segunda-feira, março 05, 2012

Eu a passear pela minha memória e por Lisboa, agora pelo Parque Eduardo VII (ao som de Carminho, levada pel' A água que nos move' de José Alexandre Caldas Ribeiro e voando com uma belíssima Escultura de Ar de Daniel Wurtzel)


Música, por favor

Carminho - Escrevi teu nome no vento

Houve uma altura, quando eu andava a estudar, em que passei por um período de alguma turbulência. Namorava há já algum tempo um rapaz maravilhoso que me adorava e de quem eu gostava bastante quando me apaixonei por um outro que, em tudo, era o oposto do primeiro. Um era todo virado para as letras, o outro para números. Um era dado a poesias e cânticos e, o outro, a desportos federados. E eu, que gosto de letras e de números, de poesia e de desportistas, namorando com um e andando com outro, estava nas sete quintas.  

Já aqui falei nisso, não vos quero maçar de novo. Concluo já. 

Tudo poderia ser um suave caminhar no maravilhoso mundo das coisas perfeitas se os dois não fossem uns insuportáveis picuinhas. Mas eram: não achavam graça nenhuma à situação. E, assim, me vi confrontada com a necessidade de ter que abdicar de um deles. Não foi decisão fácil. Racionalmente não ia lá, aquilo tirava-me o sono. Ainda não conhecia, nessa altura, as análise SWOT que mais tarde tanto viria a usar (S=strenght, W=Weakness, O=Oportunities, T= Trensds) senão talvez tivesse deitado mão a ferramentas deste tipo para ver como desempatar. Portanto, incapaz de tomar uma decisão baseada no pensamento e na lógica, agi levada sobretudo pelo coração.

Nessa altura havia uma esplanada para onde eu costumava ir com o rapaz que se dedicava aos números e que tinha um eloquente andar de desportista. Era um local idílico, muito sossegado, a natureza em pleno coração de Lisboa. No dia em que terminei o namoro com o poeta e que comecei a namorar oficialmente com aquele que tinha tão irremediavelmente cativado o meu coração, foi ali que nos encontrámos.

Nesse dia, ele trazia-me um pequeno tubinho colorido que tinha comprado a uma vendedora de rua. O tubinho continha um líquido e a tampa tinha uma argola. Com aquilo fazia-se bolas de sabão. Era um dia de inverno, estava uma neblina densa e eu estava um bocado triste, tinha rompido um namoro de anos. Soprava bolhas de sabão num ar frio, húmido, branco. Eram bolhas transparentes que se elevavam e rebentavam e eu olhava-as pensando na tristeza que, àquela hora, uma pessoa de quem eu também gostava muito estaria a sentir.

Mas sou emocionalmente muito primária. Chega a ser desconcertante (até para mim própria). Não deve ter durado mais de meia hora essa comiseração. Pouco tempo depois, as bolas de sabão eram balões em festa e eu sabia que estava a confirmar-se ali uma fase fantástica da minha vida.

Esse local é o sítio onde fomos os dois passear neste sábado.

Esplanada do Parque Eduardo VII - a suave beleza de um local de tantas memórias

                                                  alimentamos projectos
                                                  infindáveis
                                                  na rua dos apetecidos

                                                  jovens

                                                  perdoáveis


Estátua no Parque Eduardo VII, perto da esplanada - feminilidade e coquetterie

                                    Recupero os sentidos
                                    uma voz
                                    um sono rastejante
                                    uma mão

                                    Reocupo o lugar
                                    à espera de vez
                                    o desejo sabe a água


O Tejo, a Avenida da Liberdade, o Parque Eduardo VII, avistados do lago
em que se encontra o monumento ao 25 de Abril - Lisboa banhada de azul


                                                  "ouve o que eles dizem", disse
                                                  "prefiro ouvir-te", disse ela


Árvore em equilíbrio (há tantos assim...) no Parque Eduardo VII
De onde se prova que os equilíbrios instáveis têm mais graça e duram, duram

                               
                                    É esta a água que nos move e nos bebe
                                    É esta a água que nos convida a ser

Estátua de Mulher no Jardim perto da esplanada
Graça, liberdade, vistas largas - a mulher em todo o seu vigor e beleza

E, de novo, como anos atrás, passeámos e rimos pelos cantos e recantos, ou à beira do lago onde deslizam, suaves e silenciosos, os cisnes, ou abrigados nos arbustos sobre os quais mulheres alvas e livres, olham ao longe.

O que é a felicidade? Não vale muito a pena teorizar sobre o assunto, nem vale a pena procurá-la nos livros, imaginar que são epifanias permanentes, êxtases inesgotáveis, construções literárias que podem ser habitadas. Não, nada disso (digo eu, claro). A felicidade são pequenos momentos feitos quase de coisa nenhuma, um rasgo de luz desenhando um ângulo perfeito, um cheiro a relva cortada, um sorriso, um olhar, uma mão que pousa no nosso ombro ou o rumor de uma ave que pousa na água, uma palavra de afecto, uma ideia que se partilha, uma lembrança, a ternura que nos acode, a generosidade de um gesto, a largueza de um espaço, a vista sobre um casario, um veleiro que passa, uma música que nos toca, a frescura íntima de uma sombra, um beijo. Coisas assim. Previstas ou imprevistas. Pequenas dádivas, pequenas alegrias. Momentos, não mais que momentos. E isso chega porque é muito.

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A inexplicável beleza das coisas indefinidas


Pas de Deux - Daniel Wurtzel, escultor de ar


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[Todos os poemas deste post pertencem ao belo livro 'A água que nos move' de José Alexandre Caldas Ribeiro da Editora Mariposa Azual (não me enganei, não, não é Azul, é mesmo assim: Azual). E, já agora, por poesia, lembro-vos que se estiverem nesse comprimento de onda, abro hoje a semana dedicada a Mahler e acompanho com um poema de Carlos de Oliveira, belíssimo, claro, que me inspirou um texto um pouco penoso de escrever, devo confessar. É no meu Ginjal e Lisboa, a love affair, já sabem]

E tenham, meus Caros, uma boa semana a começar já por esta segunda feira. Que seja um belo dia para vocês, belo e feliz.
  

8 comentários:

Anónimo disse...

Cara UJM:

Uma boa música , um "pas de deux" , uma lembrança,um pequeno nada .. Que completa definição de felicidade … e que recordações me trouxe esse passeio de sábado pelo parque Eduardo VII. Também eu, no século passado, quando morava numa casa da rua Castilho, vivi nessa mesma esplanada enormes momentos de felicidade…

Leanor pela verdura

rosaamarela disse...

Também eu namorei muito nessa esplanada, foi aí que “decidimos” fazer uma viagem de 15 dias a Itália … o que vi, o que aprendi, o que amei, na Toscania.

baci

Um Jeito Manso disse...

Que engraçado, Leonor pela Verdura, que também tenha passado bons momentos naquela esplanada que é um local lindíssimo. E que sorte a sua ter vivido na R. Castilho. Tanto que eu fui ao Castil. Trabalhava perto e era o meu sítio de passeio à hora de almoço, tantas comprinhas que lá fiz (no século passado, claro!).

Ainda no outro dia coloquei um prato na mesa, hexagonal, branco com bolinhas encarnadas, debruado a dourado, uma peça bonita e lembrei-me que o tinha comprado nos Artesãos. E o meu marido uma vez ofereceu-me um fio giríssimo comprado na Nesga. Conheceu estas lojinhas lá do Castil?

Toda aquela zona é uma maravilha e o Parque tem recantos maravilhosos. Fiquei foi com pena de ver o Pavilhão Carlos Lopes fechado, com ar de fim de festa. Dava um belo museu ali no meio do Parque, não era?

Um abraço, Leonor.

Um Jeito Manso disse...

Olá Rosita,

Também? Que engraçado.

É tão sossegada, tão abrigada, um local tão idilíco, um sítio mesmo bom para namorar. Eu acho que íamos com a ideia de estudarmos mas acho que estudar, nunca lá estudei.

Toscania? Deve ter sido uma viagem de sonho, não Rosita? Na Itália, só de ouvir falar italiano já nos dá vontade de namorar, não é?

Um beijinho, Rosita Amarela!

Tété disse...

Olá, olá!
Sabe que grande parte da minha vida profissional passou-se na Rua Castilho, por isso conheci tudo o que se pode conhecer dos arredores.
Também tenho imensas coisas do Castil. A Nesga não fechou há muito tempo. Também tenho muitas coisas de lá. E os sapatos da Via Veneto? Catitas e de muito boa qualidade. Esta só fechou definitivamente no ano passado. E do Castil Lavores? Até senti desgosto quando vi fechar também aquela loja. Eu conheci e conheço os donos desde pequenina porque também moraram em Campo de Ourique e tinham mais lojas na zona.Que belos tempos. Na volta estivemos muitas vezes juntas a fazer compras.
Beijinho

Um Jeito Manso disse...

Olá Teresa-Teté,

Então não, nos Lavores? De tudo, desde atoalhados até a gravatas de seda para o meu marido a um preço muito bom. Um casal simpatiquíssimo. E os sapatos e as roupas (e os saldos da Loja das Meias?), e a livraria e a Cenoura e outra logo a entrada também para miúdos (não me lembro do nome, só me ocorre Mango mas claro que era outro nome).

E almocei tanto lá. agora até me estou a lembrar que havia em cima um restaurantezito pequenino em que a comida era aquecida no micro ondas.

E do outro lado da rua, a Tralha? E um antiquário pequenino ao lado? Os candeeiros das minhas mesas de cabeceira vieram de lá.

Belo sítio, esse.

Pois, mais certo andámos as duas por lá ao mesmo tempo, veja bem...

Um beijinho!

rosaamarela disse...

Como o "mundo é pequeno" eu trabalhei lá muito perto, e posteriormente tive uma pequena loja no Castil..

bjs

Um Jeito Manso disse...

Rosita,

Não me diga, a sério?

Será possível que, em dados momentos, nos tenhamos cruzados todas, umas com as outras?

Isto, de facto, é mesmo um mundo pequeno!