terça-feira, outubro 17, 2017

Harvey Weinstein ou o fim da era dos machos-fornicadores





Nos Estados Unidos, como tema recorrente dos dias que correm -- para além dos que decorrem da estupidez e do narcisismo permanentemente exibidos por Trump -- há o escândalo que resulta das denúncias em catadupa de mulheres do mundo do cinema sobre o assédio sexual de que foram alvo por parte de um dos maiores produtores de Hollywood. 

Harvey Weinstein era o magnata da Academia que financiava generosamente as campanhas eleitorais dos democratas e que era sempre visto na companhia de belas actrizes, uma das quais a sua jovem mulher. Dir-se-ia que era tudo dele.

E, de repente, o céu do seu mundo veio abaixo e não há uma voz que se levante para o defender. 

Os casos sucedem-se e o comportamento apresentava um bizarro padrão: parece que convidava as jovens aspirantes às luzes da ribalta a irem até ao seu quarto de hotel, para discutirem aspectos contratuais ou para as aconselhar. Depois aparecia-lhes nu, pedia uma massagem, persuasivo, como se fosse normal. E muitas vezes, com receio de que, se se negassem, o seu sonho de carreira acabasse ali, elas acediam. Falam também de violações. Outras vezes fugiam. Fugiam até de Hollywood. E não o denunciavam pois sentiam vergonha. De alguma forma, sentiam-se envergonhadas, talvez envergonhadas por terem acedido a ir até ao quarto de hotel.


Até que o dique da auto-censura se rompeu e, de repente, todas falam nem que seja para dizerem que se envergonham por não ter falado. O irmão, seu sócio, abandonou-o, a mulher divorciou-se, foi saneado da sua empresa, França vai retirar-lhe a condecoração, os testemunhos sucedem-se, os cartoons gozam-no, a opinião pública despreza-o. O predador Weinstein é agora um bicho acossado. Ser um touro desembolado, um marialva desencabrestado, um fornicador incontinente já não é medalha que se exiba. A sociedade já não gosta de acolher no seu seio homens descompensados que tratam as mulheres como gado pronto para ser coberto.


E eu, vendo este homem, lembrei-me da única vez em que me senti francamente incomodada com a manifestação de interesse por parte de um homem. Penso que já o contei. Das altas instâncias veio a recomendação, oriunda do Ângelo Correia, para que recebêssemos um argelino, importante homem de negócios. Calhou-me a mim fazer as honras da casa.

Na altura, os gabinetes eram muito amplos. O meu tinha bem para cima de trinta metros quadrados, sofás de pele, bons quadros, um belo tapete turco de lã, uma mesa redonda pequena junto à janela, e uma sumptuosa vista sobre o rio.

A minha secretária trouxe-mo: era gigante, forte como um urso. Não gordo mas, todo ele, corpulento. Moreno, cabelos curtos encaracolados. Um homem de aspecto possante. Nitidamente não estava à espera de ser recebido por uma mulher e não escondeu a surpresa. O normal neste mundo é que, quem ocupa lugares destes, seja homem. E, desde o início, não despegou os olhos de mim. De forma insistente, fixava-me. Eu tentava levar a conversa para o que o trazia ali mas dir-se-ia que ele se tinha esquecido disso. Estava-se nas tintas para os seus negócios. Pediu para tirar o casaco. Transpirava. Tinha uma camisa branca sem gravata, aberta em cima. E transpirava como um touro. Limpava a testa impudicamente com um lenço que, por fim, deixava pousado sobre a mesa, quase como se fosse normal fixar uma mulher daquela forma e, enquanto isso, transpirar em bica. Uma coisa desconfortável. Não tirava os olhos de mim mas de uma forma mais do que insistente. E dizia: 'Vous êtes une femme très interessante'. Comecei a querer ver-me livre dele, a dar a conversa por acabada. Mas ele parecia hipnotizado. Levantei-me, liguei para a minha secretária e pedi que me mandasse uma outra colaboradora para me interromper, para inventar uma desculpa qualquer. Passado um bocado ela entrou, chamou-me, disse que estavam á minha espera. Em francês, expliquei-lhe que tinha que dar a nossa reunião por terminada. Ele nem se mexeu. Corpulento, o corpo inclinado na minha direcção. Ela disse-me: 'Credo, parece prestes a saltar-lhe para cima'. 

Não me lembro de tudo o mais tive que fazer para correr com o bicho. Fingi sempre que não percebia e tentei falar da empresa, dos produtos e serviços que poderíamos exportar para a Argélia. Pediu-me então que lhe arranjasse amostras. Obviamente não as tinha ali comigo mas disse que lhas arranjava, que esperasse noutra sala que alguém lhas levaria. Que não. E, então, descarado, escreveu o nome do hotel e o número do quarto, queria que eu fosse ter com ele. Respondi taxativamente que não e pu-lo fora do gabinete. Fui até ao elevador, seca, incomodada. Cruzei-me com um colega que ainda o viu com pouca vontade de se enfiar no elevador, especado a olhar para mim e a repetir que eu era uma mulher muito interessante. Mal me vi livre dele, disse a esse meu colega: 'Nunca mais me meto numa destas. Sempre que me apareça mais algum animal destes, ou alguém com origem num país destes, chamo-o para fazer de meu bodyguard'. E assim foi, com marroquinos, sírios e até, uma vez, com um chinês com ar suspeito, eu cravava sempre algum colega para ali estar a fazer figura de corpo presente. E simpáticos, eles acediam sempre a fazer esse papel.

E se isto me aconteceu uma única vez e já foi tão mau, uma sensação tão incómoda, imagino o que é passar por isto numa situação mais confinada, com menos escapatórias.

Por isso, acho muito bem a repercussão que este caso está a ter. Penso que pode ser que tenha um efeito pedagógico não negligenciável na sociedade ainda tão machista. Pode ser que os homenzinhos que se acham muito homens ao assediarem sexualmente as mulheres aprendam que isso já era.

Trogloditas no more!


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Sobre os incêndios deste fatídico dia 15 de Outubro falo no post abaixo.

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