Eu sei que agora que escrevo já é dia 1 de Maio, Dia do Trabalhador e eu, que sou trabalhadora, casada com um trabalhador, filha e neta de gente trabalhadora, mãe de filhos trabalhadores, prezo, e muito, o trabalho. Prezo e abençoo todos os dias o facto de termos trabalho e sofro pelos que o perderam ou não o arranjam, ou pelos que trabalharam toda a vida e que agora se sentem tratados como se fossem um peso morto.
Sei que o trabalho é fundamental para a dignidade pessoal e para a dignidade de uma nação, que o trabalho é vital para que a economia e, logo, para a sobrevivência de um País. Sei.
Sei que os trabalhadores devem merecer todo o respeito do mundo, sei que quem exerce cargos públicos deve ter como preocupação número um a sobrevivência autónoma, livre e independente do País - a curto, médio e longo prazo - e, para tanto, deve tudo fazer para melhorar as condições de trabalho e as condições de vida dos trabalhadores. E sei que isso não está a acontecer em Portugal nem em muitos outros países. Sei disso.
Sei que, em Portugal, se vivem, neste momento, dos ataques mais soezes, estúpidos, obnóxios de que há memória nos tempos recentes aos trabalhadores, aos ex-trabalhadores ou aos potenciais trabalhadores e sei que, quem tenha forças para tal, deve concentrar o seu esforço em denunciar os agentes dessa política malvada e canalha - em denunciar e em fazer tudo para correr com eles. Sei disso, então não sei?
Mas hoje, se me permitem, vou falar-vos de outra coisa. Como se fosse urgente. Como se a magia desaparecer se eu não falar.
É que, à vinda da minha escapadinha - e a ver se a ela volto amanhã (não me esqueci que tinha dito que hoje iria falar de uma aldeia serrana e outras coisas) - vi um rio tão lindo, mas tão, tão lindo, um rio tão lindo que não parece de verdade, um rio que apetece olhar tão longamente que ele entre dentro nós ou nós dentro dele.
É que, à vinda da minha escapadinha - e a ver se a ela volto amanhã (não me esqueci que tinha dito que hoje iria falar de uma aldeia serrana e outras coisas) - vi um rio tão lindo, mas tão, tão lindo, um rio tão lindo que não parece de verdade, um rio que apetece olhar tão longamente que ele entre dentro nós ou nós dentro dele.
Música, por favor
(e não é que a letra tenha a ver com o meu rio, mas fala de um rio e é uma canção também linda)
Depois de o ter visto ao vivo, de ter estado lado a lado com ele, posso testemunhar que ele existe, que não é uma das minhas invenções líricas, românticas, bucólicas. Não, existe, juro-vos. Mas não sei se posso falar-vos dele sem diminuir a sua beleza imaterial, a sua fantástica textura.
Pode um rio como o que vi parecer belo assim, aqui, feito de palavras e imagens, num écran de computador? Não sei e nem sei se faço bem ou mal em correr o risco de o menorizar face à sua beleza extraordinária.
As margens são verdes, há pequeninas pontes de pedra, carreiros estreitos sobre o rio, e depois há uma ponte maior, a Ponte do Marquinho, e a água que corre por baixo, e que deve ser macia, incrivelmente macia, está coberta de flores.
A espuma branca da água que corre e salta sobre as pedras confunde-se com as flores brancas que a cobrem.
E as águas, quando descobertas, são límpidas, transparentes, mas tantas são as plantas no seu interior, que as águas parecem verdes, um musgo luzidio. Como um desenho fantástico, abstracto.
Por vezes o rio alarga-se, as águas descobrem-se, e eu ando ao longo das suas margens, espreito-o através da rama cheirosa dos pinheiros, imagino que, de dentro das águas rumorosas, vão sair mulheres nuas de longos cabelos verdes, homens feitos de água, com olhos verdes, e mãos longas como asas, cobertas de limos verdes e flores brancas. Andando por ali, junto a este rio mágico, isso parecer-me-ia muito possível.
Ouvem-se os pássaros, cantam muito alto, um festim, uma alegria desmedida. Imagino como são felizes. Pode haver felicidade mais pura e ingénua que a deles?
Junto às margens verdes, por vezes, a paisagem ganha pontos de cor, e podia ter sido Van Gogh ou Monet que por ali tivessem andado mas sei que não e, por isso, não sei de onde apareceram aquelas flores.
Aproximo-me, chego mesmo junto às águas, quero perceber. Dá ideia que longos ramos, finos como cabelos, atravessam as águas, talvez sejam os cabelos das mulheres que vivem no fundo do rio, nas grutas secretas. Atravessam não, acompanham. Um véu subterrâneo, um longo véu de seda verde deslizando sob as águas do rio.
Procurei agora na internet e li que seriam agriões floridos. Não sei. Se forem, fico muito admirada, não sabia que os agriões podiam ser tão bafejados pela sorte.
Há locais, nas margens, em que se formam recantos, recantos por onde a água entra, secreta, e onde a vegetação das margens também mergulha. Deve ser aqui que se escondem os homens transparentes de olhos verdes ou as mulheres nuas de longos cabelos verdes. Aqui. Estas águas são tentadoras.
Aproximo-me ainda mais. As flores que cobrem estas águas inventadas são muito pequenas, ínfimos caules, delicadas pétalas. E reflectem-se na água. Alguém mais desatento poderia imaginar que são flores suspensas, ou flores ao espelho, inocentes e vaidosas.
E as pequenas folhas, muito juntas, muito macias, parecem um veludo verde dourado, uma espuma de que deve ser bom revestir a nossa pele.
Não mergulhei neste rio mágico. Às vezes falta-me a coragem quando mais precisaria dela. Queria ter-me despido, soltado os cabelos e mergulhar, e deixar-me cobrir deste veludo suave onde a luz pousou, deixar que as pequenas flores brancas cobrissem o meu cabelo, a minha pele. Queria vestir-me com este rio. Queria ter este rio dentro de mim.
*
Devia ter escrito outra coisa neste 1º de Maio. Eu sei. Mas talvez, sem querer, esta seja a minha maneira de dizer que não há Gaspar, Passos ou Cavaco que destruam a minha capacidade de sonhar, a minha maneira de ser eu. E, enquanto eu, nós, nós formos nós, nós inteiros, nós de corpo e alma, não há palerma que nos vergue, não há palerma que nos assuste.
(E, a propósito do que, há bocado, me apeteceu fazer ao Gaspar, quando vinha no carro e ouvi a sua voz despudorada e destrambelhada, convido-vos a descerem até ao post seguinte.)
*
Desejo-vos, meus Caros Leitores, um 1º de Maio muito feliz.
E desejo-vos também que a Primavera e todos os sonhos nunca vos abandonem.
3 comentários:
Olá bom dia!
Já vi que andou por terras de Sicó (claro, a chanfana!) e que a Praça da República talvez seja a de Condeixa-a-Nova.
Foi à Casa Fernando Namora?
Conventos e aldeias pitorescas é o que não falta por aí. Talvez Semide ou Louriçal, talvez Gondramaz, mas é mesmo ao calhas...
Mas desiludiu-me!
Que os políticos não cumpram as promessas já estou habituada, agora a minha blogger favorita...
E acordei eu às 5 da matina para nada!!!
(Estou a brincar, eu acordo sempre muito cedo)
Beijinho e um belo feriado!
Antonieta
Não será o rio de que Brecht nos fala e que devemos lembrar no dia de hoje.
Mas é importante saber que existem rios que nos fazem sentir a vida que somos e que damos...
Abraço
Olá UJM,
Foi um lindo passeio!
Adorei o percurso e as fotos espetaculares! Andou perto da nascente do Rio Nabão, no lugar de Olhos de Água, Ansião.
Onde o Rio Nabão nasce:
www.youtube.com/watch?v=6QqfAsH5Rpk
Um beijinho e continuação de um resto de semana bom.
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