segunda-feira, outubro 16, 2017

Carta aberta a José Sócrates


Caro José Sócrates,

Na tarde deste sábado, em família, houve acesa discussão em torno de si e do processo Marquês. Tratando-se de gente que considero informada e bem formada, devo dizer que tenho que encarar com seriedade as opiniões dos meus familiares e a convicção que já formaram sobre a sua culpabilidade.

Ao mesmo tempo tenho que constatar que a sua personalidade continua a polarizar opiniões extremadas que, facilmente, tendem para alguma irracionalidade.

Em concreto, enquanto a mim me acusam de cegueira por não querer ver o que para eles é óbvio, eu a eles vejo-os a misturarem opiniões de índole moral sobre o seu comportamento, opiniões sobre o regime que, às tantas, envolvem a relacionamento de Ricardo Salgado com Bava ou Granadeiro, a gestão da PT ou do GES, o compadrio endémico que sempre se soube existir entre certas castas -- ou seja, a misturarem assuntos que são periféricos em relação àquilo de que é acusado. 

Mas, porque dão por consistente o que se vai sabendo e cruzam informação que vai saindo na comunicação social com o que vai sendo confirmado em entrevistas (e, às tantas, já tudo aparece meio distorcido e já afirmam com convicção, por exemplo, que o seu amigo, de uma forma ou de outra, já lhe passou para as mãos vários milhões), consideram que é incontornável que a fortuna do Engº Carlos Santos Silva é, na verdade, sua e que toda aquela circulação do dinheiro entre contas foi urdida por si, e que, sendo aquele dinheiro seu, só pode ter resultado de corrupção.

Acresce que toda a gente conhece as escutas onde se ouve como as suas amigas lhe pedem dinheiro e se ouve a sua voz num registo que deixa poucas dúvidas de que a casa de Paris e o dinheiro seriam, de facto, seus.

Eu contraponho que é aos tribunais que incumbe provar se o dinheiro é seu pois tudo pode ser uma teia de conjecturas em que umas justificam as outras e em que parte delas pode ser ficção.

Contudo, apesar de me forçar a não querer formar juízos pois não estão provadas as linhas de raciocínio que o Ministério Público seguiu e não quero correr o risco de embarcar em falácias, tenho que confessar que gostava de ver esclarecidos alguns pontos.

Assim, penso que a bem da sua defesa (porque, como deve estar farto de saber, a comunicação social já o condenou e, portanto, a opinião pública também) e a bem da consciência de quem não quer juntar-se ao coro de acusadores, o meu Caro deveria esclarecer o seguinte:

1 - Ao todo, quanto é que o seu amigo lhe emprestou? E pode explicar minimamente isso? Ou seja, pode explicar porque é que, se o meu Caro não tinha dinheiro, pedia empréstimos para depois andar a passar férias à grande e à francesa (passe o trocadilho), a frequentar bons restaurantes, a comprar quadros ou decoração dispendiosa? E, ao ritmo a que gastava, como pensava poder alguma vez pagar ao seu amigo? Compreenda que, mesmo que o dinheiro não seja seu e que todo este processo gire em torno de um embuste, a ser verdade tudo aquilo dos empréstimos, fica o incómodo perante um comportamento que parece pouco transparente ou pouco razoável.

2 - Ao todo quanto é que emprestou àquelas três amigas? E pode explicar o contexto em que lhes emprestou dinheiro (porque, reconheça, não é normal uma pessoa andar a emprestar sistematicamente dinheiro a amigas a menos que seja um generoso benemérito com fundos quase ilimitados)? E, se os não tinha, qual o sentido de pedir dinheiro emprestado para depois o emprestar a elas?

3 - Há verdade naquilo de ter emprestado ou dado dinheiro a amigos e amigas para andarem a comprar livros seus (dinheiro que, ainda por cima, pedia emprestado ao seu amigo)? Se for verdade, isso foi o quê? Uma incontrolável vontade de aparecer como um 'vencedor' aos olhos da opinião pública? Agora que se sabe, arrepende-se? E aquilo de pagar a um blogger, ao Miguel Abrantes? Confirma? Ou é tudo mentira?

Não interprete estas perguntas como uma ingerência em assuntos pessoais seus. Tudo isto caíu na opinião pública e tudo isto causa perplexidade,  fazendo com que se levantem dúvidas sobre a sua idoneidade ou, de uma forma mais geral, sobre a sua maneira de ser.  E toda a acusação (pública) assenta em cima destes factos (factos ou conjecturas). Portanto, perceba que ajudaria à compreensão deste 'romance' se respondesse, com franqueza, a estas perguntas.

Não espero que me responda directamente a mim mas acredite que gostava que ver estas dúvidas esclarecidas. 

Resta-me desejar-lhe que a Justiça seja rápida e justa e que a sua dignidade seja sempre respeitada.

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