terça-feira, agosto 22, 2017

Verde, que yo te quiero verde.
Ode a um certo green god, quiçá a comer figos.
E outras coisas verdes igualmente indecentes. Ou talvez não.




Não sou de ter preferências. Se me perguntam qual o autor preferido, não sei dizer. Acho que nem tenho que saber porque o que é melhor varia com o tempo e com as circunstâncias e tantas vezes desvalorizei o que, anos mais tarde, me fez cair de joelhos perante a elegância e surpresa da sua escrita. Sobre o compositor preferido, também não sei. Se disser um, di-lo-ei por desfastio, para não ficar calada. Mas estarei bem ciente que estarei a ser vulgar. Bach, por exemplo. Di-lo-ia só por dizer porque, para mim, há outros, tanto como ele. Ou o livro da minha vida. Não tenho. Tenho montes deles. Ou o beijo que não esquecerei. Tantos. Incapaz de escolher só um. Ou um sunset especial. Tretas. À sua maneira, são todos especiais. A canção da minha vida? Que pergunta fajuta! Os casais parece que costumam ter uma. A mim não me ocorre nenhuma em especial. Talvez algumas mas qualquer delas por razões inconfessáveis pelo que, para isso, mais vale estar calada. Um prato? A mesma coisa. Para mais, sou de boa boca. A árvore preferida. Está bem, está. Umas por isto, outras por aquilo. E para quê escolher uma se andar num bosque é dos maiores prazeres que há? E se o bosque tiver nascido das nossas mãos? Ah, que prazer tão absoluto. Eu, mãe de um bosque. Para ser ainda melhor, só se por ele passassem cavalos verdes. Ou nele habitassem pássaros verdes que tocassem harpa ao entardecer. Ou um blog? Ou um blogger? Não posso dizer. De uns gosto disto, de outros daquilo e de uma pequena minoria gosto de tudo mas dificilmente saberia dizer porquê. Não digo, portanto. 


Uma cor preferida, claro que também não sei dizer. Penso logo em encarnado porque toda eu sou paixão mas, se o pensamento durar muito, sou capaz de começar com derivações. Talvez mais do que paixão, a sedução. E qual a cor da sedução? O silky dark and hot rosa, com shadows em suaves tons secretos? Qual a indizível cor do mistério? Nao sei. Direi, então, talvez o branco que é puro, limpo, simples, a origem de tudo. Mas sou também capaz de dizer azul, ou porque me apeteça nele mergulhar, ou deitar-me sobre ele, blue velvet, as mãos a deslizar no macio, ou o olhar a buscar o infinito que é azul, cada vez mais azul, mais atraentemente intangível. Ou a luz do amarelo, o amarelo feliz, a alegria de todas as formas de amarelo, ouro, terra quente, ameixas carnudas e amarelas, o sumo doce a escorrer-me da boca. E o verde, verde que te quero verde, os bosques, os musgos, os fetos, o verde que me rodeia e impregna.


Penso em verde e ocorre-me em simultâneo o Green God e o Tyson Ballou (e que me perdoem as tias da gramática das cinco que não suportam uma fotografia de um homem prosaico no meio de um poema mas é por demais sabido que aqui, neste salão, homens carnais são bem vindos; e se quase desnudos tanto melhor)


Trazia consigo a graça 
das fontes quando anoitece. 
Era o corpo como um rio 
em sereno desafio 
com as margens quando desce 



Andava como quem passa 
sem ter tempo de parar. 
Ervas nasciam dos passos, 
cresciam troncos dos braços 
quando os erguia no ar. 

Sorria como quem dança. 


E desfolhava ao dançar 
o corpo, que lhe tremia 
num ritmo que ele sabia 
que os deuses devem usar. 



E seguia o seu caminho, 
porque era um deus que passava. 
Alheio a tudo o que via, 
enleado na melodia 
duma flauta que tocava. 

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Os dias vão quentes e eu, no meu primeiro dia de férias de verão, desbastei árvores, abri espaços de estar entre bosques que se se tinham adensado. Penso que os meus braços têm a força de um lenhador. Serro grossos troncos, sinto o odor que se desprende da madeira enquanto os serro, olho e vejo a elegância das árvores depois de retiradas pernadas que encobrem caminhos. E não me canso.

Já perto da noite, passeei por entre pinheiros, cedros, aroeiras, azinheiras. Ia satisfeita com o tanto que tinha trabalhado e o tanto que tenho ainda para fazer. 


Enquanto passava silenciosa, de uma árvore, um rumor, um bater de asas, a folhagem num sobressalto, e um grande pássaro, talvez uma rola, levantou-se e voou quase à altura das minhas pernas. Branca e cinza platinado, uma ave distinta. Também encontro muitos bichos pequenos, talvez pequenas lagartixas. Ontem à noite coloquei os restos da corvina cozida do jantar com alguns restos de batata doce, num dos canteiros perto de casa. Hoje nada. Espero que tenha sido a mamã gata branca e o filhote branquinho que sobreviveu. Ontem ouvi um miado muito ténue e fiquei preocupada. Tanto calor para um gatinho sobreviver. Deixei um recipiente com água.

Os figos, com tanto calor, estão a amadurecer depressa demais. Indecentes de tão doces. Nem crescem, tanta a pressa de agradar. Oferecem-se. E eu aceito o convite.


As uvas estão quase boas. Passo por uns e outras e, como um pássaro, vou debicando. Mesmo morna a fruta, tanto me faz. Aos figos, como-lhes até a pele. Não sigo a etiqueta. Não abro em quatro, pétala a pétala. Não. Gosto muito de figos, muito, muito. Por isso, não condescedo na deferência. Bicho-animal mesmo. Também gosto de uvas e de todas as frutas, mas os figos são especiais. São os figos e as memóras que trago deles. Há neles uma carnalidade que me agrada e que vem de muito antes.
[O acúcar da fruta há-de trazer-me o peso que perdi, mas, com trabalho tão árduo, talvez compense. Aqui, felizmente, não tenho a balança que não me deixa pôr o pé em ramo verde.] 
Verde que te quero verde. 


Hanging cabinets: detail of a naked figure -- Duilio Cambellotti 1912


Figos verdes e dourados por dentro ou verdes com a carne roxa ou escuros por fora e apenas doces por dentro. Tenho-os aqui de todos. Pingo de mel. Do olhinho, escorre, brilhante, o suco do fruto.

[E as tias-beatas e literatas que se benzam de novo que mais uma heresia está para entrar, fazendo eu minhas palavras alheias: D. H. Lawrence, em Women in Love, descreve a forma como se come um figo. E eu, depois de descrever a forma gulosa como os como, nem aqui deveria pôr isto, pois ainda alguma mente perversa me atribui tendências que não me assistem. Mas, a bem da literatura e da cinefilia, aqui fica
The famous "fig" scene from Ken Russell's 1969 film "Women in Love," adapted from the 1920 D.H. Lawrence novel. 
The explicit sexuality and eroticism of the film (including nude love scenes, male frontal nudity and homoerotic wrestling) broke new ground and challenged long-held cinematic taboos about depicting sex on celluloid. 
In this clip, Alan Bates as Rupert Burkin compares a fig to a woman's vagina, describing the "proper way" to eat it before shocking his audience by "taking out the flesh in one bite," or, the "vulgar" way. ]



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As fotografias foram feitas in heaven

(A do Tyson Ballou é que não é minha porque não o apanhei por cá. Senão a ver se também não o fotografava, ai não, não.)

Lá em cima Ana Belen y Manzanita interpretam Verde que te quiero verde, poema de Federico García Lorca

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E queiram seguir para o vermelho molhado do tomate do post abaixo.

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