domingo, agosto 13, 2017

As flores, os frutos, o silêncio





Tínhamos um pessegueiro perto de casa que se enchia de pêssegos pequenos que, mal medravam, logo caíam. O chão sempre cheio de fruta imprestável. Depois apanhou uma doença, as folhas encarquilhadas, todo ele a pedir um fim. Fizemos essa caridade. Serrado pela base.

Anos depois, aparecem rebentos de pessegueiro por todo o lado. Vamos cortando porque despontam no canteiro do alfazema, no canteiro das rosas. A um dos rebentos deixei ficar. Está ao pé das sardinheiras, não estorva muito. É ainda um pé esguio, quase nem se dá por ele, Pois ontem, para minha surpresa, tinha vários pêssegos. Os meninos apanharam-nos e levaram-nos. Penso que sobram uns dois ou três. 


Subsiste o verde apesar do calor. Mal se vê o céu. A névoa persiste. Já não cheira a fumo mas o cinzento que oculta o azul deve ser feito de cinzas.

No entanto, não sei como, sobre as árvores e sobre os arbustos vejo a luz como se o sol conseguisse fazer brilhar a folhagem apesar desse véu.


Como habitualmente, estivemos a desbastar árvores e a limpar algum mato. Como não se pode usar máquinas, que poderiam fazer soltar alguma faísca, é tudo esforço braçal. Pelo meio, vou-me encantando com a perfeição das pequenas flores, com a simetria dourada que se oculta por entre a folhagem seca.

Fotografo, e é uma forma de descansar. A natureza tem uma força impressionante. E uma variedade infinita. Por todo o lado descubro maravilhas. Hoje, por várias vezes, senti bichos a mexerem-se à minha passagem, um rumor, um deslizar por entre as folhas secas. Não sei se são cobras, lagartixas, outros animais. Não sei como sobrevivem sem água, sem uma frescura, um orvalho. 


Fotografo tudo e, por onde passo, vou descobrindo como o tempo vai embelezando as coisas. Uma rocha acariciada pelos ventos, pelo sol, pela chuva, um tronco morto, uma raíz arrancada à terra, a madeira ganhando novas texturas e cores. Sendo que a beleza provoca um sentimento de satisfação em quem a contempla, imaginem como me sinto sempre tão encantada vendo beleza em tudo isto.

Agora estou a descansar. Tenho aqui comigo 'Amar, verbo intransitivo -- Idílio' de Mário de Andrade. Vou ler e, imagino eu, adormecer. Apesar do calor, o tempo hoje talvez não esteja tão quente. Convida ao sereno descanso. Está um silêncio suave. As cigarras não se fazem ouvir. Apenas de vez em quando, uma leve aragem que faz cantar a caruma. Há pouco, um sino ao longe pontuou este tão doce silêncio que os pinheiros perfumam.


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Ficha técnica do bailado lá em cima: 

Compañía Nacional de Danza Multiplicidad. Formas de Silencio Y Vacío 
Nacho Duato. 

J.S. Bach - Anner Bylsma-Suite No. 1 in G Major, BWV 1007/I. Prélude

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