No outro dia calhou não ter companhia a meu gosto para almoçar e, para obviar ao desconforto de almoçar sozinha, resolvi ir a um lugar que me servisse de compensação. Jardim, museu, boa comida. Quando estava para ser atendida, duas senhoras elegantes e simpáticas olharam para mim como se fossem dizer alguma coisa mas, afinal, era apenas um gesto de simpatia, que fosse eu primeiro.
Gostava de ter ido para a esplanada mas as mesas estavam ocupadas; fiquei dentro, onde as mesas são corridas. Sentei-me e, pouco depois, as duas senhoras aproximaram-se. E digo senhoras apesar de supor serem pouco mais velhas que eu porque tinham um ar muito bem, entre o intelectual ligado às artes e as 'tias'. Pediram licença -- claro que sim. Uma mesa de intervalo e elas, uma em frente da outra.
Nestas coisas sou meio distraída. Olho em abstracto, ouço vagamente as conversas que chegam até mim. Não presto grande atenção a situações em concreto salvo se a cena é notória e sonante. Assim, tenho ideia de, uma ou outra vez, as senhoras me sorrirem quando o meu olhar se cruzava com o delas. Normal, sendo elas manifestamente tão simpáticas.
Contudo, às tantas, a que estava do meu lado levantou-se, chegou-se a mim e, olhando-me de perto, nos olhos, disse um nome em tom interrogativo. Admirada, disse-lhe 'Não, esse não é o meu nome'. Ela olhou-me com ar ainda mais admirado. A outra olhava-me também com ar curioso. Então, a senhora disse: 'Peço desculpa. Tive que me levantar para vir esclarecer. Desde há pouco que estamos com isto. É ela. Mas não nos encontramos com ela há algum tempo, ela tem vivido em Espanha, por isso estávamos na dúvida. Mas eu agora disse, tenho que esclarecer isto senão ainda vai achar estranho nós não tirarmos os olhos dela'. Eu disse que não tinha reparado. Ela continuava a olhar-me, inquisidora 'Que coisa. Parece mesmo ela.'. E eu, 'Pois... não sou'. Ela olhava-me intrigada: 'Mas a voz... é igual. E os olhos... iguais. E a pele, esta mesma pele, este cabelo. Igual'. Eu mantive-me na minha 'Pois. Mas não sou'. Ela foi sentar-se com ar de quem ainda suspeitava. A outra disse: 'Mas olhe, fique a saber que tem uma sósia'.
Isto foi há umas duas semanas. Não quis logo falar disso porque é coisa que me perturba um bocado (tal como sempre me perturbam as coisas incompreensíveis das quais sou a prova provada da ocorrência de absolutas improbabilidades)
De facto, é uma sensação muito estranha pois se sou fruto do legado genético dos meus pais, uma conjugação de traços fisionómicos ou maneiras de ser, quais as probabilidades de ser igual a outra pessoa que não me é nada? Creio que nulas ou perto disso. E, no entanto, pelos vistos já somos três iguais.
Em qualquer dos casos, as pessoas ficaram incrédulas, quase como se duvidassem que eu fosse outra que não a que pensavam que fosse. Fico com a sensação que, se insistissem muito mais, me deixariam na dúvida sobre a minha própria identidade.
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E, no entanto, a improbabilidade não é tão absoluta quanto eu gostaria de pensar. Acima mostro imagem de pessoas bem conhecidas junto a gémeos de si separados à nascença)
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Ocorreu-me contar isto, ao ler que a Irmã Lúcia, aos dezoito anos, fugiu para Espanha. Diz-se que isso aconteceu por conselho da Igreja, para ela se afastar do sururu provocado pelas fenómeno das aparições (e, digo eu, provavelmente para ver se ela parava de mudar a descrição do que tinha visto que a coisa já estaria a ficar incómoda). Ao todo viveu dezassete anos em Espanha entre Pontevedra e Tui. Para que ninguém soubesse quem ela era, mudaram-lhe o nome. Passou a ser a Sor Doris.
Aí, continuou a ser visitada, inclusivamente pelo Menino Jesus. Ou seja, da forma como a coisa é dita, dá ideia que visitada por Jesus em pessoa, mas enquanto bebé, não sei se vindo pelo próprio pé ou se, sendo bebé de colo, alguém o terá deixado ao pé de Lúcia. Dizem que 'oficiais' foram três aparições a que assistiu em Espanha mas há quem diga que foram muito mais. Visitada pela Santíssima Trindade, dizem. Em pequena, os pais diziam às pessoas que não lhe dessem ouvidos, que Lúcia sempre tinha sido uma intrujona. Uma imaginativa dirá agora a corrente menos cesar-nevista da igreja católica. Eu direi apenas que, ao que parece, era uma criativa. Ou uma pândega.
Mas o que aqui me traz nem é isto, que isto é déjà vu. O que aqui me traz é que há quem diga que não houve só uma Irmã Lúcia mas, pelo menos, três.
Transcrevo:
Um dos peregrinos, Angel Diaz, de 56 anos, acredita que a Lúcia que morreu no Carmelo de Coimbra não é a vidente original, tendo sido substituída, algo que justifica com base nas suas alterações morfológicas, nomeadamente os dentes, nariz e queixo.
Antes dessa, tinha havido outra, mas não aquela a quem Fátima “apareceu”, acrescentou.
Portanto, a Irmã Lucia, aka Sor Doris, pode ter tido umas quantas sósias ou, então, pode ter-se desmultiplicado em várias, quais aparições de elle même. Ou isso ou clones ou hologramas ou qualquer coisa nessa base. Embora, para dizer a verdade, nem sei se são assim tão parecidas quanto isso.
Uma história com pano para mangas, é o que é. Ou, como hoje de tarde alguém dizia: Isto da fake news não nasceu nos Estados Unidos, há muito tempo que a gente cá tem disso.
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[E até já. A ver se me me ocorre dizer alguma coisa mais sobre a França.]
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4 comentários:
É por isto que se gasta de tudo: haverá alguma coisa melhor do que almoçar sozinha a meio de um dia de trabalho, sem ter de conversar, sem barulho, entretida apenas com os seus pensamentos e sem ninguém nos incomodar? As pessoas são muito diferentes umas das outras, não haja dúvida. Tenha um bom dia.
Estava decidida a não participar como mais comentário algum neste blog, pois como disse umas verdades (e não tenho culpa se as pessoas se ferem, a mim também me ferem e eu continuo cá) nunca mais a Sra. D. UJM respondeu a comentários (só um colectivamente). Antes fazia-o com comentários até muito simples, quanto mais não fosse para desejar bom dia. Deduzo portanto que a minha participação não será útil nem oportuna e isso aceito-o.
Mas vou fazê-lo então uma ultima vez nesta problemática da dualidade, trialidade, seja lá o que for e os relacionamentos.
Gosto neste caso de lembrar sempre um poema de Mário de Sá Carneiro:
"Eu não eu nem sou o outro
Sou qualquer coisa de intermédio
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro".
Aqui há um caminho a fazer e cada um faz o seu, com os seus recursos interiores e exteriores.
O que não há direito é outros quererem mudar-nos e levar-nos para os seus caminhos.
Ouço muitas vezes falarem em falta de respeito nesse contexto, e estranhamente são os que menos respeitam, que se queixam e acusam os outros.
Depois há os casos esquisitos, em que há elementos que não sabem o querem. Rejeitam os outros, mas quando eles se afastam, voltam a criar condições para eles voltarem. E depois voltam a rejeitar.
Que mentes são estas?
Se as pessoas verificam que não há sentimentos (porque pode haver amor ou amizade pelo meio e isso complica muito as coisas), não há interesse do outro por nós, devem afastar-se.
Agora também há circunstâncias de sofrimentos vindos do exterior e, nesses casos, tem de se apurar a razão de certos comportamentos. Se se apurar que as pessoas têm comportamentos esquisitos por cretinice e não por razões mais nobres,como desgostos ou outra coisa, é afastar-se. É o único caminho por muito que isso custe.
Não vinha com intenção de comentar, de modo que improvisei este comentário muito rapidamente sobre um assunto muito complexo.
Boa noite.
Olá Anónimo/a,
Há coisa melhor. Para mim há. Prefiro almoçar com uma boa companhia, de preferência alguém que não seja uma gralha, alguém com quem se tenha uma conversa que seja uma interrupção agradável no dia de trabalho.
Mas, lá está, gostos não se discutem.
E um dia feliz para si.
Olá Ana,
Não me lembro de me ter dito nada que me desagradasse. Nos últimos dias, de facto, não tenho conseguido responder nem a si nem a ninguém e hoje ia pelo mesmo caminho não fosse ter visto o seu comentário.
Escrevo aqui de noite, frequentemente cansada e com sono. Às vezes, até, embalada, vou escrevendo e, antes de publicar, não consigo ver se está uma prosa entendível e deixo para rever à hora de almoço ou coisa do género. Mas o meu tempo é sempre à justa e muitas vezes vou até ao limite no blog e não encontro fôlego para responder aos comentários.
Por isso, não leve a mal eu por vezes não me pronunciar sobre o que aqui me escrevem. Não é falta de consideração, acredite, é mesmo incapacidade.
Interessante o poema que transcreveu e o caminho entre os vários eus. Também para a Lúcia, seja ela qual for de entre as que apareceram como tal, não deve ter sido fácil. E mesmo que tudo tenha nascido de uma mentira, viver uma vida a tentar encontrar o equilíbrio entre ela mesma e ela-outra não deve ter sido fácil.
Mas, enfim, como diz são assuntos complexos.
E uma noite boa e um dia feliz para si, Ana.
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