quarta-feira, outubro 25, 2017

Voar sem rede


E não me perguntes porquê. 
    E não queiras que te conte de mim. 
       E não tentes encontrar a ponta do fio. 
Não há fio. Acredita. 
Não há ninguém por detrás de mim. A sério. 
E não há razões. Não há. Sobretudo isso, não há razões.

Sonha. 
Sonha que me sonhas. 
Sonha que sou um sonho. 
Sonha que desço do teu sonho para me deitar ao teu lado. 
Sonha. E eu vou sonhar também.




Desvenda os segredos que trago sobre mim. São véus invisíveis. Um a um, retira-os.

Procura com as tuas mãos a pele que me cobre, sente a carne macia e sumarenta que espera por debaixo.

Adivinha que caminhos em mim percorre o fio de luz que me chega vindo não sei de onde, talvez do nada, talvez de um outro tempo.

Adivinha onde se vai ele acolher. Adivinha. Adivinha com os teus dedos, deixa que eles sigam o seu caminho. Ou deixa que o insolente fio de luz os guie.


Olha-me nos olhos. Vem. Não te desarmes. 

Olha lá bem no fundo. Não te percas no abismo que talvez adivinhes no intangível ponto onde a luz se faz nada. 

Olha os meus olhos. No fundo deles há um lago imenso que me transporta até ao mais fundo do mundo. O lugar da perdição. O meu olhar.

Não mergulhes. Não percas o pé. Não te percas. Olha-me apenas. Pressente-me. Não te percas de mim. Nunca te percas de mim.


Ouve como respiro.
Ouves? Ouves?

Voam dentro de mim mil pássaros, mil anjos, mil sonhos. 
Ouves?

Estende as tuas mãos e toca-me. 
Sentes-me?

Sente como as ondas de cor e de luz me envolvem. 
Sente como as tuas palavras me beijam. 
Sentes?

Sente como do teu olhar se desprendem abraços, sorrisos, laços, laços tão suaves, laços tão leves, tão infindos que chegam até mim. Inconfessáveis. Imaculados. Tentadores.

E agora vai. 
Esquece. Esquece-me.
Guarda dentro de ti todos os mistérios, os meus, os teus, todos os secretos desejos, os nossos. Não existem. Nunca existiram.
Mas guarda-os. Guarda-os para sempre. Guarda para ti, para mim. Memórias, histórias, sonhos, rastos de luz, vislumbres, jardins suspensos que talvez nunca tenham existido, o cheiro do meu corpo apenas sugerido, o cheiro do teu apenas adivinhado, os nossos olhares para sempre enleados. Guarda-me dentro de ti. 

Mas não me perguntes. Não sei de nada. Acredita: não sei de nada.

Existo? Existes?

Não sei.
O que achas, tu?

Eu acho que talvez não. Acho que te inventei e que, depois, enquanto sonhava, me inventei a mim.

A sério.

Não.
A sério, não: a brincar.

Estou a brincar. Até tenho vontade de sorrir.


Vou sorrir para ti. Escorrem-me dos dedos sorrisos, provocações, inocências.

Vês-me? Sentes-me?




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