sexta-feira, outubro 27, 2017

Marcelo e aquela historinha do escorpião e do sapo.
[Pode alguém ser quem não é?]
E bola para a frente que o tempo não é de tricas mas de construção


Pessoa que conheço bem, comunista dos quatro costados, com liaisons e contactos, sempre disse que o Marcelo não é flor que se cheire e que, mais cedo ou mais tarde, o que ele é haveria de vir à superfície. E lá vinha o facto dele ser afilhado do outro, o Caetano, ou uma carta em tempos escrita. Quando eu rebatia e lhe dizia que não, que, o que o homem tinha sido, já ficara lá para trás, no passado, que as pessoas mudam, que ele até tem tido um papel positivo e construtivo, ele dizia: 'vai ver, espere para o ver depois das autárquicas...'. E eu pensava :'Poças, que má vontade contra o homem... O Marcelo até tem sido um porreirão...'. E ficava a matutar: porque haveria o Marcelo de mudar de registo depois das autárquicas?


Pois bem, eis que, de facto, num inusitado volte-face, Marcelo -- que, repito, sempre tinha tido uma relação de complementaridade com o Governo, parecendo que a Presidência e o Executivo caminhavam a par para puxar pelo prestígio do País e pelo ânimo dos Portugueses -- num momento de tragédia e em que a emoção estava à flor da pele aconselhando a uma atitude de contenção, e em que o Governo estava prestes a anunciar medidas, faz um discurso que parece um violento puxão de tapete a Costa e aos seus ministros.


Mas ainda mais incomodada fico agora, quando leio que, afinal, Costa tinha antes informado Marcelo que a ministra ia sair e que uma série de medidas iam ser anunciadas no fim de semana.

Leio isto e fico perplexa: que deslealdade a de Marcelo... Na ânsia de cavalgar qualquer onda, Marcelo nem olhou a meios. Sabendo do impacto que as suas palavras iam ter e sabendo que, saindo a ministra e depois das medidas de sábado, poderia colher os louros, não hesitou em espetar uma venenosa farpa no dorso do Governo. 

Acho feio, custa-me, parece que é falho de ética. Nada que não seja condicente com o que se conhecia do Marcelo de antanho mas feio, ainda assim.

Pode parecer que ganha mas é daquelas vitórias feias, que, a prazo, ficarão como nódoas na lapela. Daqui em diante, lembrar-nos-emos não apenas da desagradável história da Vichyssoise mas também do seu ataque traiçoeiro a uma ministra fragilizada e de saída e a um governo debaixo de fogo e prestes a apresentar medidas para reconstrução e prevenção.

É como receber Santana Lopes na véspera de ele anunciar a candidatura... Não fica bem a Marcelo. Para quê aquilo? Acredita ele que Santana Lopes tem estatura para poder vir um dia a ser um primeiro-ministro capaz...? E quer mostrar que o apadrinha...? Não faz sentido. Diminui-se com coisas destas.


Há em Marcelo qualquer coisa de frenético e de ânsia de agradar, de estar em todas, de dar as tácticas a todos, de opinar sobre cada coisa que acontece à superfície da terra, de estar todos os dias na televisão, em inaugurações, em festividades, a entrar em casas, a dar abraços e beijinhos a toda a gente, a dizer segredos a uns e piadas a outros. Acredito que seja até genuíno nisto mas é quase uma adicção. Parece que não pode passar sem a adrenalina que daí lhe vem. E esquece-se que na ânsia de agradar pode, pelo excesso, vir a gerar o efeito contrário. O povo diz: 'tudo o que é demais enjoa' e o povo costuma ter razão.

Mas, enfim, convém não dramatizarmos. Provavelmente um dia destes Marcelo, que é um intuitivo, vai perceber que está a carregar na nota e que começa a suscitar censura junto de quem antes o admirava. E, inteligente como também é, irá dosear os beijinhos e as selfies e vê-lo-emos mais resguardado.

E não vou dizer mais nada porque acho que não há muito mais a dizer. Francamente, acho que nem Marcelo tem, na realidade, vontade de arranjar conflitos com o Governo, nem creio que haja grandes dissidências de pontos de vista entre ele e António Costa. Tenho para mim que mais do que ter uma agenda oculta e ter vontade de dar cabo da geringonça para reabilitar o centrão, o que se passou (e presumo que há-de passar-se de novo quando a ocasião se lhe proporcionar) foi um daqueles seus  irreprimíveis ímpetos de se atirar para cima da onda mediática.


Claro que me lembrei da história parabólica do escorpião e da rã mas, benevolamente, acho que a picadela não pretendeu ser letal. Aquilo, cá para mim, foi mesmo só uma coisa naquela base. Portanto, acho que mais vale ficarmos por aqui. E bola para a frente.


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Para quem não conheça a história, aqui fica


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As imagens que usei provêm, de novo, da inesgotável arca do tesouro do We Have Kaos in teh Garden.

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