terça-feira, março 28, 2017

Sophia por Agustina
[E reparem num dos motivos pelos quais gosto tanto de Agustina:
dizia ela que
"não há nada pior do que o fastio de se ser sensato"
e isso, claro está, é música para os meus ouvidos]






Aquilo que me ligou à Sophia de Mello Breyner não foi a amizade, que resulta dum contexto de ideias ou duma compatibilidade histórica; quer dizer, do facto de sermos contemporâneos, sujeitos a uma mesma disciplina moral e cultural. Não era isso. Nós tínhamos a capacidade de nos impressionarmos; como as crianças têm. 

Thomas Mann, a dado momento da sua vida, ao ver uma criança a repetir sempre a mesma brincadeira, pôs-se a reflectir sobre isso que lhe parecia extraordinário. Era assim connosco. Tomávamos a sério coisas que no fundo nos divertiam. A Sophia e eu não sabíamos o que era a solidão. O concreto era a aventura, e a poesia era a sua forma de ser concreta.

Falando-lhe eu um dia do Marquês de Pombal e da atitude pessoal que teve no processo dos Távoras, simplesmente não me quis ouvir. Não gostava de discutir as coisas que não eram da sua linhagem intelectual.

Ela dizia que há sempre um pouco de vingança na boa conduta de alguém. 

Debatíamos isto, ela a tomar chá e a fumar. 

Eu replicava que não há nada pior do que o fastio de se ser sensato. Era assim que nos entendíamos. Mas raramente conversávamos. Às vezes pedia-me conselhos e dizia-me: "Não quero bons conselhos, desses estou até aos olhos. Antes aqueles conselhos que se esquecem depressa como o vento que nos desarruma o cabelo.". Era assim que nos entendíamos. Mas raramente conversávamos. Dava muito trabalho defendermo-nos do ciúme de quem disputava a amizade dela. A outra amizade.

Uma coisa era certa. Acabávamos sempre por estar de acordo sobe o Marquês: "Um chato."

Era assim connosco. Era bom.



_______________

Tal como no post abaixo, no qual Agustina fala de Callas, também aqui a selecção das músicas e as fotografias é coisa minha.

__________________

1 comentário:

bea disse...

É isso, "as coisas que passam ficam para sempre numa história exacta." E um pouco chata, digo eu.
Agustina devia ser fã de Tom Jobim e da sua insensatez.