quinta-feira, junho 12, 2014

Sobre a 'Elegia de um Burro' do 'A Morte sem Mestre', o último livro de Herberto Helder - a opinião do meu marido (que até sabe os Lusíadas quase todo de cor bem como outros poemas marcantes da literatura portuguesa; mas, enfim, isso não faz dele um crítico literário, certo...?). Mas, vendo bem as coisas, até o Herberto Helder é capaz de lhe dar razão, conforme mostro num outro excerto de poema.


No post abaixo já relatei o coro de impropérios que se levantou durante o meu jantarinho de amigos aquando da visão da Leal Lápara de gatas sobre a bancada e, depois, no estúdio da TVI 24 a desdizer-se em toda a linha, na maior sem vergonhice. Aquela mulher, para além de tudo, parece nem tem maneiras de espécie alguma, nem cívicas, nem morais. Que coisa. Como será aquilo a receber convidados na Embaixada de Madrid? Pôr-se-á de gatas em cima da mesa a ameaçar a Letizia se esta não lhe fizer alguma vontade? Já não digo nada.

Bem, isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.


Ainda 'A morte sem mestre' de Herberto Helder

(Livro, contra-capa e cabeça em barro pintado, peça de artesanato)


E música, se faz favor,

I will say goodbye





Como de costume, gosto de saber o que pensa o meu marido daquilo que escrevo. Por isso, no dia seguinte interrogo-o sempre. Não é fácil. O que me vale é que não sou de desmoralizar facilmente e que, para além disso, já dou algum desconto.

Hoje foi assim: 

Leste?
          Sim.
O que foi?
         ... Eram três coisas...
Sim. Quais?
         ...
Já nem te lembras, vê lá o que tu ligas.
          ...
         A Leal Coelho...
Sim. E...?
         ...
         ... o desmaio...
De quem?
         Do Cavaco...
E...?
         ...
Já não te lembras?
         ...
         ... Ah, sim, do puto.
E o outro?
         O outro quê?
O outro post. Eram 3.
         ...
Então?
         ... Ah, sim, uma coisa do Herberto Helder.
Vá lá...! E o que é que achaste?
         O que escreveste da Leal e do Cavaco pareceu-me bem.
... e do Herberto Helder?
         Umas coisas. 
O quê? 
         Umas coisas.
Não estou a perceber o que é isso de 'umas coisas'.
         Escreveu umas coisas por ali abaixo e diz que é um poema.
Mas não gostaste?
         Se fosse eu a escrever aquilo, toda a gente dizia que eu era maluco.
Ou seja: não gostaste?
         Como tem 83 anos já está naquela fase em que escreve o que lhe vem à cabeça.
Pronto. Está bem.



Ficámos assim.

Confesso que, com alguns destes poemas, também fico desconcertada, também eu me interrogo: é isto poesia?

Fico na dúvida, juro.

Vou transcrever mais um bocado de outro. Este é um bocado diferente.

Como é sabido a poesia de Herberto Helder é muito na base do poema contínuo. Mas eu gosto de isolar partes, ler bocados como seres autónomos.


 - levem (lavem) a minha cara, eu sou outro,
levem a minha alma,
levem a minha amante e troquem-na por outra,
outra mais conforme à mulher que não existe,
e ponham tão baixo a música que deitado no chão estreme
só eu a ouça, a música escrita apenas
para a minha loucura, a paixão, a aflição, a explicação
da minha biografia irónica e sensível:
e não se esqueçam: as putas todas e as virgens todas nas
                                                     minhas câmaras vazias,
manda o rei terrífico com voz política,
aquela voz que de muito falar já treme um pouco,
que eles não saibam sobretudo que já estou demente
(mas toda a gente sabe)
tragam-me as putas todas, religiosas, profanas ou outras,
o meu pénis tem o tamanho de um ceptro
(e ergue o ceptro que tem cerca de metro e meio,
e na verdade o sexo dele é até maior um pouco),
trespasso-as da côna ao coração
(e que mulher não tremeria de pânico e oculto gozo?),
e assim passa ele o tempo e o medo e o mundo
e eu que me esqueci de cultivar: família, inocência,
                                                               delicadeza,
vou morrer como um cão deitado à fossa!

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A música é I Will Say Goodbye do Bill Evans Trio (Bill Evans: piano; Eddie Gomez: bass; Eliot Zigmund: drums). As pinturas são de Egon Schiele.

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Relembro: desçam um pouco mais se quiserem saber de uma lápara sem vergonha na cara e com uma matraca em vez de língua.

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