sábado, junho 03, 2017

Serão as improbabilidades simples milagres?





Pois, em verdade, vos digo.

Há coisas que estão para além de qualquer probabilidade. Inexistências que, sem se perceber como, passam a existir.

Eu conto. 

Estive nem sei quantos anos sem ver uma pessoa. Sempre me dei muito bem com essa pessoa e já por algumas vezes aqui falei dela. Contudo, as circunstâncias da vida levaram-nos para mundos diferentes. Estou a tentar pensar em quantos anos. Oito? Nove? Mais? Não sei mas admito que por aí.

Pois bem.


Ontem, subia eu uma escada rolante num local altamente populado quando, em sentido contrário, essa pessoa. Abrimos a boca de espanto. Fiz sinal que esperasse por mim lá em baixo e eu, mal cheguei lá acima, dei meia volta e desci para um bem merecido abraço. Olhámo-nos, sorrindo, alguma emoção. Cabelo grisalho. De resto, quase igual. Talvez mais umas rugas. O mesmo sorriso. A mim disse-me: 'Tu estás igual!' o que não me admirou pois é sempre isso que quase toda a gente me diz e, portanto, já interiorizei que me mantenho igual a quanto tinha, para aí, uns vinte anos. 

Falámos, resumimos os feitos dos últimos anos, ao fim de poucos minutos já estavamos, como antes, nas confidências, e foi aquele conversar fluido de sempre. Depois eu tinha que ir e mais beijinhos e abraços e 'temos que nos encontrar e a ver se não passam mais mil anos'. E eu lá fui à minha vida, grata e radiante pela aparição, prometendo-me que, não tarda, lhe vou ligar para ir passar um dia in heaven, para termos horas de seguida para pôr a conversa toda em dia.

Pois bem.

E acreditem se quiserem. 

Hoje. Dia com um compromisso especial a seguir ao almoço. Um dia conto o local exquisite onde fui. Hoje não que o tema é outro. 
Aliás, lá está: aqui nunca posso ser explícita, é uma maçada. Se escrevesse em word, desligada da net, só para moi-même, um diário normal, podia descrever tudo, certinho, direitinho. Isso e mais desabafos sinceros, no osso. Ou pensamentos afiados, como: este fez isto, aquele fez aquilo e eu sei que sim mas não posso nem quero dizer em público mas a ti, querido diário, posso contar tudo. 
Mas, enfim, ainda aqui estou e, portanto, é tudo mais ou menos na abstração. 
Mas, então, dizia eu, aproveitei e fui almoçar num lugar tranquilo, perto da torre onde ia a seguir. Estava acompanhada, sentada a almoçar, conversando na maior calmaria. E, então, olho para a porta e fico sem acreditar no que os meus olhos me davam a ver.
Foco a visão. Não pode ser! Não acredito...!
A mesma pessoa da véspera. Sem tirar nem pôr.

Juro.


A pessoa também a rir, de braços abertos, sem acreditar. Então passam tantos, tantos anos sem nos vermos, e, de súbito, encontramo-nos durante dois dias de seguida, em distintos lugares?

E diz essa pessoa: mas tu queres crer que eu nem era para vir almoçar aqui, resolvi agora à última hora? E eu a dizer que eu também estava ali porque, a seguir, ia ali ao pé. 

E, então, sentou-se e, de imediato, desatámos, de novo, a conversar como as pessoas que conversam todos os dias e conversam de tudo e mais alguma coisa. E olhavamo-nos sem compreender que coisa era aquela, que cúmulo da improbabilidade, que coincidência mais rara...

A minha companhia teve que se ir embora e nós continuámos. Da vida, de nós, da família, de exposições, de passeios, de tudo.

Depois eu vi as horas e já estava atrasada, tinha que ir, e dissemos que não há duas sem três e, portanto, escusávamos de combinar.

Saí do restaurante ainda sem acreditar no que tinha acontecido.


Ao dirigir-me ao meu destino, sorrindo e quase levitando -- que é como sempre fico quando me acontecem coisas completamente impossíveis -- passei por uma livraria. Estava atrasada mas a situação merecia festejo. Não pude, portanto, furtar-me à imperiosa necessidade de festejar.

Tenho-os agora aqui comigo e se hoje não consegui ainda usufruir pois o apelo da praia ao fim do dia falou mais alto (e depois ainda fomos fazer umas compras), amanhã e depois tê-los-ei para mim: 'O caso das criancinhas desaparecidas' de Luiz Pacheco e 'Escritos sobre Arte' de Paul Klee. A seguir, quase tive que correr mas cheguei com uma pontualidade britânica ao meu compromisso.

E isto tudo é a mais pura das verdades. Gostava de aqui escrever o nome da pessoa, descrever os lugares, nomeá-los, contar os detalhes da conversa. Talvez gostassem de saber. Mas isso, desculpar-me-ão, já não posso.

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(Se calhar é timidez)


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Lá em cima, Nina Simone interpreta uma maravilha: Mr. Bojangles. Claro que a canção nada tem a ver com o texto e ainda menos tem com a dança reviravolteante Sufi. Ou, quem sabe, até tem sem eu saber que tem. As imagens são fotografias de Yung Cheng Lin que, como é bom de ver, também estão aqui apenas porque gosto delas.

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(Aí a seguir conto que não quero falar daquilo do Mexia e do Manso serem arguidos numa coisa que, a ser verdade é altamente cabeluda. Ou seja, abaixo poderão encontrar um não-post.)

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Saúde, sorte e alegria a todos quantos por aqui passam.

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