segunda-feira, janeiro 05, 2015

É Stoner um livro inexoravelmente triste sobre um obscuro professor, um homem tristonho e fracassado que perde quase tudo ao longo de uma vida repleta de desilusões? Eu acho que não, acho que é muito mais do que isso.


No post abaixo, a propósito das respostas que José Sócrates enviou à TVI sobre aquilo de que é acusado todos os dias nos jornais (aparentemente veiculando informações oriundas da acusação), falo da importância que, para mim, têm as opiniões de Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa - esses dois macacos de rabo pelado que há anos o andam a passear pelas cadeiras de comentadores das televisões, com o objectivo de irem levando a água ao seu moinho - que este fim de semana opinaram, de cátedra, sobre o assunto. 

Mais abaixo ainda, mostro o vídeo que mostra o excerto de um programa de televisão no qual uma historiadora elege o Homem do Ano 2014: 'Um Homem sem Qualidades', alguém que infelizmente conhecemos bem demais. Rigorosamente a não perder.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra. Muito outra.


Se estiverem de acordo, vamos com Between Moons pelas mãos de John Taylor




Ao ler grande parte das frases de referência que anunciam o livro Stoner de John Williams ou mesmo a sinopse da contracapa - das quais extraí as expressões que compõem o título deste texto - parti para a sua leitura um bocado de pé atrás. Ou seja, se a coisa ia ser uma deprimente sucessão de factos anódinos de um personagem sem história talvez não tivesse grande paciência para me aguentar até ao fim.

No entanto, a rápida leitura salteada e transversal que fiz agarrou-me de forma inequívoca e essa é a luz verde de que preciso: era para avançar.

E avancei.

E, tendo-me aproximado deste livro (inicialmente publicado em 1965 e logo caído no esquecimento até que, quase 50 anos depois, uma escritora francesa o traduziu e o fez renascer), a minha opinião não é essa. Não acho que Stoner seja um homem infeliz, submerso pela pouca sorte, apagado e dramaticamente frustrado. De facto, Stoner teve uma vida idêntica à de quase todas as pessoas que conheço.

Personagens com vidas fulgurantes, sucessivos picos de sucessos, grandes contendas e vitórias retumbantes encontram-se geralmente na literatura, no teatro ou no cinema - não na vida real. Mesmo as grandes celebridades da história (seja na governação, no estrelato, seja onde for) têm frequentemente igualmente grandes insucessos a nível familiar, dramas domésticos ou derrotas inesperadas.

Se eu pensar em quase todas as pessoas cujas vidas relativamente conheço, vejo nelas momentos de frustração pessoal ou profissional, apatias que se arrastam na monotonia dos anos, desmotivações que se vão tentando colmatar por outras vias, etc. Claro que há também as pessoas que vão levando a sua vida com aparente regularidade, harmonia, em paz, na companhia dos seus. Mas, sabendo bem do que se passa dentro da vida dessas pessoas, quantas vezes não vemos que há sempre presente a sensação de que se podia fazer muito mais, de que tudo seria diferente para melhor se isto, aquilo ou o outro não tivesse acontecido, ou a pena por a sorte não ter bafejado numa dada altura em que tanto jeito teria dado?

Stoner é, assim, um homem normal. Oriundo de um meio desfavorecido e rural, de uma família pobre, é alguém habituado a resistir as intempéries da vida. É resiliente, trabalhador, humilde, digno. Como antes aceitava sem se queixar a dureza do trabalho físico, continuou, vida fora, a aceitar com rijeza todos os contratempos que lhe vão aparecendo. Não verga, não desespera. Enfrenta, de coluna vertebral direita, todos os escolhos e agruras com que se vai deparando.

Tanta gente que eu conheço assim. Vidas familiares difíceis, pouco afecto em casa, pouco reconhecimento no trabalho, chefes ou colegas mesquinhos - e, no entanto, lá vão vivendo com dignidade as suas vidas, um dia após o outro.

Vivendo uma vida conjugal desprovida de sintonia e intimidade, Stoner conhece um dia uma mulher que o faz apaixonar-se e que sente por ele igual paixão. Tal como todos os amantes pensam, num primeiro andamento, que vão poder viver uma história de amor ímpar e só deles, também Stoner e Katherine se entregam ao deleite de um amor que pensam ser inaugural.

E, como sempre acontece, chegou a altura em que ou assumiam às claras ou se sujeitavam a retaliações. E, também como geralmente acontece na vida real, Stoner e Katherine resolveram continuar as suas vidas, separados, e guardar no coração e na memória aquele infinito amor.

Depois da separação de Katherine, Stoner envelheceu, perdeu aquela energia que o fazia correr e vibrar, mas continuou a viver a sua vida de sempre, com igual inteireza.

Contudo, apesar de o livro relatar, com mestria, a vida de um homem normal, há qualquer coisa de arrebatador na escrita que nos puxa, página atrás de página, como se estivéssemos a seguir a vida de um aventureiro. E, no entanto, o que nós acompanhamos ali, de perto, é a interioridade de um homem normal e bom. Nós sofremos quando ele é prejudicado, nós sentimo-nos felizes quando ele experimenta a felicidade.

E sentimos que, lendo-o, passamos a conhecer melhor a natureza humana. Ou talvez não seja uma questão de conhecer mas de analisar, de pensar sobre os acasos que vão determinando a vida das pessoas.

Mas Stoner não é um homem desgraçado ou sequer conscientemente infeliz. Stoner tem um amor que o conduz ao longo da sua vida, desde o dia em que, numa aula, imprevistamente, descobre aquilo que o vai mover até ao fim: o amor pela literatura. De forma determinada, como homem rural que sempre será, Stoner estuda, trabalha, aplica-se e, mesmo perante grandes ameaças e no meio de sérios conflitos, não verga. A pureza dos princípios, a ética na academia e o amor à literatura nunca soçobram às mãos de Stoner. Não o faz de forma épica mas sim despojada. Mas a verdade é que, envolvida emocionalmente com ele, nunca deixei de sentir orgulho na sua íntegra forma de ser.

Ora quantas pessoas podem gabar-se de se se manterem sempre tão íntegras, sejam quais forem as circunstâncias? Quantas mantêm um tão grande e puro amor àquilo em que trabalham?

O resto, o dormir num sofá da marquise, o mal poder falar com a filha, a frieza cortante da mulher, o ódio que um colega parece mover-lhe, tudo são escolhos, contratempos de maior ou menor importância. Stoner suporta-os sem se deter em angústias existenciais. É a vida, apenas isso.


E que eu fale desta forma de Stoner, uma pessoa que não existe, que não passa de um personagem literário, diz bem da qualidade da escrita de John Williams (1922-1994), o seu autor, um homem igualmente com raízes no meio agrícola, igualmente doutorado em Literatura Inglesa, igualmente professor de literatura. John Williams escreveu quatro romances e estava a escrever o quinto quando se foi.



John Williams, autor de Stoner

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Comecei este post com a ideia de escrever uma breve introdução para, a seguir, transcrever alguns excertos do livro mas, uma vez mais, o tempo não me permite: alonguei-me com a introdução e agora já é tarde para me pôr armada em copista. A ver se amanhã não sou desviada dos meus propósitos porque gostava que os meus Leitores que não têm o livro pudessem ficar com uma vaga ideia do estilo.

Capa da edição portuguesa de Stoner, uma edição D. Quixote, Leya, tradução de Tânia Ganho

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Permitam que relembre que, indo por aí abaixo, poderão encontrar os outros dois posts da safra de hoje: um sobre a opinião das vizinhas militantes Marcelo Rebelo de Sousa e Marques Mendes a propósito das respostas de José Sócrates à TVI, e outro sobre a forma como Raquel Varela vê Passos Coelho (e que qualquer pessoa de tino subscreve, penso eu).

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.

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2 comentários:

FIRME disse...

Vou beber 1 cálice da RIJA...Com um figo,seco do DOURO...Se o sono vier,que venha lá do cimo duma montanha!!!

FIRME disse...

Olhem...Bebi o cálice da rija comi o figo do DOURO,da montanha( comissão inquérito) nem o sonho veio,nem o sono.SÓ O PALEIO DUNS ARTISTAS,em fim de estação,pra chatear um desterrado,como eu! MAIS,quanto tempo???ATÉ SETEMBRO??? Vou pôr a carcaça,a hibernar,o Pensamento...NÃO !