quinta-feira, outubro 06, 2011

Nem 5 de Outubro, nem Angela Merkel, nem António José Seguro, muito menos Miguel Relvas e, então, sobre um possível segundo plano de resgate nem pensar - hoje vou falar de ortodoxias e da minha prima


Festejou-se o 5 de Outubro mas confesso que nem dei por ele. Também não devo ter perdido grande coisa. Cavaco Silva deve ter feito mais um daqueles discursos que não aquecem nem arrefecem, na assistência devem ter estado os do costume, agora com o Tozé Seguro no meio dos importantes, com aquele seu ar de menino velho muito compenetrado para não fazer má figura e para parecer tão importante como os outros importantes.

Um maçador este Tozé, armado em grande estadista, que seca.

E nem deve ter faltado o supra-sumo da importância nacional, o ilustre Miguel Relvas.


>>>>>>  Se perdi alguma coisa de jeito, os meus amigos importam-se de me avisar?

Tive, pois, um dia preenchido, dia de verão fora de tempo, um calor abrasador. Manhã de caminhada à beira da praia, de tarde casa cheia, uma azáfama que só visto, e só à noite me sentei aqui, para o meu turno da noite, sem grande paciência para notícias, debates.


Liguei a televisão e vi uma grande festa em torno de afirmações de Angela Merkel mas depois vi essas afirmações e afinal tudo não passou de uma frase anémica.

Angela - nem ela percebe tanto alarido por ter dito uma banalidade:
'que até Portugal está a recuperar a confiança dos mercados'

Depois parece que se iniciou um jogo de apostas a ver se vai ser preciso ou não novo plano de resgate, uns a dizerem que sim, outros a dizerem que não vêem porquê. Entretenham-se.

Estou cansada de política (tanta incerteza), da economia (tão débil), das finanças (tão exauridas). Estou numa fase em que tanta crise já me cansa.

Apetece-me distrair-me deste presente pesado que nos puxa para baixo.

Por isso, enquanto não começa o 5 para a Meia Noite estou com um magazine sobre cinema e vou laboriosamente cumprindo as minhas tarefas diárias. Já está uma fotografia nova no Street Photo, uma muito carinhos, já há Blues a sério na Música no Ginjal, já está um poema, hoje da Sophia, mais uma fotografia minha que tenta ilustrar o poema, um pequeno texto meu inspirado no poema, também no Ginjal, já fiz uma pequena ronda pelos casas da vizinhança, e agora, já passando da meia-noite, chego aqui a este meu último reduto.

Estou aqui a pensar sobre o que hei-de falar e, estando a lembrar-me de uma senhora que hoje vi e que fotografei, está a ocorrer-me falar de ortodoxias.

Hoje, esta fantástica senhora nada ortodoxa - adorei

Nas empresas uma das coisas que mais se tem que combater são as chamadas ortodoxias.

É aquilo que toda a gente segue sem questionar porquê, admitindo que é assim porque é assim e ponto final. Descobri-las é o cabo dos trabalhos porque são coisas tão interiorizadas que, às tantas, nem se dá por elas. Dou com coisas destas a torto e a direito e, quando se pensa que já se desmontou ou analisou tudo o que havia para analisar, somos surpreendidos com mais um monte delas.

É a fotocópia que se tira para mandar para não sei quem e vamos ver, quem recebe, arquiva e não sabe para quê; é a pasta do correio que se deixa num determinado sítio e quando se pergunta porquê, toda a gente reconhece que não dá jeito nenhum mas que sempre foi ali; é o fornecedor a quem se compra porque não há mais nenhum e vai-se ver e isso era há 10 anos e agora há mais 1.000. Acontece permanentemente.

Mas não é só nas empresas. É por todo o lado.

Uma teia de preceitos, preconceitos, suposições, medos, regras, que nos envolve de forma tão interiorizada que nem damos por isso. Mas não nos enganemos, estamos envoltos em ortodoxias.

Vivemos com medos, com medo do que os amigos pensem, com medo do que os vizinhos digam, com vergonha do que a família possa censurar. Provavelemente eles não estão nem aí para isso ou, se estiverem, problema o deles. Mas, quantas vezes, nos inibimos de vestir o que nos apetece, de apanhar o cabelo como nos apetece, de sair com quem nos apetece, de chegar a casa com quem nos apetece?

Escondemo-nos dos outros, escondemo-nos de nós.


E se há pessoas que conseguem mais facilmente identificá-las, avaliá-las e, se for caso disso, libertar-se delas, outras há, talvez as mais conservadoras ou acomodadas que, sem se darem conta, vivem em função das ortodoxias.

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Tenho uma prima que sempre teve uma mente livre. Foi estudar para longe de casa, por aí ficou a trabalhar e a viver. Namorou, desnamorou, arranjou um trabalho, mudou de trabalho, arranjou poiso, mudou de poiso, tudo como quis, sem dar explicações a ninguém. À distância os meus tios iam-se preocupando mas, como era à distância, a preocupação deles não a preocupava a ela.

Uma vez souberam que namorava com um rapaz com uma boa profissão, de boas famílias e a minha tia dizia-me ‘tomara que assente, que fique por aqui, com a despreocupação dela, nem dá por que o tempo vai passando e que qualquer dia já é tarde para pensar em filhos’. E parecia que sim que ia tudo dar certo. Ia passar férias a casa dele, iam de férias juntos, um rapaz muito simpático, dizia a minha tia. Durou ainda uns anos, este namoro, e a minha tia dizia, ‘não se percebe porque é que não se casam, já estão nos trintas, fazem vida de casados’

Até que um dia se soube que tinham terminado. Mas ela na boa. Profissionalmente sempre muito bem, comprou uma casa muito boa, vivia sozinha, ia de férias com amigos, sempre feliz e contente. E os meus tios desiludidos, ‘com esta idade e não consegue acertar-se e parece que continua sem pressa nenhuma’. A minha avó também, ‘gostava de ainda ver bisnetos do lado daquela neta’ e, ‘afinal porque é que ela acabou com o outro, alguém percebeu?’. Mas ninguém percebia (e ela, sem querer saber destas dúvidas para nada, também não se deu ao trabalho de esclarecer).

Algum tempo depois, novo motivo de preocupação, a minha tia apreensiva ‘parece que agora namora com um divorciado, muito mais velho que ela, já com quarenta e tais’, preocupação, preocupação. E recomendavam uns aos outros, ´É melhor nem dizer à avó que isto qualquer dia acaba e escusa de se estar a preocupar' e a minha tia a ficar mesmo preocupada, 'Agora uma coisa destas, aquela rapariga não tem juízo, mas o que é que ela pensa fazer da vida dela?’.

Escusado será dizer que gosto imenso desta minha prima e que, ao longo de toda esta saga, sempre disse que não via qualquer motivo de preocupação, que a sabíamos feliz e realizada e que isso era a única coisa importante. Quanto ao resto, não conseguia nem pronunciar-me pois ela, tal como todas as pessoas, deveria era viver a vida da melhor forma.

Mas a maior novidade estava ainda para vir. Um dia, num fim de semana, a minha mãe chegou-se ao pé de mim com cara de caso: ‘a tua prima está grávida’. ‘E então? Qual o drama?’. A minha mãe, como se eu não estivesse a ver a real dimensão do problema: ‘Então?! É do tal divorciado, daquel mais velho que ela. E não estão casados e parece que nem tencionam casar. E agora, já viste?, como é que se diz uma coisa destas à tua avó?’.


Esclareci, ‘Mas não se vão casar porque se separaram entretanto ou simplesmente porque não se querem casar?’ E a minha mãe, ‘parece que ele quer, ela é que não, diz que gosta de ter a independência dela, só visto...; e agora os teus tios nem sabem como hão-de dizer à avó, estão a pensar dizer primeiro que eles estão a pensar casar-se e, algum tempo depois, contam-lhe que aconteceu um percalço e que ela vai casar grávida, qualquer coisa assim’.

Transmiti que estava contente com um novo bebé na família, que não via mal nenhum nas opções dela, que até me parecia uma opção interessante e que achava que deveriam deixar-se de pruridos e contar, tout court, à minha avó da gravidez dela e que, aliás, até achava que devia ser ela a fazer esse anúncio e ponto final. Tanta conversa e tanta ralação por uma coisa que devia ser apenas um motivo de alegria.

Todos estes medos e preocupações com a minha avó, com o resto da família, com amigos e vizinhos se restringiam aos meus tios, aos meus pais. A minha prima nem aí e o irmão, meu primo, idem.

Depois dos meus tios trocarem muitas impressões com os meus pais e sopesarem bem se deveriam ir eles preparando o terreno junto da minha avó e qual a abordagem mais soft, resolveram partilhar a preocupação com a minha prima. Como seria de esperar, ela transmitiu-lhes que se deixassem disso que ela vinha cá e falava com a avó.

Assim fez. Os meus tios nervosos, à espera da temível reacção. Ela na boa, ‘avó, tenho uma novidade, estou grávida’ ; e a minha avó, ‘ah sim? olha que bom... que já não era sem tempo’.

Tanto medo, tanta preocupação, para nada.

E nasceu o bebé, lindo. Já está um menininho giríssimo, na escola, todo inteligente e bem disposto. E a minha prima continua a viver na casa dela, ele na casa dele, todos os dias depois do trabalho se juntam na casa de um ou de outro, jantam juntos, e à noite cada um dorme na sua casa. De vez em quando pernoitam na casa um do outro, ao fim de semana estão juntos, nas férias vão juntos. Sempre que os vejo, continuam felizes como namorados. Continua a perceber-se que ele é mais velho mas isso ainda faz com que seja um casal mais charmoso, ela toda moderna e gira, ele muito alto, magro e grisalho.

Para esta minha prima não existem ortodoxias, vive livre e feliz. E os meus tios, que se estavam a deixar enredar na mais banal das ortodoxias, constaram que afinal andaram a preocupar-se à toa.

A partir daí toda a família se deixou de parvoíces e toda a gente já refere com à vontade a escolha de vida da minha prima. Já não há nada a esconder.

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Moral da história? A do costume. Respeitando os sentimentos dos outros, cuidando para que não se faça mal a ninguém, analisando se não se está a fazer coisas que comprometam o futuro, vivamos de acordo com a nossa consciência e paremos de nos preocupar com a consciência dos outros.


É absurdo andarmos tolhidos e privarmo-nos do que gostamos ou gostariamos com receio da opinião dos outros. Sabemos lá nós qual a opinião dos outros. E mesmo que não concordem connosco... e depois?

Num curso daqueles comportamentais, o psicólogo que o ministrava ensinou-nos uma coisa que passei a ter presente especialmente quando estou com medo de qualquer coisa: ‘O que é o pior que pode acontecer?’ E postas assim as coisas, geralmente que o pior que pode acontecer é uma treta que não assusta ninguém ou então é qualquer coisa para a qual facilmente se arranja uma solução.


Resumindo: Abaixo as ortodoxias! Abaixo os medos! Sejamos felizes e o resto que se dane.

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PS: O post saíu enorme, não foi...? Isto é uma coisa... Começo a escrever e perco a noção, vou escrevendo como se estivesse aqui a conversar consigo. Dei-lhe uma seca, não...? Sorry...Vou ver se me modero mais. Prometo que vou tentar, está bem?

Mas, olhe, já agora, desça mais um bocadinho para ir comigo até ao Ginjal, vamos espreitar 4 monstros.

4 comentários:

Tété disse...

Maria,
Adorei a estória "real".
Sei bem o que é "o que dirão os outros?", "o que é que vão pensar?".
E pior ainda, como a sua avó, o que é esconder de uma mãe e avó, que entretanto partiu, tudo aquilo que se acha que vai complicar a sua vivência e saúde.
Creio que os mais antigos, e não é porque nestes casos fosse muito diferente do que é hoje, tinham o preconceito de esconder as realidades que fugissem do padrão considerado "normal". Mas afinal, o que é normal para uns, não é para outros e como diz, deixemos cada um viver a sua vida como lhe der jeito desde que não sirva para prejudicar alguém.
Um beijinho

-pirata-vermelho- disse...

Tem graça, o seu 'comentário político' e tem importância que constate que está cansada de tanta converseta - é essa a ideia, cansar as pessoas, depois de as ter embecilizado com bikinis e futbóis, caras lindas e carcanhóis; tudo visto de longe... claro! pois de perto é muito caro.

(Também gosto de ver as suas fotografias-com-legenda no Ginjal)

Um Jeito Manso disse...

Olá, Teresa-Teté,

Tem toda a razão, é isso mesmo. Tanta gente a viver em função do receio do que os outros pensam, ou tanta a gente a criticar os outros que não fazem outra coisa senão viver a sua própria vida.

Haja tolerância para com as diferentes opções de vida e haja coragem para se fazer o que se quer.

Um beijinho também para si.

Um Jeito Manso disse...

Olá Pirata,

Você fala como se houvesse uma maquinação para entreter a populaça, para a seguir lhe aplicar golpes profundos.

Não creio.

Não vejo na maioria dos actuais intervenientes capacidade para isso.


PS: Obrigada pelas minhas fotografias também no Ginjal. Fotografar, para mim, é das coisas que me dá mais prazer - não fotografias encenadas mas absolutos instantâneos, sem que as pessoas se apercebam que estão a ser fotografadas para que não percam a sua atitude normal. Mas o fazer isso, de forma instantânea, enquadrar, focar, tudo numa fracção de segundo e tentando não ser detectada, é um risco e um enorme desafio o que, para mim, é um duplo incentivo.

Tem é um ponto negativo - é o tempo que me consome. Passar para o computador, ver, escolher, reduzir a quallidade para que nãp sobrecarregue os blogues são trabalhos que me ocupam imenso. E, claro, organizar as milhares de fotografias, nem pensar...