segunda-feira, janeiro 19, 2015

Um espírito sem asas a servir chás inventados in heaven. Ou treze maneiras de olhar para um pássaro preto. Paul Klee e Wallace Stevens de visita a Um Jeito Manso.


No post abaixo já me insurgi contra o que se está a passar nas urgências dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Há coisas que devem ser olhadas com a seriedade que elas merecem e a vida humana é, seguramente, uma delas. 

Paulo Macedo deveria reflectir nisto, a contabilidade que ele gosta de fazer não deveria esquecer a contabilidade das mortes que decorrem da gestão do seu ministério. Passos Coelho, que parece que chefia o governo do qual Paulo Macedo faz parte, também deveria reflectir nisto. E Cavaco Silva, que supostamente estará a acompanhar a situação do país, não deveria ignorar o que se está a passar.

Mas, enfim, talvez tudo isto seja pedir demais a estes personagens. E, sobre isto, falo no post abaixo. Aqui, agora, a conversa é outra.

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No outro dia, uma das crianças, numa exposição, em frente de uma pintura abstracta, perguntava-me o que era aquilo. Respondi que achava que não era nada. Ele ficou admirado, como poderia alguém fazer uma coisa que não era nada? Disse-lhe que uma pintura não precisa de ser alguma coisa em concreto. Ou poderia ser uma parte de uma coisa de que só estávamos a ver essa parte e, por isso, não percebíamos. E, de facto, ele não percebia. Está habituado a fazer desenhos em que se lhe pede que represente qualquer coisa concreta: um barco, uma casa, uma árvore, a família. Disse-lhe que se pode pintar de uma maneira diferente da que se vê, que podemos pintar o que imaginamos. Ele continuou muito admirado.

Disse-lhe que, para fazer uma coisa tal e qual, mais valia fazer uma fotografia e que, mesmo assim, numa fotografia também se pode mostrar apenas uma parte do que se vê ou mesmo não se perceber o que é.

Gosto muito de Paul Klee e, tantas vezes, vá lá eu saber explicar o que é aquilo que ali se vê ou porque é que o fez daquela maneira.


À direita, Senecio, Paul Klee, 1922
(também chamado, com humor, Head of a Man Going Senile)
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A minha cor é psíquica — ele disse. E as formas incorporantes.
(...)
 Mas eu vi latejar rudemente nos seus traços milagres de Klee.

Manoel de Barros em Klee da Bolívia


Fiz copiar algumas das suas pinturas para azulejos para poder tê-las junto a mim.

Uma delas é de uma simplicidade desarmante, um anjo, ou um espírito, a servir um pequeno almoço. Não me perguntem porque é que eu olho para esse pequeno trabalho e lhe acho tanta graça - talvez a leveza, o humor, o desconcerto. Quis tê-la perto de mim, um espírito a andar por ali, in heaven, servindo leite, pão, fruta.

Eu levava as caixas com os azulejos pintados, marcava-os por trás, para que o senhor da aldeia que fazia estes trabalhos, ao aplicá-los nas paredes ou nos muros, soubesse a sequência e, para ajudar, deixava ainda um desenho com o esquema matricial. Ele ia lá fazer isso durante a semana e durante a semana nós não estávamos lá, era por esses esquemas que ele se orientava. Geralmente corria sempre tudo bem.

Contudo, quando aplicou este pequeno painel e eu lá cheguei, ao olhar para o resultado ia-me dando uma coisa: uma perna do espírito para cada lado, uma das pernas encostada à ponta de um braço, a asa nem se percebia que era uma asa, os pés em cima, a um canto, quase pegados um ao outro, tudo desligado - em suma, um desastre. Fiquei estarrecida a olhar para aquilo e, confesso, só me apetecia chorar. Não percebia como tinha acontecido uma coisa daquelas nem percebia como não tinha ele dado por aquele disparate. E não via maneira de tirar os azulejos para os aplicar da forma correcta sem os partir.

Quando o senhor lá chegou, mostrei o meu descontentamento. Eu olhava para o desenho e achava que se via bem que estava tudo mal e sentia-me mesmo triste com o absurdo que ali estava. Ele, muito admirado, disse-me que se calhar se tinha enganado e que tinha lá tido um cunhado a ajudá-lo e que, se calhar, o cunhado tinha percebido mal as orientações tendo-lhe passado os azulejos para as mãos virados ao contrário, não sabia, mas que aqueles desenhos dos azulejos que eu andava a trazer-lhe lhe pareciam tão fora de normal que achava que não se notava a diferença. Eu ouvia aquilo e não queria acreditar.


Há um pensamento em Paul Klee que sempre me comoveu,
aquele onde diz que o visível é só um exemplo do real.
A poesia seria então a intenção de revelar
os aspetos da realidade que não são visíveis


Roberto Juarroz em Uma outra realidade



Mostrei-lhe a página do livro em que se via a pintura tal como ela era na realidade e ele olhou - e eu via que ele estava mesmo preocupado com o que tinha acontecido e com a minha tristeza - e com franqueza disse que eu não levasse a mal mas que o original não lhe parecia muito diferente do que tinha saído.

Juro, eu ouvia as palavras dele e também não queria acreditar. Como era possível? O que estava no muro e o que ele estava a ver no livro não tinham nada a ver... e ele achava que ia dar no mesmo ou que era indiferente? Eu mal conseguia falar tal a estupefacção e tal a tristeza que aquele erro me causava.

O meu marido nestas coisas o que quer é que não haja dramas e saíu-se com uma daquelas que lhe é típica: que assim até tinha mais graça. Mais uma vez eu não queria acreditar no que estava a ouvir. Lembro-me bem de ter ficado furiosa, parecia-me aquilo uma heresia da parte dele, estava a querer sacrificar uma coisa linda apenas para não ter chatices, era uma tentativa estapafúrdia para acabar com o assunto. 

Mas a verdade é que, depois, conformei-me. A alternativa seria partir aquilo, mandar fazer outro painel e esperar que a coisa saísse bem. Mais despesa e mais tempo de obras.

Ficou assim. Agora, quando olho dá-me vontade de rir.


E já está o anjo, caseiro como um pão fraternal e seguidor até à morte.

O espírito que vagueia in heaven a servir chá e scones é um anjo psíquico, ainda mais surreal do que o genuíno, talvez nem Klee o reconheça quando o vê lá de cima. 

É tudo tão relativo.

É como a poesia. Porque é que umas dúzias de palavras se tornam uma poesia? Não sei dizer. Pode nem ser uma ideia. Pode ser apenas um esboço de uma ideia, um fragmento, uma musicalidade.

Um pássaro preto.

Este domingo de manhã - uma manhã gelada, o rio agreste, rijo, as gaivotas doidas, soltando grandes gritos pelos ares  - vi um pequeno pássaro preto sossegado na relva olhando as águas picadas. Preparei-me para o fotografar mas o vento interrompeu a sua meditação, voou, escondeu-se numa árvore, deixei de o ver.

Mas porque fico eu numa alegria sempre que vejo um pequeno pássaro preto no meio do verde? Não sei explicar. Sei apenas que aquele pequeno pássaro é um poema que me cativa e enternece. O que poderia eu dizer sobre ele? Não sei. Não saberia dizer muito mas, quando o vejo, sinto a liberdade de ser um pequeno pássaro preto na relva junto ao rio como se fosse ele.

Mas ouçamos agora as palavras de Wallace Stevens. Qual o sentido das suas palavras? Porque é poesia o que ele diz? Não sei dizer. Mas é. Oh, é. É mesmo.



Thirteen Ways of Looking at a Blackbird  de  Wallace Stevens 
(lido por Tom O'Bedlam)


A man and a woman
Are one.
A man and a woman and a blackbird
Are one.
The river is moving.
The blackbird must be flying.
It was evening all afternoon.
It was snowing
And it was going to snow
The blackbird sat
In the cedar-limbs

Um cedro in heaven, perfeito demais para ser verdadeiro


Blackbird
por Herbie Hancock & Corrine Bailey Rae


...

Paul Klee para quem não esteja muito familiarizado


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Luminosos os dias visitados pela cor, pela poesia, pela música, pelo inesperado, pelo afecto. 

Luminosos os dias que trazem palavras inesperadas, formas desconhecidas, vozes que falam de pássaros ou de cedros, afinidades indefinidas, outras realidades, sorrisos que se adivinham em quem os recebe.

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Não é que me apeteça muito trazer para aqui temas desconfortáveis mas permitam que relembre que a seguir a coisa descarrila e falo do actual estado da saúde em Portugal. Não é tema que predisponha bem mas, enfim, caso queiram, é só descer até ao post já a seguir.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.

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6 comentários:

Elias disse...

As crianças não entendem quando algo acontece fora do que já sabem ser o correcto aprendido, pois é ensinado como ter de ser assim.
Lembro-me de me perguntarem a pergunta mais frequente quando temos pouco mais de um metro: Então, o que queres ser quando fores grande? - Para além das muitas versões, a que foi mais persistente, foi esta resposta: Arquitecto!
Ah sim? Então porquê? Gostas de desenhar casas?
- Os curiosos não ficavam satisfeitos com o meu estranho motivo, ficavam quase sempre em modo introspectivo. - Sim e também desenho a vida dentro das casas. Desenho muitos prédios, uns mais altos que outros, e por dentro as pessoas que lá vivem. Pessoas sozinhas, e famílias com crianças como eu a brincarem, umas mães a cozinhar, os pais que chegam do trabalho, os passarinhos e cães presos, depois jantam, dormem, de manhã saem de casa, e tudo de novo ao fim da tarde.
Mas gostas de desenhar as casas, por isso achas que vais ser arquitecto, é isso? - Insistiam.
Sim, mas com as pessoas, porque as casas sem as pessoas são espaços vazios, sem sentido, por isso desenho tudo. Faço mal em fazer assim? - Perguntava admirado.
Não, claro que não. – Já contrariados.
Fazia confusão naquelas cabeças adultas, não ser objectivo, limitado ao normal. Sem a imaginação de uma criança que outrora foram, entretanto, emendadas pela formatação decorrente da desistência de se encontrarem na liberdade fora do pensamento socialmente formatado.
A pintura e a poesia, podem ser assim abstractas na medida em que forem abstractos os seus autores, famintos de uma liberdade sem limites, criadores de linhas em branco, onde convidam a parceria de quem vê um desenho, um quadro, ou lê uma poesia ou prosa, e completo ficará, nesta bela, livre e completude abstracta.
Ora cada olhar tem um pensamento próprio, como cada diamante tem o seu brilho. Sabemos que nem todos consideram o diamante, algo valioso. Porém, nem por isso este deixará de brilhar.
O pensamento voa sem asa, como o pássaro a necessita para voar. A cor do pássaro depende de quem o olha, o mesmo pode diferir consoante o sinta na pintura ou poema que lhe criei.
Mantenha essa compreensão nas crianças que continuam a crescer nesta formatação decorrente da desistência de se encontrarem na liberdade fora do pensamento socialmente formatado.
E encontre o seu pássaro, feche os olhos, e verá que estará sempre, onde afinal sempre esteve.

Boa semana.

TITO COLAÇO
19.01.2015


Anónimo disse...

pensamento do dia:

Um padre está dirigindo por uma estrada quando vê uma freira em pé no acostamento. Ele pára e oferece uma carona que a freira aceita. Ela entra no carro, cruza as pernas revelando suas lindas pernas. O padre se descontrola e quase bate com o carro. Depois de conseguir controlar o carro e evitar acidente ele não resiste e coloca a mão na perna da freira. A freira olha para ele e diz:

- Padre, lembre-se do Salmo 129!

O padre sem graça se desculpa:

- Desculpe Irmã, a carne é fraca ....

E tira a mão da perna da freira.

Mais uma vez a freira diz:

- Padre, lembre-se do Salmo 129!

Chegando ao seu destino a freira agradece e, com um sorriso enigmático, desce do carro e entra no convento. Assim que chega à igreja o padre corre para as Escrituras para ler o Salmo 129, que diz:
“Vá em frente, persista, mais acima encontrará a glória do paraíso”.

Conclusão: Se você não está bem informado sobre o seu trabalho, você pode perder excelentes oportunidades.

Bob Marley

Anónimo disse...

10 homens e 1 mulher


Onze pessoas estavam penduradas numa corda, num helicóptero.Eram 10 homens e 1 mulher.

Comoa corda não era forte o suficiente para segurar todos, decidiram que um deles teria que se soltar da corda.

No entanto, não conseguiram decidir quem. Até que, finalmente, a mulher disse que se soltaria da corda pois as mulheres estão acostumadas a largar tudo pelos seus filhos e maridos, dando tudo aos homens e recebendo nada de volta.

Disse também, que os homens como criação primeira de Deus, mereceriam sobreviver, pois eram mais fortes, mais sábios e capazes de grandes façanhas.

Quando ela terminou de falar, todos os homens começaram a bater palmas!!!

……….


Nunca subestime a astúcia nem a subtileza de uma mulher !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Bob Marley

Anónimo disse...

Klee, Kandinsky, Picasso (Dali, etc). Convivo pouco à vontade com este tipo de pintura. Prefiro então a abstracção total. Ou outras épocas anteriores. Ou outros estilos posteriores. Mas, são, indiscutivelmente, grandes artistas. Na Pintura, o que eu não gosto é de explicações tolas (quer do artista, quer de pessoas, críticos, etc), de que tal e tal borrão significa isto ou aquilo. Não significa coisa nenhuma. É um borrão, (simplesmente o que nos atrai é, ou a combinação de cores, de luz que projecta, da sua capacidade em mexer com a nossa imaginação, etc), no caso de uma abstracção total. Quanto aos outros, que como refiro, o que não aprecio é a desordem e a confusão, embora premeditada, é aquele “caos”, aquelas linhas e desenhos sem nexo aparente, aquele “desequilíbrio”, aquela “loucura geométrica”. Choca com o conceito de estética que possuo. Não teria um quadro desse tipo em minha casa, por exemplo. Mas, lá está, os conceitos de beleza, de arte, de desenho, de geometria, são, como bem sabemos, muito subjectivos. Cada pessoa tem a sua sensibilidade própria. Dou entretanto um outro exemplo final, como que a ilustrar o que tentei dizer. Estou a concluir uma leitura em dois volumes, “Sculpture: from Antiquity to Present Day”, da Taschen, que, embora tenha no seu conjunto cerca de 1.200 páginas se lê com interesse, mas sem pressas. Ora, nessa obra, no segundo volume, é-nos mostrada na capa de cobertura a extraordinária escultura, em mármore, de David, concebida por Michelangelo, enquanto que na capa anterior aparece outra, actual, da autoria de Jeff Koons, “The Rabbit”, em aço inoxidável. A diferença entre as duas obras, em minha opinião, é abissal! Aquela escultura de Koons nada me diz, sou-lhe indiferente, ao contrário da do grande artista renascentista (ou mesmo das do Barroco de Lorenzo Bernini, ou do neo-classissismo de Antonio Canova).
P.Rufino

Rosa Pinto disse...

SORRIA


Sorria, embora seu coração esteja doendo
Sorria, mesmo que ele esteja partido
Quando há nuvens no céu
Você sobreviverá...

Se você apenas sorri
Com seu medo e tristeza
Sorria e talvez amanhã

Você descobrirá que a vida ainda vale a pena se você apenas...

Ilumine sua face com alegria
Esconda todo rastro de tristeza
Embora uma lágrima possa estar tão próxima
Este é o momento que você tem que continuar tentando
Sorria, pra que serve o choro?
Você descobrirá que a vida ainda vale a pena
Se você apenas...

Se você sorri
Com seu medo e tristeza
Sorriso e talvez amanhã
Você descobrirá que a vida ainda vale a pena
Se você apenas Sorrir...

Este é o momento que você tem que continuar tentando
Sorria, pra que serve o choro
Você descobrirá que a vida ainda vale a pena
Se você apenas Sorrir
Charles Chaplin

Paulo Macedo nunca o vi sorrir...

Beijinho

Maria disse...

https://www.youtube.com/watch?v=oKA60-5qZxk
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