segunda-feira, novembro 02, 2015

São precisas tantas coisas para que as nossas mãos se encontrem. Feliz aquele que administra sabiamente a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias



Domingo tranquilo, dia de leituras boas, pausas a saborear a frase perfeita, olhos fechados a sentir o ambiente descrito: o apelo da natureza, a cumplicidade dos homens. O livro é Butcher's Crossing de John Williams e, tal como Stoner me prendeu, também este me tem enlaçada.

E passeio à beira-rio, à chuva, ao cair da noite que é quando os passeios sabem melhor, qualquer coisa de clandestino, qualquer coisa de interdito. Depois uma procissão silenciosa que passa. Um cheiro a castanhas assadas roçando a penumbra. Uma igreja iluminada à noite, dourada. Música numa tasca na praça, ensaio uns leves passos de dança, sinto-me leve.


Em casa, abrigada, deleitada, um candeeiro ao lado, o livro ao colo. Vejo-me nas fotografias, primeiro serena, depois a rir, depois a atirar-me para trás no sofá a rir ainda mais. Depois de novo sossegada, a olhar a câmara. 

Mais tarde sentei-me ao computador. Tinha visto uma reportagem sobre os refugiados, estava comovida. Mas custa-me falar, a quente, sobre o que muito me emociona: as crianças a dormir na rua, os pais exaustos, uma pessoa de muletas ajudada pelos outros, quase sem forças também, tantas crianças perdidas nas águas, por vezes tão perto da costa, tanta gente a morrer todos os dias nesse sonho vão de fugir da morte. 

Por isso, como poderão ver no post a seguir a este, apesar de ter uma garra a amordaçar-me o coração, preferi escrever sobre o falado regresso de Madonna e Sean, o tumulto das paixões sem freio.


Depois parei.

Agora dei uma volta pelos jornais online e por outros blogs. Queria esquecer o olhar daquelas crianças que atravessam países cujas fronteiras se fecham ou o desânimo dos adolescentes, desalentados, desesperançados, vendo estreitar-se o largo horizonte com que sonhavam. Mas não consegui que alguma outra coisa se sobrepusesse à tristeza que se tinha depositado em mim.

Então resolvi, antes, apaziguar o espírito. Quando se sente uma grande impotência perante o grande sofrimento pouco mais se pode fazer do que pousar a alma e deixar que as asas da poesia a levem para bem longe da imoralidade humana.

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Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará

Oh! como é triste envelhecer à porta
entretecer nas mãos um coração tardio
Oh! como é triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul das extremas manhãs do verão
ao longo do mar transbordante de nós
no demorado adeus da nossa condição
É triste no jardim a solidão do sol
vê-lo desde o rumor e as casas da cidade
até uma vaga promessa de rio (...)

A mão no arado - vídeo novo do Cine Povero



Ruy Belo (1933-1978), "A mão no arado" in «O Problema da Habitação - Alguns aspectos», 1962 Luís Miguel Cintra in «Poemas de Ruy Belo»

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Los ponientes y las generaciones.
Los días y ninguno fue el primero.
La frescura del agua en la garganta
de Adán. El ordenado Paraíso.
El ojo descifrando la tiniebla.
El amor de los lobos en el alba.
La palabra. El hexámetro. El espejo.
La Torre de Babel y la soberbia.
La luna que miraban los caldeos.
Las arenas innúmeras del Ganges.
Chuang-Tzu y la mariposa que lo sueña.
Las manzanas de oro de las islas.
Los pasos del errante laberinto.
El infinito lienzo de Penélope.
El tiempo circular de los estoicos.
.
(...)
Se precisaron todas esas cosas
para que nuestras manos se encontraran.

Las Causas - Jorge Luis Borges



Que as mãos que se procuram se encontrem.
Um dia. Talvez quando as maçãs brilharem ao sol.
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As fotografias mostram paisagens na China e vi-as no Bored Panda
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Sobre amores possíveis impossíveis, adiáveis inadiáveis, fala-se já a seguir.

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