Não é a primeira vez que aqui falo dela. Ninguém sabe quem ela é. E digo 'ela' porque assim se apresenta e admite-se que, ao menos isso, seja verdade mas, volta e meia, surgem hipóteses dadas como prováveis que a dão como sendo um outro muito conhecido escritor, homem. Não se sabe.
O que se sabe é que é uma das escritoras mais conceituadas da actualidade. Dão-na como italiana, supostamente napolitana - já que ela o refere. Falo de Elena Ferrante que, naturalmente, também não se chama Elena Ferrante.
Desde que publicou o seu primeiro livro, em 1992, que a sua opção foi esta: o que havia de valer seriam as suas palavras e as histórias dos seus livros, não o seu rosto nem a sua própria história.
Claro que este anonimato tem concitado toda a espécie de curiosidade mas a autora não desarma: não, não e não. Não se mostra, não diz quem é. Responde por escrito a entrevistas, a algumas entrevistas, poucas - e é se querem.
Escuso de dizer que acho muito bem pois é essa justamente a minha atitude perante os livros: gosto do que leio sem querer saber da vida de quem o escreveu. Posso até dizer que não gosto muito de ver os escritores a exporem-se em feiras ou a darem entrevistas em que se desvendam como se esse strip-tease valorizasse a sua obra.
Ou melhor: não é bem isso, não estou a ser rigorosa. Até gosto de ler entrevistas a escritores mas falando da sua actividade de escritores; ou até gosto de ler entrevistas, em geral, a pessoas interessantes -- mas não gosto de ver essa exposição ser posta ao serviço do marketing dos livros escritos pelos entrevistados até porque, nesse caso, geralmente, são entrevistas fúteis, irrelevantes.
Não sei se me faço entender mas deixem, são coisas minhas que acho que os escritores devem recuar perante os seus livros. E devem fazê-lo até por humildade já que os livros, se forem bons, perdurarão e o corpo de quem os escreveu não. Mas o que eu penso aqui, agora, não vem ao caso.
Vem isto a propósito de uma entrevista que Elena Ferrante concedeu à Vanity Fair: Elena Ferrante Explains Why, for the Last Time, You Don’t Need to Know Her Name
[Permitam que traduza um excerto pois acho o tema interessante.
Anonimato, clandestinidade, segredos - e, no entanto, não nos esqueçamos:
les plus grands secrets se cachent dans la lumière.]
Anonimato, clandestinidade, segredos - e, no entanto, não nos esqueçamos:
les plus grands secrets se cachent dans la lumière.]
O motivo, nada a fazer..., é o lançamento do seu último livro, The story of the lost child.
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Romance
Romance
......
De facto, onde é que trabalha, em que local?
Onde o possa fazer. O importante é ter algures um pequeno recanto. Ou seja, um pequeno espaço.
O que faz para descontrair?
Dedico-me a tarefas domésticas maçadoras.
É interessante que você -- escolhendo manter secretos alguns detalhes sobre a sua identidade -- em certo sentido, se tenha apagado a si própria. Poderia escrever tão honestamente se fosse uma figura pública? Ou isso não interessa para nada?
Não, se uma pessoa escreve e publica dificilmente se apaga a si própria. De facto, eu tenho a minha vida privada e pública completamente representadas nos meus livros. A minha escolha foi, de certa forma, diferente. Eu simplesmente decidi de uma vez por todas, há 20 anos, libertar-me da ansiedade da notoriedade e da necessidade de fazer parte do círculo das pessoas bem sucedidas, aquelas que acreditam que ganharam sabe-se lá o quê. Isso foi um passo importante para mim. Hoje sinto, graças a esta decisão, que ganhei um espaço próprio, um espaço gratuito (ou livre), onde me sinto activa e presente. Ceder face a esta decisão seria muito doloroso.
No entanto, ainda me sinto curiosa sobre o que leva um autor - especialmente uma autora tão bem sucedida e tão aclamada pela crítica - a escolher manter-se anónima?
Eu não escolhi o anonimato. Os meus livros são assinados. O que se passa é que me retirei dos rituais onde os escritores são mais ou menos obrigados a representar de forma a apoiar o seu livro emprestando-lhe a sua dispensável imagem. E tem funcionado bem até aqui. Os meus livros demonstram cada vez mais a sua independência pelo que não vejo razão para mudar a minha posição. Seria deploravelmente incongruente.
O escritor nunca quer que o leitor sinta a sua presença, nunca quer chamar a atenção para si próprio, e, no entanto, um leitor atento saberá detectar aqui e ali algumas das impressões digitais do criador. Que direcções poderia indicar aos leitores desesperados de forma a que pudessem encontrá-la a si no seu trabalho (para além de os mandar dar uma volta?)
Tanto quanto sei, os meus leitores não desesperam de todo. recebo cartas de apoio a favor desta minha pequena batalha pela centralidade do meu trabalho. Evidentemente, para os que amam literatura, os livros bastam.
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Nem mais.
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- As fotografias que usei para acompanhar o texto mostram mulheres que se expuseram perante Steve McCurry, da série Retratos.
Portraits reveal a desire for human connection;
a desire so strong that people who know they will never see me again
open themselves to the camera, all in the hope that at the other end
someone will be watching,
someone who will laugh or suffer with them.
A primeira foi feita em Itália, a segunda na África do Sul, a terceira na Etiópia, a quarta no Brasil e a última na Indonésia.
- O Romance de Liszt é interpretado por Lang Lang.
- O artigo completo com a entrevista de Elena Ferrante pode ser lido aqui.
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E permitam que vos convide a descer até aos dois posts abaixo: aos Mirós deixados à beira-mar e aos veleiros deslizando sobre um rio de luz.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela, belíssima semana, a começar já por esta segunda-feira.
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2 comentários:
https://www.facebook.com/portugalnaopodemais
realmente mentiu até dizer chega
Bob marley
Entendo bem.
Não conheço a sua escrita. Mais um desafio.
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