domingo, maio 12, 2013

A pobreza disfarçada mesmo ao meu lado enquanto eu comprava o peixe. E o cavaquismo que, segundo Clara Ferreira Alves na Revista do Expresso, foi onde Portugal se perdeu; e os países ricos que, segundo Miguel Sousa Tavares, impõem austeridade aos países em aflição, cavando um fosso cada vez maior; e o Governo de Passos Coelho que, segundo Nicolau Santos também no Expresso, usa de terrorismo de Estado contra os cidadãos, a quem declarou guerra sem tréguas. [E Márcia canta 'Deixa-me ir' - mas eu espero que ela fique porque canta e compõe que dá gosto.]


Hoje de manhã, fui ao supermercado comprar comida para o fim de semana e alguma coisa para a semana.

Enquando estava no balcão do peixe, tinha ao meu lado uma mãe de uns setenta e tal anos e uma filha, cerca de cinquenta, cinquenta e poucos. Fisicamente parecidas. Enquanto eu esperava a minha vez, ia-as ouvindo: tentavam avaliar o que lhes sairia mais barato.

Depois eu pedi duas pescadas, daquelas pequenas de anzol, marmotas. Custaram 4,5€ e eu ouvia-as, em voz baixa, dizerem que, para elas, chegava uma e que, sendo uma, ficava por dois euros e picos. Mas a filha estava de olho nas douradas. Eu, que ia levar douradas, quase me inibi de o pedir. Mas pedi duas e pedi que fossem grandinhas mas tentei que elas não ouvissem eu a pedir que fossem grandinhas.

Eu não tinha dado por isso: estavam em promoção e, por isso, não chegaram a 5€. Ouvi a filha, entusiasmada, que estavam num bom preço. Mas a mãe dizia-lhe que uma dourada não chegava para as duas, e a filha ainda teimava, que talvez desse e a mãe que não, porque a dourada é um peixe mais pesado que a pescada

Depois, já era a filha que dizia que não sabia se uma pescadinha daquelas daria para as duas. Entretanto, a empregada estava a arranjar as minhas douradas e eu, que olhava em frente, fingindo não ouvir a conversa,  já só me apetecia mandar pesar mais duas douradas e oferecer-lhes mas pensei que isso seria constrangedor, ali, no meio daquela gente toda e elas até tinham bom aspecto, quero eu dizer, não tinham aspecto de gente que passa dificuldades. 

Então a senhora mais velha pediu se eu a deixava ver no meu saco o tamanho das pescadas, explicou que era só para perceber se uma pescada dava ou não para duas pessoas. A filha, um pouco envergonhada, lá avaliou também e depois, com uma certa pena por ter que abdicar da dourada, lá concluiu, pois, se calhar vamos melhor servidas com uma pescada.

Não sei se tenho que vos dizer como me senti. É isto, então, a pobreza envergonhada? Uma coisa assim, uma humildade absoluta, uma rendição, uma vergonha miudinha, uma necessidade de avaliar a melhor forma de gastar dois euros em peixe para dar para duas pessoas? Uma coisa que não se vê, que parece que não existe, mas que toca pessoas tão perto de nós? 

É a estas pessoas que o Governo quer cortar ainda mais o rendimento? Mãe e filha a ampararem-se na pobreza.

Que pena que eu tenho por ver como o meu País está tão desgraçadamente entregue a quem, sem misericórdia, por ignorância, incompetência ou vã ambição, despedaça famílias, empresas, almas.

Que pena que eu tenho e que preocupação - porque sei que estes dois anos de destruição vão levar vinte a reconstruir. E muitas das pessoas que mais afectadas são com esta destruição não vão ter vida suficiente para voltarem a viver bem.



Escondo-me em mim para tentar preservar a inocência e a alegria de que a minha natureza é feita,
para melhor resistir  à tristeza que tudo isto me provoca

In heaven, a natureza faz de tudo para me ver sorrir;
a nespereira está carregada e há uma nova nespereira que nasceu sozinha
que este ano também já está a dar frutos dourados, penugentos

*

Muito do cavaquismo, com os seus adjuntos de adjuntos, com os seus adesivos e pensos rápidos, com os seus bandidos e alcoviteiras (cuja identidade só mais tarde seria conhecida), trabalhava sem suavidade e com 'profunda convicção patriótica' na destruição do país, impondo-lhe um modelo de desenvolvimento e políticos subdesenvolvidos.

O cavaquismo, com os almoços, jantaradas, cavaqueiras, encomendas, tertúlias, estendendo a 'longa manus' na banca e nos conselhos de administração, providenciando a ocupação do sistema pela matilha, foi o período em que Portugal se perdeu.

Um dia, alguém fará a história deste templo, com os seus fariseus e saduceus luzindo nos óleos da unção. Um dia, alguém fará a crítica da pura irracionalidade, e não precisa ser um Kant.


[excerto de 'O adjuntivo Marques Mendes' de Clara Ferreira Alves in 'Pluma Caprichosa', Revista do Expresso, 2013.05.11]



A minha ave do paraíso está mais exuberante, arrojada, desafiadora.
Dir-se-ia que me quer dizer que há mais marés que marinheiros,
que há coisas que não há medíocres que as estraguem,
que o que é preciso é levantar a cabeça, não ter medo, enfrentar os desafios, manter a coluna direita, estar de pé

*

O que neste momento mais agrava as dificuldades dos países que enfrentam a crise das dívidas soberanas é a desigualdade de acesso ao dinheiro em condições razoáveis: internamente, a austeridade levou-lhes toda a riqueza sobejante; externamente, os mercados trucidam-nos precisamente por eles estarem em dificuldades. Os países envolvidos no nosso resgate financiam-se a 1% e emprestam-nos dinheiro a 3.2%: chamam a isso ajuda a um Estado-membro. 

Esta semana, tivemos outro 'grande sucesso': experimentámos a alternativa e fomos ao mercado pedir dinheiro a 10 anos e conseguimos um juro de 5,6%. No mesmo dia, a Alemanha pediu dinheiro a dez (sim, a Alemanha também pede dinheiro emprestado!) e obteve uma taxa de juro negativa de 0,4%.

Ou seja: os 'investidores' não se importam de perder dinheiro desde que ele esteja seguro na Alemanha, e a Alemanha consegue a proeza de ganhar dinheiro quando o a Alemanha o pede emprestado. Eis a União em todo o seu esplendor Assim é fácil pregar a austeridade aos outros! Emprestem-nos dinheiro à taxa de juro de -0,4% durante dez anos e nós teremos todos os problemas resolvidos...


[excerto de 'É isto a Europa?' de Miguel Sousa Tavares, Expresso, 2013.05.11]



Plantámos há algum tempo uma planta, eu gostava de ter esta planta.
Que não se dava, que o terreno é só pedra, que se ia perder no meio do matagal.
E, durante algum tempo, parecia mesmo que ia soçobrar.
Mas aqui, como por milagre, até as pedras florescem.
Agora está grande, belo, coberto de flores belíssimas, um luxo colorido.

Apresento-vos o meu extraordinário Callistemon
(vulgarmente chamado 'limpa-garrafas')

*

(...) O terrorismo do Estado está a ser impiedosamente praticado por este Governo contra reformados e trabalhadores da função pública, mas também contra os contribuintes e os cidadãos em geral. O objectivo é claro: reduzir o Estado a uma função meramente assistencialista e Portugal a um país com salários do Terceiro Mundo, sem nenhuns centros de decisão em mãos nacionais e que agradecerá humildemente às grandes multinacionais que se instalem cá para aproveitar os baixos custos da mão de obra nacional. 

O Governo declarou guerra sem tréguas aos portugueses. 

Há-de chegar a altura de os portugueses o varrerem para o caixote do lixo da História.


[excerto de 'O terrorismo do Estado em todo o seu esplendor' de Nicolau Santos in 'Cem por Cem', Expresso Economia, 2013.05.11]

***


Esta é - aqui já muitas vezes mostrada - a minha fénix renascida, a minha grevílea-robusta
Dada como morta, tronco cerrado depois de ter sucumbido ao vento, renasceu.
Regada com cuidado pelo meu marido, ela cresce de novo, cresce a olhos vistos.
Está aqui à porta da sala onde agora vos escrevo.

Quando o sol se põe e fica dourado, ela, que é rendilhada e delicada, fica brilhante, luminosa,
confiante na vida que tem pela frente. 


A natureza mostra-nos que não devemos desistir. Há sempre um ressurgimento. Esperemos por ele. Lutemos por ele.


***



Deixa-me ir, de Márcia

***

E, com isto, me despeço por agora.

Tenham, meus Caros Leitores, um belo domingo! E, haja o que houver, não deixem de sorrir e de ter esperança, está bem?

4 comentários:

Anónimo disse...

Fabuloso Post!
Verdades como punhos!
Por estes e outros Post, o Um Jeito Manso é um excelente Blogue!
Bom Sábado!
P.Rufino

JOAQUIM CASTILHO disse...

Olá UJM!

Excelente texto! Acertadas transcrições.
Eu não vos dizia que o Paulinho é um pantomineiro?

Abraço

Anónimo disse...

Olá jeitinho,
Fico tão triste com o que estão a fazer aos portugueses.
Adorei o novo visual, é uma noiva?
Beijinho Ana

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,

Citações com as verdades nuas e cruas da situação atual do nosso País. Clara Ferreira Alves nada perdoa!
O relato que fez do caso que presenciou de pobreza disfarçada é infelizmente a realidade do País em que vivemos. Também me tenho confrontado com situações muito idênticas a esta e fico muito chocada. Há dias, numa pequena superfície, observei, uma senhora já com muita idade que tentava esconder um pacote de leite numa bolsa com uma abertura muito pequena onde mal cabia o pacote... afastei-me, pois fiquei sem palavras para fazer o que quer que fosse. Senti uma vergonha enorme por haver pessoas com esta idade, neste meu País, provavelmente, mais um caso de pobreza envergonhada, a tentar resolver as suas dificuldades da pior maneira!... Enfim, tudo isto se deve a esta gente sem coração que desgoverna este país levando as pessoas à extrema pobreza, tendo atitudes nunca antes praticadas.
O seu in heaven está cada vez mais criador, exuberante e apetecível! Este ano a minha planta do paraíso também está cheia de flores, está com muita energia e luminosidade, devido à muita chuva que caiu neste Inverno. Fotografo-a com frequência para não perder estes momentos de beleza que a natureza me oferece todos os dias.
Um grande beijinho e viva o seu in heaven todos os dias com muita intensidade!