quinta-feira, junho 29, 2017

Conselhos aos novos -- ou nem por isso
(E isto nem tem especialmente a ver com a saída infeliz do Salvador Sobral lá no concerto)



Não gosto de dar conselhos. Opiniões, sim. Sou opinativa. Mas uma opinião é coisa que vale o que vale. Noutras circunstâncias, poderei achar outra coisa e lá vai a opinião ao ar.. Por isso, opino -- mas pouco aconselho. Sei lá o que é que os outros devem fazer? 

Se entra alguém para trabalhar comigo, não tenho paciência para conselhos, prelecções ou grandes enquadramentos. No outro dia tive uma conversa com alguém a quem perguntei se queria ficar a trabalhar comigo, alguém que estava a acabar um estágio. Se tanto, a conversa durou uns cinco minutos. Ele disse que sim, eu disse o que é que esperava dele e a coisa ficou arrumada. E o que eu disse que esperava dele é que fizesse sempre o que, na opinião dele, fosse o melhor possível, que tentasse aprender por ele mas, que, quando não soubesse, não tivesse acanhamento em dizer que não sabia ou que precisava de ajuda, e que tentasse ser, aos olhos dos outros, uma mais valia, alguém que trazia valor, que sabia maneiras diferentes de fazer as coisas. E pronto. 

E, ao fim de um dia, já eu estava a pedir-lhe que fizesse coisas que ele nunca tinha feito e que não sabia se sabia fazer. E hoje já o vi, sorridente, a cirandar e a fazer coisas. 

Não quero cá saber de horários*, de pontualidades*, de querer disponibilidades para além das razoáveis, não me ocorre falar de desafios, de tretas e de mais não sei o quê. Quanto muito, se me lembro, digo que devem ter uma vida equilibrada, que não devem abdicar de ter vida própria, que é bom que tenham gosto por fazer outras coisas. 

(*Porque a função tal não requer. Se fosse trabalhar numa loja ou num lugar de atendimento ao público ou num turno de uma fábrica, aí já a conversa seria outra. Obviamente.)


No outro dia, reuni-me com uma pessoa que trabalha comigo e que tem alguns problemas de relacionamento com um seu subordinado. Apesar de eu estar ali a tentar mediar o conflito, ali amesmo a conversa entre ambos azedou. Já estava, até, a achar graça a tanto ódio. O que lhes pedi foi que aprendessem a conviver com a maneira de ser um do outro e que se lembrassem sempre que devem andar bem dispostos, que não vale a pena aborrecerem-se por ninharias. E digo-lhes sempre que gosto de ver as pessoas que trabalham comigo a rir, gosto que me surpreendam com boas ideias, gosto que formem equipa. Pelo contrário, não suporto dramas.

Uma outra miúda que trabalha agora comigo veio de outra empresa e estava em risco de ficar desempregada. Tive a intuição, nem sei porquê -- já que a tinha visto apenas uma única vez e de raspão -- que era a pessoa que eu estava a precisar para uma determinada função. Foi contactada. Aceitou vir fazer uma coisa que nunca tinha feito na vida, um salto quântico nas suas funções. O lado negativo é que \trabalha um bocado longe de casa. Mas é só ela estar mais estabilizada na função, e vou passar a facilitar que fique a trabalhar em casa sempre que lhe der jeito. Mas anda motivadíssima. Diz: eu digo a toda a gente que a minha vida deu cá uma volta... E deu. E mais dará ainda, que já ando a ver se daqui por uns meses a mando para uma formação que a vai dar deixar com uma outra visão das coisas. E atiro-a para a frente, levo-a a reuniões onde nunca na vida ela pensou participar. Mas não lhe dei um único conselho. Puxo é por ela, empurro-a para a frente, deixo que vença o medo. Volta e meia diz-me que tem medo de não conseguir. Respondo: vai conseguir porque não tem outro remédio. Ela ri-se.

Uma outra a quem ando também a dar idêntico tratamento de choque, dizia a mesma coisa: estou com medo de não conseguir. E eu disse-lhe: tem que conseguir pois dependo de si. Tem que me ajudar e as duas vamos conseguir. Ela riu-se e disse: espero que sim, vou fazer por isso. Claro que vai. 

Mal de mim se não tiver a trabalhar comigo gente audaciosa, corajosa, solidária. Mas que não sejam apertadinhos, tipo marrãozinho, cheios de nove horas. Gosto de gente que ri enquanto fala, gosto de gente que confessa, enquanto ri de forma inocente, que tem medo. Também eu tenho medo. Medo que me falhem quando eu precisar. 


E também não gosto de receber conselhos. 

Tenho um colega que é o meu oposto. Eu nunca tomo apontamentos, não tenho dossiers (físicos) ou pastas (informáticas, digamos assim) -- a minha caixa de correio ou 'os meus documentos' é tudo na base do tudo ao molhe e fé em deus. Quando quero encontrar alguma coisa, faço uma pesquisa por palavras ou emissor ou destinatário. Também nunca arquivo nada. Portanto, qualquer destas cenas (caixa de correio, documentos, etc) tem milhares de coisas sempre à vista. Esse meu colega, pelo contrário, não apenas tem mil pastas, mil sub-divisões, mil caderninhos, como se orgulha do seu poder de arrumação e passa a vida a aconselhar toda a gente a seguir o seu método. Se eu lhe digo que vivo bem no meio do caos, ele olha-me com desconcerto.

Identicamente, raramente presto atenção a conselhos de livros, músicas ou filmes. Pode é acontecer que considere algumas pessoas, raras, como de inquestionável bom gosto e que, aconselhem o que aconselharem, eu siga cegamente. Ou podem algumas pessoas que mal conheço recomendarem alguns livros e, pela forma como se exprimem, me deixarem verdadeiramente curiosa. Já aconteceu isso em relação a livros que leitores (e agora estou a pensar, em concreto, numa leitora) me recomendaram e que, de facto, me agradaram bastante. Mas, tirando esses casos excepcionais, o que me recomendam entra por um ouvido e sai por outro.


Também não gosto especialmente de aconselhar livros ou músicas ou filmes. Não me parece inteligente fazê-lo. Apenas de vez em quanto o faço, e é quando me parecem de qualidade inequívoca e que podem agradar transversalmente. E, no entanto, sei por experiência própria que aquilo que, para mim, está acima de qualquer subjectividade se espeta na parede à primeira tentativa. Por exemplo, gosto mesmo muito do filme O amante de Lady Chatterley e, no entanto, o meu marido acha o filme longo demais e não vê nele nada de trascendente. Portanto, não vale a pena.

Muito menos gosto de me armar em moralista, em beata sempre pronta para a censura, em zeladora de bons costumes, tesoura em punho para cortar qualquer palavra mal dita. Uma coisa é ficar furiosa com a mediocridade de alguns políticos, pagos para serem os nossos representantes e zelarem pelo bem do seu país, e a quem vejo a fazerem burrices, a fazerem com que o país ande para trás ou se enterre. Aí a minha indignação fala mais alto pois acho que o dever de todos é olhar pelo bem de todos, em especial pelos que têm menos voz.

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E vem isto a propósito dos vídeos que vos mostro abaixo. Lydia Davis, escritora, Wim Wenders, cineasta, Norman Foster, arquitecto, Marina Abramovic, performer -- aconselham jovens. Gosto de ouvi-los mas não me imagino a ser capaz de fazer o mesmo. Talvez, quanto muito, dissesse: façam o que vos der na bolha, ousem, inovem, sejam corajosos -- e sejam felizes. Mas, lá está, isso sou eu. 












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As fotografias são da autoria de Lillian Bassman (a 1ª), Sheila Metzner (as duas seguintes) e Stéfanie Renoma (a última).

Lá em cima Agnes Obel interpreta Just so.

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P.S. a propósito de conselhos aos mais novos

Meio mundo anda para aí a dar conselhos ao Salvador Sobral. Eu, pelas razões já acima tão bastamente explanadas, sobre aquela tal palermice dita por ele no concerto de angariação de fundos para as vítimas do incêndio de Pedrógão, pouco tenho a dizer. 


diz que vai mandar um peido

Acho que, em iguais circunstâncias, eu jamais diria tal coisa. Mas eu não sou ele. Também admito que um puto de 27 anos, a passar por exeperiências tão reviravolteantes como aquelas pelas quais o Salvador tem passado nos últimos meses, possa andar um bocado desacertado das ideias, confundindo, no meio do barulho das luzes, um grande espectáculo com uma noite de copos entre amigos. Mas, tirando isso, nada mais a dizer. Não me parece caso para fazer um caso pois saídas infelizes toda a gente as tem e o melhor é seguir em frente e pôr uma pedra sobre o assunto. 


Portanto, conselhos para o Salvador: zero. Ou apenas umas banalidades: não se deixe engolir pelas solicitações, pela agenda, pelo mediatismo -- antes que fique passado da cabeça.

Conselhos para quem aconselha o Salvador: não percam tempo a ligar às palermices que volta e meia lhe saem, valorizem antes o que ele diz de acertado e, sobretudo, ao que ele canta e à forma como canta. O rapaz tem muita pinta. 

E ponto. 

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Um dia muito feliz a todos os que estão aqui comigo.

Espero que se sintam bem na minha companhia. Eu gosto de vos sentir aí. E gosto de pensar que, volta e meia, sorriem com o que eu digo.

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