terça-feira, janeiro 09, 2018

Memória por correspondência





O dia de férias in heaven durou até mais tarde do que devia pois, no regresso, encaixámos-lhe uma ida a casa dos meus pais e, para desespero do meu marido, ainda uma ida à Zara para ver se, nos saldos, arranjava algumas peças de vestuário para os miúdos. Contudo, tendo encontrado tudo já muito escolhido, a demora foi maior pois gosto de ser igualitária no que lhes dou. Ora, aquilo estava mesmo muito esgotado.  Encontrando algumas coisas para alguns, em especial para ela (há sempe mais coisas para meninas), para não ser desigual, tive que me empenhar muito, rebuscar tudo, uma e outra vez, para ver se não vinham três ou quatro coisas para ela e nenhuma ou uma ou duas coisas fraquitas para outros. O meu marido não percebe estes meus cuidados. Por ele, chegava lá, encontrávamos quatro ou cinco coisas aproveitáveis, pagava e estava feito. Se eram três coisas para ela, uma para um e outra para outro, ficando dois sem nada, não é coisa que lhe causasse apreensão ou que ficasse com necessidade de se explicar: era o que havia de jeito e ponto final. Mas eu não sou assim. Não faço isso.

Veio de lá meio furioso e o 'meio' está aqui apenas para aligeirar a prosa.

Acresce que, ao entrarmos na rua, que é estreita, estava um camião a descarregar nem sei o quê. Tivemos que ficar na fila de carros que se formou. E ele cada vez mais furioso. Depois perguntou-me o que era o jantar. Respondi que eu ia comer fruta. Ainda mais furioso ficou. Disse-lhe que lhe fazia o jantar que ele quisesse. 'O quê?', a voz passada. E eu: 'O que quiseres'. Furioso: 'Já percebi tudo'. Não percebi o que é que ele tinha percebido mas nem respondi. Eram dez da noite. Fui para a sala separar as roupas dos miúdos por sacos, juntando os talões de troca já que a jovem que estava na caixa não os agrafou a cada peça. Ele fez arroz e comeu com atum e salada. Eu comi um dióspiro e amêndoas. Tinha-me prevenido. Antes de entrar para a Zara, fui comer uma empada de galinha. Ele não quis. Disse depois que nunca imaginou que nos demorássemos tanto. Como se a culpa da dificuldade em arranjar roupa aproveitável no fim dos saldos para cinco crianças fosse minha.

Bem.

E estive a arrumar as sobras do fim de semana já que deixamos sempre o frigorífico desligado. Também estive a passar a ferro a blusa que vou vestir amanhã já que tenho uma reunião bem cedo, não tenho tempo para isso de manhã. 

Com este programa de festas, só consegui chegar à sala já tarde. E, tendo ido ver os mails, encontrei um que me deixou impressionadíssima. Fiquei um bocado sem nada fazer, como se nem fosse capaz de assimilar o que tinha lido. Li e reli e depois, a custo, emocionada, consegui responder. Mas respondi com a convicção que não estava a encontrar as palavras certas. Mas não sei se há palavras certas, seja para o que for, quanto mais para situações limites. 

E fiquei sem vontade para inventar motivos para escrever sobre outra coisa qualquer. Há alturas em que percebemos como as nossas palavras podem soar fúteis para quem, aí desse lado, se defronta com problemas verdadeiramente sérios.

Por isso, não levem a mal, mas hoje não vou desenvolver qualquer ideia. Estou sem ideias.


Comecei a ler um livro e estou a gostar muito. Não é ficção. São memórias de um tempo inenarrável na vida de uma mulher, quando criança. Memória por Correspondência, O Livro de Emma Reyes, Emma Reyes.

Vinha com ideia de escrever sobre o que tinha lido, talvez até transcrever um ou outro excerto. Contudo, agora não sei do livro. Mas não me apetece ir à procura. Até pode ter ficado no carro. Mas nem é isso. É que estou sem palavras. A vida por vezes tira o chão a algumas pessoas e eu, quando sei de algumas dessas situações, ficou tão impressionada que acho que as minhas fracas palavras não contêm a sabedoria ou a sensibilidade para poderem ser de préstimo para quem aqui vem procurar alguma companhia ou distração. O que sei é que a coragem de que se calhar todos somos capazes não sabendo disso antes de sermos postos à prova é uma coisa que me impressiona muito. Ou se calhar não é coragem, é resiliência. Não sei.


Do que entretanto já soube, a história de Emma Reyes é também a extraordinária história de uma mulher muito corajosa, uma mulher de uma fantástica resiliência. E, por isso, por uma curiosa coincidência, talvez não seja despropositado que, não tendo palavras ajustadas para o que estou a sentir depois do mail que recebi, aqui deixe referência ao livro de memórias por correspondência de uma mulher que teve uma infância muito estranha e muito difícil e que, através da escrita, encontrou a melhor forma de exorcizar a recordação desses seus tempos tão duros.

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Um dia feliz a todos quantos por aqui passarem.

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