. E aqueles stands que me aparecem envoltos em hiper consumo incomodam-me muito, contaminam um bocado a minha disposição.
Mas, enfim, é o que é -- e contra místicas não há cá caguinchices, funfuns ou gaitinhas.
Incomodados e encalorados lá fomos circulando.
Numa mesa, a Maria de Belém, com o esfíngico Eanes ao lado, falava na 'sociologia da carícia'. O meu marido solidarizou-se: 'Parece-me bem. Sociologia da carícia. Estou capaz de aderir'. Não percebemos a que propósito vinha aquilo mas ambos acreditámos que sim. Na volta para baixo já era o Eanes, agora sem óculos e mais gordo de cara, que, com aquela sua voz fechada e semblante igualmente carregado, dizia coisas. Eu disse: 'Está melhor agora que antes' e o meu marido completou 'Especialmente no sotaque'. Dei uma gargalhada.
Noutro stand, uma animada jovem mulher, falava na importância da qualidade do serviço, dizia banalidades, dava o vulgar pontapé 'tem a haver com' e prosseguia, afirmando, com garbo, que até tinha escrito nas redes sociais que o serviço está melhor em Portugal. O meu marido disse: 'Ah, isso é importante'. Na volta para baixo, já era um jovem homem que, com igual entusiasmo, falava do serviço e que tinha tido uma experiência a partilhar: alguém o tinha servido com um sorriso. O meu marido disse, com aquele seu ar de quem não parte um prato: 'Também é importante'. Fosse como fosse, a verdade é que tinha muita gente a assistir.
À sombra de quase todos os stands estava a costumeira mesinha onde uma ou um solitário escritor espera que alguém lhe vá pedir um autógrafo. Por vezes, estão dois e, aí, já podem conversar um com outro. Faz-me pena aquela desolação.
Num daqueles bigs stands com esplanada a meio, estava uma mesa com o Rodrigo Guedes de Carvalho mas, também ele, lá estava conversando com um companheiro, sem quaisquer devotos requerendo dedicatória.
Eu, mal lá chego, para me refrescar o espírito e conseguir suportar a balbúdia das marabuntas, começo por comer um gelado, desta vez um daqueles novos de chocolate e framboesa. Mas não foi suficiente.
É que hoje o contratempo também era outro. Conto: para agudizar a coisa, ando com uma pouca sorte do caneco com as máquinas fotográficas. Tanto que as crianças andam com a máquina dum lado para o outro, tantas vezes que já a deixaram cair. Até ao bebé, como num dia o contei, dei com ele a passear a máquina como se fosse um cão pela trela. Pois fui eu que, no outro dia, lá in heaven, a deixei cair no chão de pedra e parti a lente. Fiquei para morrer. Máquina para o galheiro. Um abalo na minha existência.
Hoje, para a Feira, fui buscar a velhinha Nikon, pu-la a carregar e, esquecida do problema que me levou, na altura, a ter que comprar outra, levei-a. Pois mal tirei uma fotografia, pimbas, bateria esgotada.
Portanto, com vontade de fazer a minha reportagem e sem ter com o quê, vi-me apeada.
E, quando surgiu um motivo mais do que suficiente para ter que registar o momento, não tive outro remédio senão valer-me do telemóvel. Uma infelicidade.
Pois muito bem: vamos, então, ao que interessa.
Conforme se vê na primeira fotografia, aquela lá em cima, uma fila bestial: tudo para o grande escritor Tony Carreira. Os outros escritores às moscas e os fãs do Tony todos alinhados em fila de pirilau para colherem o autógrafo do emérito escritor (escritores em lato sensu, claro, já que qualquer andorinha de arribação que resolva escrever três patacoadas já se acha escritora). O cúmulo do nonsence civilizacional, digamos assim.
E estando eu a divagar sobre a problemática, eis que, no meio da algazarra, de gente vestida de boneco, de gente com barulhentas crianças, intelectuais aos montes, alternativos aos cachos, casais gays a passear caniches, idosos, socialites e etc, no meio da relva, um amontoado. Aproximo-me para espreitar mas, sinceramente, já suspeitando. E não me enganei: era ele. O omnipresente, omnisciente e omnipotente Marcelo. Lá estava. Em pessoa.
No meio do separador central de relva. Distribuía beijocas, abraços e prestava-se às costumazes selfies.
O meu marido disse: 'Este gajo exagera' e deu-me ordem de marcha. Cruzei-me com uma rapariga que dizia, eufórica, 'Tirei uma selfie com ele: es-pec-ta-cu-lar!!!'. Um momento inesquecível na sua vida, deu para perceber.
Lá fui.
O ruído, a barafunda e o calor tiram-me do sério e fico incapaz de ter o sossego de alma que, para mim, é necessário para me debruçar sobre os livros, para mondá-los com a necessária atenção.
Acabei por trazer uns quantos, mas poucos, e fiquei com a sensação que deveria era lá ter ido um dia à noitinha, pela fresca.
Acabei por trazer:
- Páginas (V) de Ruben A.
- Páginas (VI) de Ruben A.
- Alguns motetos de José Bento, selecção e prólogo de José Tolentino Mendonça
- Contos Naturais de Carlos Fuentes
- O passo do adeus de Cristina Campo
- Dacosta em Paris, textos de António Dacosta
- Animal animal, um bestiário poético, organização de Jorge Sousa Braga
- Cemitério de elefantes de Dalton Trevisan
- Cartas de Manuel Laranjeira, prefácio de Miguel de Unamuno
Agora Sua Excelência, our Presidente, estava, pois, debaixo de um toldo e, à vez, os fãs iam ter com ele, ele dava o beijinho da praxe e faziam-se à fotografia. Se alguém se atrasava, o sorridente Senhor Presidente gesticulava, mantava acelerar. E, nos entretantos, voltava-se para trás e falava com os crentes que o chamavam pela rectaguarda.
Uma festa.
O meu marido puxou por mim, zangado, 'E tu parece que achas graça a este disparate'. Acho. Acho graça a tudo o que é exagerado, disparatado e inócuo. Mandei umas fotografias à minha mãe. Respondeu: 'Esse está em todo o lado'.
A mim o que me faz espécie é como é que ele, sempre naquela frenética roda-viva, faz para ir à casa de banho. O dia inteiro no meio de gente de toda a espécie e feitio, como é que ele se aguenta? Juro: faz-me espécie.
Mas pronto, adiante. Lá nos fomos embora. Alguns dos meninos estavam na aula de natação e fomos lá vê-los. Fico sempre feliz da vida quando estou perto dos meus meninos, grandes e pequenos.
E depois viémos para casa. Jantámos, fiz o jantar de amanhã, dei apoio psicológico ao meu marido num trabalho que tinha que acabar hoje, e agora aqui estou com mais esta pilha de livros e sem fazer ideia de onde hei-de pô-los. Ainda sugeri ao meu marido irmos ao IKEA antes de virmos para casa mas ele não deu bola: 'Era mesmo só o que faltava, depois da Feira do Livro, acabar o dia no IKEA'. Percebi. Seria dose.
Portanto, olhem, ficamos assim.
Quanto ao tamanho da fila do Tony e do Marcelo (e atenção, eu comecei com f, disse fila), não as medi mas, enfim, já sabemos: o tamanho não importa.
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