A seguir a este encontrarão dois textos dedicados à actualidade política. Querendo, podem ir já lá ter porque, aqui, agora, a conversa é outra.
Quando, em Paris, o conheci pessoalmente, estava desfeito pela solidão, à beira do suicídio - disse-o e escreveu-o. Tem até um breve conto, inédito, em que encena esse suicídio. Tinha-se separado da mulher e deixado em Lisboa três filhos.
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Disse-me, mais tarde, que imediatamente decidira que havia de me conquistar... mas levou tempo. Teve a inteligência de ne pas me bousculer, como dizem os franceses. Porque, pelo meu lado, não houve coup de foudre nenhum. Foi um relacionamento tecido malha a malha - texto a texto.
Durante largo tempo, foram só conversas, poemas, passeios a sítios bonitos e exposições, só isso.
Eu tinha vinte e seis anos e ele ia fazer quarenta e seis, mas estava envelhecido, mal vestido, à senhor respeitável, com fato, camisa e gravata. Até colete.
(Quando nos emparceirámos, desengravatei-o e troquei-lhe as camisas por camisolas de gola alta - nunca mais usou fato nem gravata na vida! As pessoas pasmavam com o seu rejuvenescimento, que o bigode, que lhe sugeri, acentuava!)
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Acho que se sentiu mergulhado na solidão de quando o conheci em Paris, com um profundo sentimento de abandono. E, como nessa altura, apaixonou-se - para se sentir vivo, disse-me. Quando regressei a Portugal, dei por isso, embora essa paixão fosse inteiramente platónica. Disse-me, com a sua habitual candura, que 'ela' não se comparava comigo, que nunca lhe tinha ouvido dizer nada interessante! Pediu-me que tivesse a paciência de esperar que aquilo lhe passasse. Que tinha sido sem querer, desculpava-se, 'como entalar o dedo numa porta'...
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A seguir, regressámos. Quando a vida se nos tinha tornado fácil (tínhamos, de novo, pátria, casa, desafogo económico), a nossa sintonia amorosa desfez-se.
Ficámos amigos, sempre, até à sua morte. Até à minha, sei que ele continuará a existir dentro de mim.
[Argelès-sur-Mer, 20(?) de Agosto de 1968]
Amor,
Estou pensando em ti, mas com inércia de escrever. Os meus olhos desalinharam-se das letras. Só vêem ao longe. Ontem à noite, demos um passeio à noite por caminhos da aldeia, à luz das estrelas. Vês as estrelas aí, ou ainda há nuvens? Aqui, o tempo melhorou.
Uma notícia: o meu irmão Zé foi nomeado ministro da Educação. Vinha ontem no Monde. Receio que isso lhe dê completamente volta ao miolo. Ainda não resolvi se lhe escrevo ou não.
Não te esqueças da minha recomendação sobre o chapelinho e o creme.
Adeus, queridinha. Hoje não tive carta tua; muitos beijos do
A. J.
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O texto em itálico é parte do prefácio de Teresa Rita Lopes do livro 'Cartas de Amor de António José saraiva a Teresa Rita Lopes', edição de Ernesto Rodrigues, da Gradiva.
A carta é uma das muitas cartas enternecedoras de AJS que constam do livro.
A música lá em cima é April in Paris interpretada por Billie Holiday.
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Tal como referi acima, para temas como o avózinha-coelhinha e o Schäuble-lobo-mau ou a troika em versão Manuel João Viera, deverão até dois posts abaixo.
Muito gostaria ainda de vos convidar a virem comigo até ao meu Ginjal e Lisboa onde as palavras de Fiama se juntam pela madrugada às de Gastão Cruz. A música é uma maravilhosa interpretação de Monteverdi em onda jazz a cargo de Uri Caine e Paolo Fresu.
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E é isto. Desejo-vos, meus Caros leitores, muita saúde e muito amor.
2 comentários:
Cara UJM,
Eis-me, mais uma vez, para lhe dar a forcinha que sempre mereceu e merecerá.
Gostarei com certeza de ler estas cartas de amor, como muitas outras que já li. Relembro as cartas portuguesas de Soror Mariana Alcoforado, mais tarde apologizadas pelas Novas Cartas Portuguesas das três Marias.
Creio que por amor, tudo que se escreve sobre e para o objecto amado, exala perfumes e sentimentos divinais. Todos sabemos e sentimos que é indescritível o verdadeiro Amor.
Deixo-lhe no seu Ginjal, um cibinho dos afectos da poesia de Teresa Rita Lopes.
Como não poderia deixar de ser, para si, deixo-lhe aqui e lá uma infinidade de cibinhos de muita saúde e felicidades
Olá UJM,
Como este amor de António José Saraiva a Teresa Rita Lopes devia ter sido lindo! Foi um relacionamento bem estruturado, não foi nenhum coup de foudre mas sim tecido malha a malha, como ela diz e pelos vistos tecido numa malha bem apertada que a vida para além da sua morte não desfez, mas sim imortalizou.
Gostei muito de conhecer a existência deste livro que gostaria também de ler.
Faço minhas também as palavras do seu Leitor dbo, no que se refere à essência do amor e aos desejos de muita saúde e felicidade para si.
Um beijinho grande
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