terça-feira, março 01, 2016

Apenas mais um dia




Tive ontem um dia daqueles que me deixam um bocado cansada mas, enfim, nada de mais. 

A manhã foi normal embora com um assunto inesperado e um bocado desagradável. Mas resolveu-se.

Depois almocei à pressa. Sabendo o que me esperava, arranjei uns cinco minutos para passear entre livros para ver se esses breves instantes me salvavam o dia mas, de facto, estava desconcentrada, sabia que não tinha tempo nem para uma folheadela rápida. E ainda queria ir pentear-me e passar um gloss nos lábios. Afinal não encontrei o pente, tinha ficado na bolsa que usei no fim de semana. Paciência.


A seguir, carro, receio que o trânsito me atrasasse. Mas não. Depois, entre o estacionamento e o local da reunião, vento. Pensei que afinal, mesmo que me tivesse penteado, não teria servido de nada. Ainda pensei que, com um bocado de sorte, chegava antes dos outros e conseguia ir à casa de banho ajeitar o cabelo com as mãos. Mas não, já lá estavam dois, beijinho, beijinho, fiquei logo agarrada. Entretanto, um dos mails que tinha recebido enquanto conduzia, aborreceu-me. É um assunto em que estou a fazer um braço de ferro e cada vez as posições estão mais extremadas. Não vou ceder, acho que tenho razão. Mas sinto que, de vez em quando, alguns dos que me devem acompanhar, ficam um bocado intimidados com a minha inflexibilidade, sinto neles a vontade de amolecer, de não hostilizar o outro lado; e isso incomoda-me um bocado. É que eu não amoleço (e, muito sinceramente, não sei se isso é qualidade ou defeito ou, simplesmente, feitio). E, então, antes da reunião começar, enviei um mail a mostrar uma vez mais, e de forma seca, que não vou ceder. Estão em jogo interesses fortes e verbas elevadas e eu, a defender os interesses da empresa que paga o meu ordenado, sou implacável. Mas fico a pensar que a minha vida seria tão mais fácil se me deixasse ir na onda. Nadar contra a corrente por vezes é extenuante. Estes meus dias têm sido assim, com momentos de tensão e, muitas vezes, sem ter possibilidade de desanuviar entre uns assuntos e outros. A vida nas empresas está cheia de perigos, rasteiras, ameaças, etc, e quanto maior a responsabilidade maiores as preocupações. Porém, não me queixo: é a vida que escolhi. E tenho é que me sentir agradecida por ter trabalho e fazer aquilo de que gosto.


E depois começou a reunião que durou mais de cinco horas, intensas, de seguida. Ter reuniões longas cansa-me um bocado. Não me importo nada de ter várias reuniões num dia mas de curta duração e, de preferência, com algum intervalo entre elas. Mas uma de mais de cinco horas cansa-me um bocado. De qualquer forma, esta não foi das piores. Longe disso. Assuntos que, à luz do que aqui mostro interessar-me, poderiam parecer áridos, complexos, desapossados de luz. Mas dou por mim genuinamente interessada, opinante, construtiva. Nessas alturas sou outra. Não há grandes pontos de contacto entre essa e esta aqui. Mas sou eu, também. E eu a tempo inteiro. Na reunião estive, como sempre estou, completamente focada no que ali se tratava, até desligada da preocupação que o outro assunto me tinha causado e que, pouco tempo antes, me tinha levado a escrever mais um mail cortante. 

Penso que isto é de ser tão irremediavelmente primária. Se estou numa, estou a cem por cento. Saio dali, desligo, e dedico-me a outra. E parece que me esqueço, que, mal viro costas, tudo perde imediatamente relevância. Para quem assiste pode ser desconcertante. Até para mim chega a ser.
Um dos meus miúdos, no outro dia, falava de poliedros (anda a estudar poliedros, não rebolantes). Um sólido com várias faces -- olha-se para umas e não se vê as outras. Acho que, se calhar, é o que sou -- embora tenha que fazer dieta para ver se um dia destes não dou por mim transformada em rebolante.

Saí da reunião já de noite. Ao entrar no carro, desliguei-me também do que se passou naquelas mais de cinco horas de reunião. Gosto de conduzir à noite. A cidade tem um movimento agradável quando o dia acaba e as pessoas se deslocam para casa. Pelo caminho vim ao telefone, todos os dias a viagem é passada nesta ronda familiar. Não ouvi notícias na rádio, não ouvi cá em casa. Passei os olhos pelos jornais online mas nada me despertou atenção. 

Passeei pelo blogues. Uns sim, cativaram-me: aventuras, ousadias, belezas mágicas. Outros não, monótonos. E há muita amargura, muita solidão pelos blogues. Tenho que me conter para não me pôr com abraços às pessoas que me parece que estão tristes, parece que os tomam por lamechice e isso também não quero. É certo que um abraço virtual não é a mesma coisa que um abraço de verdade mas, aqui de longe, a única coisa que posso fazer é mostrar que estou aqui deste lado. Mas, enfim, ainda não aprendi bem qual o tom certo para não ser mal interpretada. Mas também há muita futilidade, tanta futilidade nos blogues. A futilidade também me cansa. Prefiro alguma irreverência, e magias, maluqueiras, evocações. Ou palavras perfeitas. Há gente que escreve muito bem. Fico sempre enlevada a ler quem escreve bem. É um dom.

E eu estou aqui nisto mas sem saber sobre o que escrever, que mais valia estar quieta. A verdade é que gosto de escrever, mesmo que sem propósito. Tomara que não vos canse também.

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Fiz as fotografias no fim-de-semana e coloquei-as aqui para me ajudarem a recordar a cor, a luz, o rio, as gaivotas e os barcos durante os dias em que estou fechada quase de manhã à noite.

A música é de Paul Hindemith: Sonata per arpa (1939) e é interpretada por Katerina Englichova. 
A pintura que aparece no vídeo é de Isadore Michas.

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E, caso tenham agora chegado aqui, permitam que vos convide a deslizar por aí abaixo para me acompanharem entre livros, estes aqui em casa, um caos que é um ninho. E umas peças bonitas feitas de livros. E um compositor de que nunca tinha ouvido falar.


8 comentários:

Carlos disse...

Como poderia ser de outro modo? O que se lê nos blogues mais não é do que uma manifestação de pessoas de carne e osso. Em todo o caso, não sou dado a concluir muito sobre o estado de quem escreve. Todos temos a capacidade de, melhor ou pior, passar de nós mesmos a imagem que queremos que seja percepcionada pelos outros num determinado momento. E estou certo de que muito do espalhafato e da alegria que se vêem nos blogues mais não fazem do que camuflar um vazio interior ou uma solidão indescritíveis. Quanto à interpretação que os outros fazem de nós, é pouco relevante quando estamos certos das nossas acções. Se eu quero mandar um abraço a alguém, mando, mesmo correndo o risco de ser mandado para o caralho. Até porque isto é coisa pouca quando comparada com não abraçar quem me apeteceu abraçar, ainda que virtualmente.
Um abraço.

Anónimo disse...

O Carlos Azevedo disso tudo

GG

Um Jeito Manso disse...

Olá Carlos,

Gostei muito de ler o que escreveu. As suas palavras soam-me sempre genuínas, ainda não cobertas daquele cinismo que tantas vezes se encontram entre os bloggers. Ou não será cinismo, não sei. Sei que, muitas vezes, não compreendo bem a forma como as pessoas reagem. E, em si, sempre me aconteceu achar que tudo bate certo. Por tudo isso lhe agradeço o que escreveu e, em especial, o abraço.

E outro abraço para si, Carlos.

Um Jeito Manso disse...

Olá GG,

Muito obrigada também. Gostei de a ver aqui.

Um abraço!

Humberto disse...

Caríssima UJM
Só para lhe dar um abraço e desejar uma boa noite
Tudo de bom
HB

Carlos disse...

UJM, não sei se tudo bate certo, mas sei que não aderi ao cinismo, nem tenciono fazê-lo. Abraço.

Carlos disse...

(e, claro, não há que me agradecer)

Um Jeito Manso disse...

Caro Humberto,

Muito lhe agradeço. Há dias, mais que outros, em que palavras assim e abraços, sabem muito bem.

Obrigada.

Um abraço também para si.