terça-feira, setembro 24, 2013

A desumanização de Valter Hugo Mãe que me deixa quase em estupor catatónico só de ver a contracapa do livro. Imagine-se como ficaria eu se lesse o livro todo. [Mas, face a esta minha reincidência, interrogo-me: será que corro o risco de estar a incentivar a compra de tal utopia de purificar? Se há, aqui deixo já o meu ALERTA: cuidado que este livro é do mais plástico que há!]


A sério: não sou dada a raivinhas ou embirrações à toa. Se acho um sujeito um parvo de primeira, tendo a ignorá-lo. Mesmo a nível profissional, por vezes, se tenho que indicar pessoas para qualquer coisa, acontece-me esquecer-me de alguns. Nem é por mal. Esqueço-me das pessoas que acho palermas. Esqueço-me mesmo. Nada a fazer. O pior é quando alguém armado em freud de algibeira me diz com arzinho cúmplice, esse esquecimento deve querer dizer qualquer coisa... Finjo que nem percebo, não estou para fazer confidências sobre os meus palerminhas de estimação.

Por isso, mais depressa falo do que gosto do que daquilo de que não gosto.

Claro que tenho que abrir excepções: é o caso dos ignorantes e incompetentes que nos (des)governam. Aí não é que goste de falar deles: não gosto. Falo deles quase à força, contrariada. Mas é quase um dever de cidadania: sinto que não posso refugiar-me no meu comodismo, sinto que tenho que os denunciar, que ajudar a correr com eles. Se eu fosse só eu talvez conseguisse abstrair-me e ignorá-los olimpicamente. Mas não: tenho descendência a quem gostaria de saber com futuro, tenho ascendentes a quem gostaria de ver a viver em tranquilidade, tenho amigos que estão desempregados, tenho amigos com famílias desestruturadas, cada um em sua parte do mundo, tenho olhos para ver o que se passa à minha volta, tenho consciência.

Por isso, de Passos Coelho, da Albuquerca, do Crato, do Paulo Portas (que agora por aí anda com ar faceiro a apregoar que vai a caminho da estratosfera subindo uma qualquer escada metafísica), desses eu tenho que falar. Uma praga que veio com assessores, consultores, adjuntos e adjuntos dos adjuntos para que todos juntos resultem numa soma nula, uma malta que joga ao lose-lose, e todos tão palermas que facilmente são metidos no bolso por quem, de facto, manda no país (os bancos, a malta dos fundos financeiros, os burocratas, a malta que trafica interesses, essa raça de gente que é apátrida, amoral). 

Também, de vez em quando, abro a porta à pink society que escancara as portas da sua vida às capas das revistas e digo qualquer coisa, geralmente na brincadeira. Essa é gente que não faz mal a ninguém, são os pink salpicos da espuma dos dias, pode parecer que estou a gozar mas não, sinto até uma certa ternura. Coitada da Judite tão magrinha, não merecia a desfaçatez do Seara, e toda a gente a falar da tal vereadora, e das cenas no telemóvel dele, coitada da Judite, e a Rita Pereira que disse que estava magoada para não dançar e, afinal, anda a curtir a night, que ela até é boa pessoa e tem a mãe do Angélico a trabalhar lá em casa, e o Pedro e a Kelly também com qualquer coisa, e a Cristina Ferreira que tem uma química com o Senhor Alberto (e eu confirmo, que ontem bem os vi no mel, todos agarradinhos no slow, cheek to cheek, sorrisinhos derretidos). Coisas assim, converseta, nada de mais, nada de mal. Falo por falar. Vou ao supermercado e vejo as capas das revistas, toda cusca, e fico logo a saber as últimas, nem preciso de lhes ver os interiores.

Mas agora, com um ou dois dias de intervalo dou por mim com vontade de vir aqui dar umas bicadas no Valtinho (claro que ao falar em bicadas corro o risco que algum engraçadinho me diga, sorrisinho atrás da orelha: quem dá bicadas são as galinhas; seja, quero lá eu saber disso). E vocês, os que forem perspicazes, são até capazes de ver a perigosa liaison entre este tom de escrita e o próprio do Valtinho.

O caso é o seguinte: fui hoje à hora de almoço, numa corrida, dar uma espreitadela à FNAC para ver em que param as modas. Mas a coisa não correu bem. Há aquelas coisas do topo de loja e prateleiras de destaque e não sei que mais. Pois não é que estava tudo cheio do livro do Gulbenkian, o último do José Rodrigues dos Santos, mais o espumoso livro do Valtinho? Por todo o lado. Meia volta e lá estavam os dois, cheek to cheek, na maior intimidade, o Orelhas e o Valtinho.


Pensei, ó senhores, mas para que hei-de eu ser tão difícil? Bora lá, vamos lá ver se não é preconceito meu, daquele muito mau, se calhar estou a ser injusta.

No do Orelhas nem peguei. Não dá. Pode vender como pipocas, mas eu não acho graça a pipocas, aliás até me aborrece ir ao cinema porque estar ali no escurinho - que devia ser uma coisa boa e não é por causa daquele cheiro adocicado e daquele ruído cavalar da turba a dar à mandíbula - já se torna uma coisa maçadora. 



A desumanização do Valtinho, digo:
Valter Hugo Mãe
Mas peguei no livro do Valtinho. A capa toda adolescente, figurinhas coloridas, devem ser bonequinhos do imaginário islandês, sei lá. Mas até aí, vá lá. O caraças foi a contracapa. 

Pensei, isto não é possível, não dá, aquele garoto José Mário Silva devia rezar quinhentos pais-nossos por ter gabado tanto tal coisa.

Então sabem o que fiz? Saquei do telemóvel e fotografei, não fossem vocês pensar que estou para aqui a alucinar.

As fotografias ficaram todas tortas, tive que tirá-las à pressa e meio à socapa. Estava uma senhora ao meu lado a folhear um livro e eu senti-me quase envergonhada por estar a fotografar o livro, às tantas a senhora ainda pensava que tanto eu gosto do Valtinho (aquela fotografia em que aparece nu tem os seus méritos, não digo que não) que até lhe fotografo os livros. Ó senhores, o que eu sofro para lhe poder dar uma ou outra bicadita bem fundamentada, com provas circunstanciais.



Leio então:


Mais tarde também eu arrancarei o coração do peito para o secar como um trapo e usar limpando apenas as coisas mais estúpidas

(palavras do grande escritor e devem ser das melhores para merecerem este destaque)



O livro mais plástico de Valter Hugo Mãe. Um livro de ver. Uma utopia de purificar a experiência difícil e maravilhosa de se estar vivo.

(palavras da editora).


Percebem agora porque é que eu corri o risco de ser apanhada por algum conhecido a fotografar isto? Confesso: para poder ler estes nacos de prosa com atenção. Para ver se percebo.

Um livro mais plástico? O que será lá isso...?

Uma utopia de purificar a experiência difícil bla bla bla...? Mas isto estará, ao menos, bem escrito...? Caraças. 

E secar o coração como um trapo para limpar as coisas mais estúpidas...? Mas o que vem a ser isto? Será coisa da editora para gozar com o bom do Valtinho? Ou terá sido o Valtinho que escolheu esta pérola como best of da sua obra prima?

Juro: isto é para mim cá uma dor de alma que vocês nem imaginam. Com tanto bom escritor que tem que suar as estopinhas para conseguir publicar a sua escrita honesta e escorreita, e há depois estes artistas que conseguem a proeza de cair em graça, ter honra, fausto, prateleira de topo e lágrima no canto do olho da matrona, conseguindo facturar como pipocas. Ó senhores que este mundo é muito injusto.

*

Relembro que o meu anterior desabafo sobre este putativo artista pode ser visto aqui.

*

A ver se ainda cá volto.

8 comentários:

JOAQUIM CASTILHO disse...

Olá UJM!

Ele há coisas...Também eu estive ontem na Fnac a saltitar pelo livro do vhm que eu aqui afirmei que iria comprar por causa do meu sonho islandês. Para além do mapa da Islândia a encimar o início de cada capítulo e dos nomes supostamente islandeses dos personagens não deve haver mais nada da Islândia , para além de uma grande salgalhada a pretender ser literatura num hipotético reflexo das sagas e da angústia nórdicas. Cara UJM, as suas palavras poderiam ser as minhas, eu que não tenho o poder e a beleza da sua escrita. Claro que não comprei o livro que certamente será candidato a prémios literários e receberá os maiores elogios da nossa crítica especializada como já recebeu a capa, críticas e reportagem especial no último JL! Amen!


Um abraço

Bartolomeu disse...

Os livros do "orelhas", consigo lêr. Utilizo uma peneira de rede fina que me permite das 300 páginas retirar 50... 70, vá, com conteúdo suficiente para me compensar o trabalho de agitar a peneira.
Ha dias recebi um mail do homem onde me convidava a estar presente na sociedade de Geografia para assistir ao lançamento do seu novo remance. Estive no lançamento da "mão do diabo" e ainda consegui divertir-me um bocado a ouvir o debate entre ele e um padre convidado de que me não lembro do nome.
Do Valtinho... nem com molho de tomate. Mas atribuo esta urticária a um problema de mecanismo cerebral desformatado. Não sei porque, ligo a imagem do homem à daquelas putas rafeiras, estafadas, que já não têm ponta por onde se pegue, mas que se aproximam com um ar enigmático a fazer-nos crer que na cama são umas máquinas infernais...

Anónimo disse...

os comentários estão a passar a fase do intelectualoide - http://www.priberam.pt/dlpo/intelectual%C3%B3ide (a boa notícia , isto vai como veio)

Anónimo disse...

o processo é mais ou menos este (comparação com obras de arte).Há um tipo que não tem que fazer com o dinheiro, e dá um balúrdio,por uma obra até aí de 2.ª.Nesse momento aparece os "especialistas" e começam a ver qualidades e técnicas que até aí não conseguiam ver, e voilá, nasce uma obra de arte.

Anónimo disse...

ora aqui está uma profissão que não há puta rafeira que consiga enganar, ou é uma máquina infernal ou não é - http://www.deinf.ufma.br/~portela/Desafios1milhao.pdf. Para já apareceu uma - http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=9551&op=all

Anónimo disse...

Confesso a minha profunda ignorância: nunca ouvi falar do tal Mãe, ou Valter Mãe! Vejam lá. Quanto ao Santos, não leio, já o disse. São histórias que não me interessam.
Curiosamente, aqui há uma meia dúzia de anos, mais coisa, menos coisa, conheci, por mero acaso, em Londres um parente do Gulbenkien e ali tivemos, eu e minha mulher, uma interessantíssima conversa com o dito “relative”. Foi um jantar que ainda recordo. E como tinha estado na Arménia (embora hoje esteja mais desenvolvida), tudo aquilo foi especial, falando-se de muita coisa, “Kaloust” incluído, naturalmente.
Quanto ao que diz, sobre amigos e conhecidos a passar por situações difíceis, conheço, infelizmente, também, alguns casos desses. Poupam-se os do costume, corta-se nos habituais. Este governo fede. Pudera, é uma Pústula gigante.
E nisto, perdeu-se alguém muito especial: António Ramos Rosa.
Já não passo na FNAC há uns tempos. Ficou-me, da última vez, o olho num livro. Vou lá esta semana, a ver se ainda por lá está.
P.Rufino


Anónimo disse...

Por lapso, inseri o meu anterior comentário, neste Post, quando deveria ter sido no subsquente e último.
P.Rufino

Anónimo disse...

A dor de CORNO que por aqui vai =D

querias ter-lhe a fama e a capacidade? Vender livros e ter pessoas a admirar o trabalho feito?
"estudasses"!! ;)

inveja é feio, viu..?