Não sei porque os vejo. O meu marido insurge-se, 'vou tirar este gajo daqui', mas eu insisto, quero sempre ver o que dizem estas pessoas que têm mais de um milhão de pessoas a vê-las, quero sempre ver até onde são capazes de ir.
Manipuladores, macacos de rabos pelados, fazem de conta que são isentos, conduzem a conversa de forma a estabelecer empatia e, depois, pelo meio, lá vão ardilosamente levando a água ao seu moinho.
No sábado, foi aquele Marques Mendes que tem uma habilidade de se lhe tirar o chapéu. Volta e meia aparece ligado a coisas pouco abonatórias mas, na maior limpeza, aproveita o púlpito para as sacudir de cima, e aí vai ele, ladino, sorrisinho laroca, a fazer de conta que não é de cá, e lança um veneninho aqui, insinua uma coiseca ali, ensaia uma mordidela acolá. Enquanto o ouve, a Maria João Ruela sorri com ar derretido. Não sei que raio de programas são estes.
Ontem, no meio de gracinhas, sorrisinhos, lá espetou ele mais uma farpa envenenada. Começou por mostrar desdém por Ricardo Salgado - não há cão nem gato que agora, do alto da sua cobarde pesporrência, não se dê ao luxo de dar um pontapé no corpo caído por terra em que, aos poucos, Ricardo Salgado se vai tornando - e, logo de seguida, não resistiu a comparar Ricardo Salgado a José Sócrates. E sorriu, um sorrisinho alarve.
À noite espreitei os jornais on line, e já lá estava Marques Mendes: Sócrates e Ricardo Salgado são almas gémeas.
Uma vergonha. Eu acredito que, tal a lavagem ao cérebro a que as pessoas são submetidas - Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem, um discurso moralista que se vende como justicialista, e tudo se mistura, os maus de um lado, os que querem viver à grande, os que não pedem desculpa, os que ainda bem que todos lhes caem em cima, e que apodreçam na prisão, e nós, os comentadores, os deputados, os juízes, os amorins, todos a cuspir-lhes em cima - que, se chega a um ponto em que já tudo parece normal, em que já parece razoável que se enlameiem todos, a mesma lama, o mesmo gozo alarve.
E não há um Provedor da Decência que impeça estas lavadeiras de roupa suja de por aí andarem a espalhar veneno.
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Hoje a mesma coisa: o meu marido não queria ouvir o Marcelo e eu, outra vez, 'mas deixa lá ver'. E, logo de início, a conversa mole do costume, as pessoas escrevem a pôr-lhe perguntas como se ele fosse aquela senhora do tarot ou o zandinga. E ele dá-se a todos os desfrutes. Seja sobre o que for, aí está o Marcelo a opinar, a fazer previsões. Hoje perguntavam-lhe ou foi o José Alberto Carvalho, já nem sei, sobre a reportagem da TVI que mostrava os dois senhores que vivem debaixo de uma ponte no Jamor. Vi a reportagem e de facto fiquei impressionada com a generosidade, coragem e dignidade daqueles dois amigos. Vi depois que se gerou uma onda de solidariedade em volta daqueles dois. Mas, ó senhores, como aqueles dois há mais mil e cada um tem a sua história, os seus motivos. Mas mal se vê uma coisa destas parece que logo se desperta a tentação generalizada de quase adoptar as pessoas quase como se fossem cães abandonados e como se todos os males do mundo estivessem naquelas específicas pessoas. E tanto é com estas pessoas como foi um cão maltratado ou um cão que era para ser abatido.
Mas a isso já eu estou habituada. Agora ver o Professor Marcelo a dissertar sobre o assunto, a dizer que telefonou ao presidente da Câmara de Oeiras, o Vistas, e lhe perguntou se não dava para construir um casinhoto ilegal debaixo da ponte... Bolas. E digo bolas para não dizer um palavrão. Onde chega a demagogia, o populismo mais barato e miserável. Construir um casinhoto, ilegal, junto à água, debaixo da ponte? Ridículo, absurdo. Vá lá que o presidente lhe disse que não podia abrir esse precedente.
Mas fiquei chocada - para não dizer enojada - com aquela conversa, com ele ter a lata de telefonar a um presidente de Câmara a sugerir uma parvoíce daquelas.
Uma coisa é lutar pela dignidade de todos, pela defesa do direito ao respeito por parte de todos, pelo trabalho, pela assistência aos meus desfavorecidos. E assim, sim. Agora descer ao ponto de querer fazer barraquinhas debaixo das pontes para alojar os desabrigados da vida?
Um populismo, uma vergonha, uma pimpalhice descarada.
Provavelmente o milhão e tal de pessoas que o ouvia comoveu-se com os instintos caritativos desta demagógica criatura... E um dia destes ainda corremos o risco de termos este manipulador e fazedor de factos políticos, este populista, em Belém. Gaita para isto.
O que vale é que a minha filha me ligou nessa altura e, como sempre, o telefonema foi longo e, portanto, não vi mais nada. Quando acabou, perguntei ao meu marido que mais tinha dito o Marcelo, ao que ele respondeu que obviamente tinha logo mudado de canal. Fez bem.
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As imagens provêm de We Have Kaos in the Garden
A música só podia ser Desgarrada entre Quim Barreiros e Canário.
1 comentário:
Certeiro e assertivo texto, que subscrevo, por inteiro , estimada UJM.
Disse, MUITO BEM .
Melhores Cumprimentos
Vitor
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