quarta-feira, abril 17, 2013

Isabel, a mulher ciumenta, não perdoa







Isabel espera que os outros saiam. Apanhou o cabelo, faz alterações no documento, folheia pastas, pensa, escreve, olha a janela, olha o computador.




Não tem pressa. Pensa. Afonso vai chegar tarde, vai inventar uma desculpa mesmo que ela não lhe pergunte nada; e ela, para ele não perceber os seus ciúmes, vai fingir que não presta muita atenção ou que acredita. Pensa que se ele não perceber a sua desconfiança, mais facilmente o pode apanhar.

Se ele chega por volta das nove da noite ela vai chegar apenas um pouco antes. Não quer ficar em casa à espera, a imaginar onde andará ele. Vadio.

Durante a madrugada costuma levantar-se, espreitar os bolsos dos casacos dele, tenta ver as mensagens e os mails no telemóvel dele. Mas os bolsos estão sempre vazios, Afonso é um homem de hábitos, nunca guarda nada nos bolsos e, se guarda, quando chega a casa, despeja-os. No telemóvel também nunca descobriu nada. Afonso apaga as mensagens e os mails mal os lê. Isabel tenta ver as chamadas feitas e recebidas mas pensa que ele também apaga o seu rasto pois já tomou nota de alguns números, para onde telefonou depois, do seu telemóvel, depois de o ter posto incógnito, e sempre foi ter a colegas de trabalho, nada de mais.

Afonso, como todos os homens calados, sabe muito e é difícil de apanhar. Mas Isabel não descansa, está no encalço da outra e não há nada de mais infalível que uma melhor ciumenta.




Lembra-se das noites sem dormir, a tentar recordar-se de pistas, de gestos suspeitos. Lembra-se de episódios.

Lembra-se de uma vez terem ido ao cinema e de ele ter recebido uma chamada e ter saído da sala, apenas regressando quase no fim do filme, lembra-se da agressividade dele quando ela lhe perguntou se ele não tinha vergonha, lembra-se de ter chorado no carro sem que ele tentasse consolá-la. Lembra-se de chegar a casa lavada em lágrimas e de ele se ter ido deitar sem uma palavra.




Antes, quando ouvia casos de outras mulheres ciumentas, ria-se, achava que faziam coisas ridículas, arriscadas, dizia que ela jamais desceria a esse ponto. Achava-se superior.

Agora nem pensa. É uma obsessão: tem que descobrir quem é ela. Não sabe o que fará depois, não sabe se o confrontará com os factos, se lhe atirará uma coisa à cabeça, se fará telefonemas ameaçadores à outra, se o ameaçará a ele com um divórcio litigioso. Não sabe nem isso agora ocupa os seus pensamentos. Agora quer apenas conhecer quem é aquela que traz Afonso assim, tão desligado dela e da sua vida anterior.

Isabel sente que o seu coração agora está negro, negro como a noite.

Os colegas vão saindo, vão-se despedindo. Isabel permanece como se estivesse concentrada no trabalho.

Quando mais ninguém resta naquela ala, recebe uma chamada. Atende naquela inquietação adolescente, naquele nervosismo. Enquanto fala, solta o cabelo. Se alguém estivesse por perto, admirar-se-ia com o leve sorriso, com a alusão de malícia que assoma aos seus olhos.




Desliga o computador, arruma a secretária. Pega na carteira e vai à casa de banho, vê-se no espelho, ajeita o cabelo.

Sai mas logo volta atrás. O coração bate, sabe o que vai acontecer, ah sabe... Volta a ver-se ao espelho, volta a ajeitar o cabelo. Depois retira o perfume da carteira e deita umas gotas na nuca. Volta a ver-se ao espelho. Vadio. Não te desculpo. Vadio. Quando te arrependeres, já vai ser tarde.


***

A pedido de algumas famílias, hoje não é a voz rouca de Carla Bruni que nos acompanha, hoje é Melody Gardot com  Your Heart is as Black as Night.

Isabel é ainda Isabelle Huppert.

Porque tenho que me levantar muito cedo, hoje não consigo escrever nada no Ginjal.


NB: Caso desejem conhecer a minha resposta ao Leitor que me deixou um comentário dizendo que Pedro Lomba é um homem de génio e que é sobrequalificado para o lugar, desçam, por favor, até ao post abaixo. E, para um recado (inconveniente, confesso) para alguns intervenientes nas cenas de amanhã, é descerem ainda um pouco mais.

***

E, por hoje, já chega, não é?
Desejo-vos, meus Caros leitores, uma bela quarta feira. Muita saúde e boa disposição é o que vos desejo.


1 comentário:

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
A mulher ciumenta, não perdoa, mas a factura a pagar pode ser muito pesada, pois desgasta interior e exteriormente. Valerá a pena?
Cada Isabel é que sabe, tudo depende do seu estatuto social face ao homem, mas um diálogo franco e aberto seria aconselhável antes que o ciúme se transforme em paranoia. As Isabéis antes de mais devem zelar por si próprias e não deixarem que o ciúme atinja a sua auto-estima. Um tema muito complexo, pois lá diz o velho ditado: Cada um, sabe de si!
Um beijinho e um bom dia de trabalho!