terça-feira, outubro 31, 2017

Ana Leal e o "cartel do fogo" na TVI.
[Nunca é bonito o espectáculo da necrofagia]


E quando anda o pessoal todo a curtir as altas epifanias, 
  • uns porque foram fazer uma manif e já acham que vão salvar o mundo e, de caminho, limpar a floresta e pôr o Siresp a funcionar que nem um brinquinho,
  • outros porque organizaram uma expedição para ir oferecer uma mobília de quarto, uma de sala, brinquedos e abraços porque abraços é coisa que faz muita falta neste processo,
  • o Presidente Marcelo a distribuir beijinhos e, of course, também abraços e a ameaçar que não vai deixar passar (não se sabe bem o quê), mais parecendo que está a instigar a malta à rebelião passiva (como o outro totó da Catalunha dizia antes de fugir para a Bélgica; ou era resistência passiva? -- olha, agora não me lembro; mas também não interessa) 
  • e até o nosso tão bem conhecido Hugalex a andar pelas terras ardidas, todo prosa, também a resolver o problema distribuindo abraços e palavras benzidas,
eis que nos entra casa adentro um grupo de pessoas a falar da máfia dos incêndios, do cartel do fogo, e kamoves e milhões e mais milhões para aqui e para ali. Uma conversa que, de tão impudica, quase soa a obscena. 

E uma pessoa fica de boca aberta: numa altura de seca extrema, de ventos diabólicos, de terras abandonadas, em que qualquer faísca seria fatal, pode mesmo acontecer que tenha havido uma máfia a atiçar os fogos e, em cima, uma cáfila a esfregar as mãos face aos milhões ganhos? Pode mesmo ter acontecido que os pirocumulonimbos que fazem parecer que o mundo está a acabar tenham tido, na sua génese, a torpe avidez de uma imperdoável súcia? Ou isto será um delírio da Ana Leal?


Ainda não consegui bem perceber de que falam, pois cada um diz coisas para o seu lado e todos negam qualquer coisa. Mas o que me parece é que este assunto é uma fogueira de interesses e ganâncias ateada por longa incompetência acumulada ao longo de anos e, na volta, regada à força de corrupção. Eu, se fosse à mana Vidal, ia rebobinar isto e ver as pontas que por aqui andam pois dá ideia que coisa há, não se sabe é se é exactamente o que estão para aqui a dizer, tanta a raiva de que parecem possuídos. Mas é mesmo capaz de ter mesmo caroço neste angu.

Passo a relatar:


Está um senhor que penso que se chama Ricardo Dias -- e que é o responsável da Everjets -- e que faz lembrar o Macron. Tem um ar normal mas, quando fala, fica com um ar temível. Trouxe fotografias para incriminar (penso que de má gestão) o rival que está em frente. Aviões reparados com paus e atilhos, mostra ele. O outro diz que não tem nada a ver com aquilo.



Quando ele fala do número das horas de voo, ao lado dele, uma Ana Leal de faca na liga e que, tal o fácies, mais parece que está com o diabo no corpo, confronta-o com o número de mortes, desafiando-o quanto à veracidade do que ele diz. Ele não se torce nem se amolga -- mais morto menos morto, mais horas menos horas, mais milhão menos milhão -- e prossegue o seu raciocínio. No entanto, depois diz que também é operacional e que não gosta de ver mortos (e eu penso: bolas, até já estou mais descansada... vai que ele tinha dito que entra em êxtase quando vê mortos...)

E continuam. Neste momento o dito Ricardo fala do negócio dos milhões e diz mesmo assim: 'negócio de milhões' e diz que não são apenas as empresas dos meios aéreos que são os bandidos desta história. E atira com mais uns milhões valentes para cima da mesa.

Agora falam dos projécteis que caíram do céu, aparentemente com explosivos, e o senhor diz que não é do interesse dele atear fogos pois não ganha mais por voar horas a mais.

Já antes, na reportagem, mostraram aquelas coisas estranhas que a GNR vai recolher para analisar.


E na parte que, antes, vi da reportagem o que ouvi é de loucos: aparentemente maus negócios uns atrás de outros e lá aparecem os sempiternos Kamov. Pedro Silveira, um senhor de uma empresa de helicópteros (Heliportugal), dizia que quem assim negoceia ou é incompetente ou corrupto mas que não queria alargar-se porque já está com dois processos às costas, um movido pelo ex-ministro Miguel Macedo e outro pelo Marques Mendes (Terei ouvido bem...? A que propósito o tangerina aparece neste filme...?). O senhor afirma que há muitos anos que diz que há mão criminosa nos fogos mas diz que para ele não é negócio voar. Melhor é não voar e receber. 

E eu, claro, concordo. Já o outro, o Ricardo, dizia o mesmo: receber e não voar é que é bom. Ou seja, receber o dinheiro e não ter que gastar dinheiro com combustível e outras cenas. Também eu preferia receber o ordenado e não ter que trabalhar. Quase coisa de La Palice.

E continuam a falar de milhões para aqui, milhões para acolá. Os senhores da Força Aérea, na reportagem, criticavam toda esta felga, dinheiros mal gastos, um regabofe, que com eles ia ser muito mais barato.

No estúdio, agora, os dois inimigos dos meios aéreos não concordam, e nisto parecem estar de acordo, e dizem que vai sair mais caro e que ninguém vai saber quanto é que custa. Quem os ouça dirá que aquilo lá nas Forças Armadas é o que se quiser e tudo na maior opacidade.

Tudo isto, visto aqui da minha tranquila sala, parece, pois, uma nebulosa de fumo.

E, no meio disto, a Ana Leal, toda destravada, a confrontar agora o Pedro Silveira que está a passar-se com ela, dizendo que ela tem que o deixar falar, e que o estudo dela também tem erros. Ela está capaz de o estraçalhar. Tem uma cara de má que impõe respeito e atira-lhe com desprezo, chispas, palavras e números à cara.

No meio deste braseiro, não consigo tomar partido. De resto, também não conheço a Bíblia; se conhecesse, talvez conseguisse desarrincar alguma tirada que servisse para aqui absolver o dito Pedro, o dito Ricardo ou a mesmo a dita Ana. Assim, limito-me a olhar, perplexa.


Agora que isto já está mais para o fim apareceu o senhor dos Bombeiros todo desnorteado com o Governo porque o Governo parece que anda a querer poupar tostões e agora ele ali ouve falar em milhões. Antes os outros tinham falado em mil milhões para os Bombeiros mas este senhor de que não fixei o nome diz que não é nada disso. Mas não fiquei a saber ao certo de que é que ele se queixa. Fiquei com a ideia que queria que o Costa lhe tivesse dado um abraço e dois beijinhos (e que, lá está, como diria o padroeiro-novo dos desacamisados, vulgo São Marcelo: foi mais uma oportunidade perdida para o Costa).

E agora acabou o debate e o que eu retive é que alguém devia investigar bem tudo isto porque no meio de tanto milhão, mesmo que não haja corrupção, há certamente muito dinheiro mal gasto e, pior, alguma má gestão de meios, aéreos ou outros.


Já agora a ver se o Senhor Presidente, o nosso Marcevito, veste nova camisola e ergue nova bandeira: contra a máfia do fogo marchar, marchar! E, se possível, em português (que há pouco, no carro, bem o ouvi todo franciú, a fazer biquinho para o Juncker).

Apreciaríamos.