domingo, abril 29, 2012

De cinzenta a luminosa: uma manhã de sábado no Ginjal. E Maria João Pires. E Rachel Leahcar e La vie en Rose e, ainda, o charmoso e convincente Obama no Late Night with Jimmy Fallon. A vida continua.


Música, por favor


Chopin - Maria João Pires com Pavel Gomsiakov, Estudo Nº 19



Agora que escrevo, a chuva cai com força, ouço-a na janela ao meu lado. Hoje o dia esteve assim. Começou logo cinzento. De manhã a paisagem pintava-se em tons de cinzento e o céu pesava.



Mas, durante um bocado, aos poucos, o céu foi abrindo, o sol foi aparecendo e, por instantes, o verde ficou luminoso, o azul ficou inocente.

Entrei no jardim da beira do rio. Os pés quase se afundavam na relva molhada. Reentrei, pois, no meu mundo mágico, perto dos meus amigos filósofos.

Em primeiro lugar, o meu amigo pássaro preto de bico amarelo. Olhou-me e não posso dizer que tenha sorrido mas eu acho que teve vontade disso. Como de costume, deixou-me entrar no seu espaço. Depois virou-se e foi andando. De vez em quando certificava-se de que eu ia atrás dele. E eu ia.

Depois deixou-se ficar em meditação, olhando o rio. Dizia-me, certamente, que eu devia fazer o mesmo.




Claro que obedeci. A vida de pouco valerá se não soubermos louvar o que nos rodeia: o verde, o azul, o rio que corre, as grandes pedras que ficam, a vegetação que muda, o tempo que passa.




Por entre flores cor de rosa avistei um veleiro de vela negra, belíssimo. Queria ir naquele veleiro de asas negras. Junto dele, as velas brancas de outros pequenos barcos à vela pareciam plumas inocentes, pequenos fios de branco. O rio, nessa altura deslizava entre tons de azul e a Torre de Belém parecia um edifício de brincar, tão bonito, tão bem feitinho, tão pequeno parecia. 

... Sonho que vejo isto ou coisas assim, tão belas, existem de verdade? Por vezes, não sei. Mas talvez existam mesmo, acho que estou acordada quando vejo estas aparições.

Mais à frente, encontro outro dos meus amigos filósofos. Hoje meditava sobre o rio. Começava, entretanto, a levantar-se o vento e uma das suas orelhas quase se transformava em asa.



Olhei-o e ele olhou-me e esse olhar foi o nosso cumprimento. Conhecemo-nos de longa data. Tenho até estima por ele. Gosto muito de cães, não sei se já vos disse. 

Depois voltou aos seus pensamentos. Contempla o rio enquanto pensa, é como eu.

Mas, instantes depois eis que levanta a cabeça, admirado. Sigo os seus movimentos, sigo o seu olhar. 



Um enorme veleiro sem velas, só mastros, aproximava-se vindo do oceano. O meu amigo estava extasiado e eu também. Por muito rio que tenhamos dentro do nosso olhar, ninguém está preparado para uma coisa assim. Que beleza, que elegância, que dignidade. Já vos falei antes da dignidade destes navios que atravessam o Tejo, não falei? São silenciosos, elegantes, lentos, dignos, estes barcos que pisam as águas largas do Tejo, passando majestosos, mas quase como se o fizessem em homenagem a Lisboa, a bela.

Ou é isto, meus Amigos, ou então sou eu que vejo a vida cor-de-rosa, que é como quem diz, la vie en rose. 

*

(A propósito: fizeram o teste 'Você sente-se feliz' que vem na capa da Revista do Expresso? Eu fiz. Obtive o resultado de 5.5 o que, conforme lá se desvenda, significa que sou Muito feliz. (Felizmente não me deu 6 que isso significaria que seria Demasiado feliz o que, conforme lá se explica, ser demasiado feliz não é grande coisa...)

*

Mas, então, voltando onde íamos: vamos mas é ver a vida em rosa.


Rachel Leahcar, uma menina cega com uma voz ímpar, aqui interpretando La vie en rose no programa 'The voice' na Austrália.

*

E, por coisas extraordinárias, vejam, por favor, os meus Amigos, a grande diferença entre um Presidente cinzento, que não acrescenta valor, que oscila entre não dizer nada e tecer observações despropositadas (como é o caso de Cavaco Silva) e um que diz de forma clara aquilo que defende, que tem à vontade e auto-segurança para poder dar-se ao luxo de ser irreverente (como é o caso de Obama).


Slow Jam The News  with The Roots - Barak Obama no Late Night with Jimmy Fallon


*


E tenham, meus Amigos, um belo domingo!

4 comentários:

Maria disse...

Amiga,
Depois da caminhada, salpicada de chuviscos, que não me impediram de ir ver os patinhos do ribeiro. Cada vez são mais e lindos. Telefonei a uma prima que faz hoje 80, fiz o almoço, almoçamos e, sentei-me a ouvir a Mª João Pires. Deliciosa, como sempre.
O céu continua cinzento.
Que inveja! Aqui não há relva para mergulhar os pés. O seu pássaro de bico amarelo, indica-lhe o caminho do rio. Sempre o Rio.
O veleiro de velas negras, fez-me sonhar com piratas. Lindo, entre os outros, de vela branca.
Achei graça, chamar filósofo ao cão. Eu acho que eles são mesmo filósofos. Que filosofarão?
A torre tem sempre um ar delicado e frágil. É extremamente feminina. Até leva o dia, a mirar-se no espelho do Tejo.
Não, não sonha, há mesmo coisas assim belas. Só que, só alguns privilegiados, os vêem.
O veleiro sem velas, partia para onde? Para longe, decerto.
"Quand tu me prnds dans tes bras"!... Ouvia-a horas, cantada pela Piaf. Esta interpretação de Rachel Leahcar, é fabulosa.
A única vez, que vi Cavaco menos cinzento, estava a falar com a boca cheia de bolo-rei. Comparação impossível.
Gostava de ter um Obama. É simpático, inteligente, bonito, tem ao lado uma belíssima e interessante mulher, coisa que o Cavaco não tem.
Já disse mal qb.
Aquelas nuvens rosas, de uma das fotos, alegraram este dia cinzento.
Bom Domingo.
Beijinho
Maria

Um Jeito Manso disse...

Olá Mary,

Que bonito também deve ser o seu passeio. No outro dia, a propósito destas coisas científicas à volta da felicidade, li que os cientistas puderam comprovar (através das zonas do cérebro que são activadas) que a proximidade da água tranquiliza as pessoas, transmitem um bem estar que conduz à felicidade.

Eu acho mesmo isso. Tantas vezes chego ao fim do dia cansada, saturada e vou andar à beira do rio e aquele ar fresco, a visão da água, nem sei, mas a verdade é que descanso, fico tranquila. E ver animais é a mesma coisa, acho. Ver patinhos a subir e descer as pedras da beira da ribeiro, andarem por ali, deve ser uma ternura.

Eu vejo aqueles animais da beira do rio, pensativos, a olharem aquela paisagem e acho que só podem estar a reflectir no sentido da vida. A filosofar, portanto.

Mas que os cães pensam e sentem, disso não temos dúvidas, pois não...? Quem tem, na sua família, um cão sabe que são seres afectuosos, inteligentes, sensíveis. E são amigos incondicionais. Não falo mais que me dá saudades da minha amiguinha de tantos anos que já se foi.

Gosto da sua imaginação Mary.

Aquela imagem num rio muito azul de um veleiro negro rodeado de veleiros brancos era uma coisa... como um cisne negro no meio de cisnes brancos.

E aquele veleiro enorme que apareceu ali sem eu o ter visto a aproximar... parecia uma aparição. E deslizava com uma elegância.

Perco-me com a beleza deste rio, com o que avisto em volta do rio.

Quanto ao Obama... e o bem que ele dança...! Tem uma swing, um volteio...

Um beijinho, Mary e obrigada por este comentário tão completo, tão animado.

Anónimo disse...

Cara UJM:
Íntima da natureza, irmã da nuvem e das aves, companheira do rio e dos animais, coisas simples e portadoras de felicidade, como diz Matthieu Ricard . Daí o resultado do seu teste- Muito Feliz. O resultado do meu: 4,2.
O seu post e a entrevista de Paula C.P., na revista do Expresso, a Matthieu Ricard fez-me lembrar S. Francisco de Assis. Também ele encontrou a paz, a tranquilidade e a resposta para as suas dúvidas e inquietações com a meditação, junto da natureza e no gosto pela música. E recordei a adolescência e a oração da Paz, de S. Francisco que tantas vezes cantei, ”(…) Onde houver desespero, que eu leve a esperança/ onde houver tristeza que eu leve a alegria (…). Tudo o que fazem os “espalha felicidade”. Não será Matthieu Ricard S. Francisco de Assis do séc. XXI?
Brilhante Obama! Ou: a diferença entre a grandeza e a tacanhez.
Et qu’on voit la vie en rose!
Dias Felizes
abraço da
Leanor formosa e segura

Um Jeito Manso disse...

Olá Leanor, formosa, segura e feliz,

Isto da felicidade é uma coisa engraçada, acho que é mesmo uma coisa intrínseca, uma maneira de ser, uma coisa que não tem que ver com estados circunstanciais.

Por razões familiares ando desde há algum tempo com preocupações que me toldam um pouco a minha disposição habitual mas tem graça que isso não afecta a minha maneira de ser mais profunda. De facto as preocupações ou as tristezas são conjunturais mas a maneira de ser é estrutural (pelo menos comigo é).

Não tinha pensado nisso que evoca, na bondade feliz de S. Francisco de Assis mas talvez a felicidade venha mesmo da proximidade com a natureza, com a simplicidade. Dá gosto ver Matthieu Ricard falar das montanhas, do céu, da beleza das coisas e das pessoas.

Obrigada pelas belas palavras que sempre nos traz.

Um abraço, Leanor.