sexta-feira, janeiro 31, 2020

Acidente de automóvel com assistência instantânea e completa


E, no seguimento do carro na biblioteca, mais um vídeo que o mesmo Leitor de há bocado me enviou. Este, já verifiquei, dá para ver directamente no blog. E, de novo, tem a ver com carros. Com carros e com tudo o que são novas tecnologias. E estas eu acho que são das boas. Se um carro que ande sozinho me faz um bocado de confusão (e dizer um bocado é favor pois, na verdade, nem um ensaio eu quero fazer -- livra!), já isto de o carro estar sensorizado, a enviar sinais para um computador que saiba interpretar se está ou não tudo bem e, se não estiver, se encarregue de tratar de tudo, me parece uma boa ideia.

Ao ver a situação do vídeo abaixo lembrei-me do que me aconteceu há ano e picos, num período algo atribulado da minha vida em que parecia que tudo o que acontecia tinha o condão de me incomodar -- desde um convite irrecusável que ousei recusar até à pressão que sofri para o aceitar (e que me levou a tomar a atitude óbvia, a mais drástica possível, e que, para minha surpresa, pôs fim ao assunto), passando por dois acidentes idênticos na mesma semana, em locais próximos. Tudo me acontecia, de seguida. Parecia que tinha sido envolvida por um bando de nuvens negras. Uma malapata. Em ambos os acidentes, eu sossegada, parada no meio do trânsito, e um carro, atrás, a arrancar a toda a força contra mim. Em ambos os casos, o carro a ter que ir para a oficina, com a particularidade de que um deles era o de substituição. Felizmente nada me aconteceu mas, no segundo acidente, o condutor que o causou não apenas partiu os óculos como, acho, também o nariz. E, das duas vezes, aconteceu-me aquilo a que tantas vezes assisto: ficámos, ali no meio, a empatar o trânsito do fim da tarde. No primeiro caso, o assumido culpado era um jovem, despachado, a coisa resolveu-se rapidamente mas, na segunda, que envolveu três veículos pois, com o forte impacto, saltei e fui bater no da frente, a coisa foi mais complicada. O causador estava nervoso, não encontrava os papéis da declaração amigável, eu também não. Como era sexta-feira ao fim do dia, pensei que o melhor, em vez de esperar pelo reboque e bagunçar ainda mais o trânsito, era ir a conduzir o carro até a casa, no estado em que estava, espatifado à frente e atrás, com partes a menos e outras penduradas. Uma cena. 

Dessa segunda vez, estava a falar com a minha mãe (via bluetooth do carro!) quando aconteceu o pum!, e eu: 'Ai, não acredito, bateram-me outra vez' e ela, assustada: 'Bateram-te? Mas estás bem? O que foi? O que aconteceu?' E eu: 'Mãe, está tudo bem mas tenho que desligar para ver como está o carro e para tratar das coisas'. Passado um bocado, estava eu a tomar nota dos dados dos outros, toca-me o telemóvel. Era a minha filha: 'Ligou-me a avó, toda assustada, diz que te bateram...' E eu: 'Está tudo bem, agora não dá para falar'. Entretanto, já tinha ligado ao meu marido: 'Olha, bateram-me outra vez, e igual, eu parada, e pimba, por trás'. E ele, depois de um silêncio: 'Não é possível'. Pois não, não é. Mas foi.

Ora se, em vez de tudo, me têm ligado imediatamente do seguro e tratado de tudo, que descanso teria sido. E que graça teria tido.


Mais silencioso que uns saltos altos numa biblioteca


Nada como uma mulher decidida, irreverente e com sentido de humor. Pelo contrário, nada pior que um homem apertadinho, ensimesmado e picuinhas.

Quanto a veículos a hidrogénio nunca conduzi. Nem sequer os eléctricos mais comuns. Amigos que têm essa experiência dizem-me que é um silêncio, uma macieza, uma coisa mesmo boa. Insistem que tenho que experimentar. Mas eu não me deixo convencer. Só o facto de serem automáticos já faz com que me desinteresse. Preciso de mudancinhas. E se gostava de ser eco, largar o gasóleo. Mas, a mim, essa de ter que adaptar a vida aos locais onde há carregadores não me convence. Um dia que se possa pegar numa bateria para a carregar em casa (como dantes se tirava o rádio do carro e se levava para casa para evitar que partissem o vidro para a roubar) aí talvez me convençam. No caso do hidrogénio já não há o problema de levar imenso tempo a carregar, acho que em cinco minutos está feito. Acredito que um dia que haja onde abastecer hidrogénio, certamente me bandearei para aí. 

Mas isto das minhas opções automobilísticas agora não interessa para nada. O que interessa é que Leitor a quem muito agradeço me enviou um vídeo que é uma graça. Gosto de anúncios com mulheres poderosas que dão baile a homens apertadinhos.

Bora lá. Mas terão que carregar onde diz para ver no YouTube porque, pelos vistos, não dá para ver aqui.


quinta-feira, janeiro 30, 2020

E para a devolução da Joacine e das obras de arte não vai nada, nada, nada? Nada.
E para o Abel que gosta de nazis e que chama agiota de judeus ao Aristides também não vai nada, nada, nada? Nada.
E para as notícias todas que para aí andam também não vai nada, nada, nada? Nada.

Eu hoje é mais Rosalia, juro que. E Tim Bernardes, recomeçar.
E Espanca pela voz de Marília



Ouço as notícias e, frequentemente, acho que é espuma e/ou treta. Repetem-se uns aos outros, vão atrás da conversa uns dos outros. Não param para pensar. Não acrescentam, não esclarecem, não raciocinam, não estimulam o pensamento de quem os ouve.

Ainda por cima, os jornalistas portugueses têm agora uma mania que detesto: para que a notícia chame a atenção, histrionizam a locução. Parece que estão a fazer grandes revelações, parece que há drama no ar. Outras vezes há suspense na voz, parece que nem a gente imagina o que está para aí vir. Só falta acabarem a notícia com um cúmplice: 'Se é que me estão a entender...'. Outras vezes fazem cara de e voz de maus e há censura e repreensão por detrás do que estão a noticiar, só falta acabarem a notícia a cuspir para o chão.  

Tenho ideia que tudo começou com o José Rodrigues dos Santos. Empolgava-se todo. Gostou de se ver, os outros acharam que toda a gente gostava de o ver. Passaram em ensaiar ao espelho até ficarem parecidos com ele. Virou moda.


E vão carregando na dose. Ele mesmo vai evoluindo no sentido da total teatralização. Volta e meia está de pé, agitado, aponta para o ecrã onde tudo se passa, abre as mãos, faz pausas logo seguidas de empolamentos, e a gente teme que venha aí um míssil, que a guerra desta vez seja ali, em cima da cabeça dele. No fim, remata com um piscar de olho como que a dizer: 'Lá vos enganei outra vez, seus totós. Certo...?'   

Virou um estilo. De uma forma ou de outra, todos querem seguir-lhes as pisadas. A Cristina Esteves, por exemplo, está quase lá. Só lhe falta que em vez de lhe tremelicar a beicinha, lhe pisque a vista.

Na TSF é o mesmo. De cada vez que é hora certa ou meia hora, em vez de sair um cuco, sai uma voz ansiosa, aflita, anunciando grande bernarda.

Cansa-me isso.

O excesso de emoção e, ainda por cima, emoção a despropósito, cansa-me. As notícias querem-se rigorosas, neutras, fundamentadas, ditas sem estados de alma. Nada de fogo de artifício, nada de cheerleaders a anunciar a gripe das galinhas, das cobras, dos morcegos, e a Joacine e o André Ventura e se a mandamos de volta e se isso é por ela não ser loura ou por gaguejar ou por ser diva, e o Livre e as obras de arte de volta para a terra delas e mais uma chusma de comentadores e, pelo meio, a futura candidata a presidente-justiceira, gémea separada à nascença da amiga Júlia, a espumar ajustes de contas pelas ventas seja contra submarinos, lavandarias & orelhas, Isabéis e família, e, uma vez mais, mil comentadores, mil papagaiadas, mil estalinhos de carnaval, e mais a Joana Amaral Dias e mais meia dúzia de senhoras a manifestarem-se à porta não sei de onde a quererem canonizar o Rui Pinto, esse grande herói...  e patati-patatá, patati-patatá.


Portanto, embora esteja aqui com mais uma atravessada para dizer (e que tem a ver com as razões que me levam a pensar que é bom para o Rui Pinto, esse grande artista dos discos piratas, que se mantenha preso), fecho a porta das minhas ideias, corro as cortinas, e, ansiando por estar na boa e esquecer a onda de resíduos com que a comunicação social tenta submergir-nos, desloco-me até ao cantinho das novidades e das antiguidades e ponho-me a ouvir música. Ao menos isso. A música é uma coisa boa. A pintura também. E a fotografia. E a poesia. A arte em geral. Faz bem, lava-nos as células, deixa-nos limpinhos e prontos para só gostar de coisas boas.


Que entrem, pois, a Rosalia e o Tim Bernardes que Laurence Kubski já entrou trazendo as suas fotografias.






E as palavras ditas. Gosto de ouvir palavras ditas, em especial quanto bem ditas.
Benditas palavras.



Chego ao fim e tenho consciência que nada disto tem muita coesão entre si mas é assim a vida, cheia de desencontros, de encontros inexplicáveis, de acasos, de traços de luz que vêm de longe para se cruzar para logo se desencontrarem. Música, palavras, imagens, coisas que aparecem porque sim, instantes bons, hiatos, coisas de nada.

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quarta-feira, janeiro 29, 2020

Rui Pinto, a PLMJ, a VdA, a Sonangol, a Isabel dos Santos, as Luanda Leaks, os hackers, os heróis, etc.





Às vezes não há duas sem três. E hoje é dia. Já me deleitei com a graça e com a criatividade da Billie e do Jacob e já falei do Chicão fofinho a ser praxado pelo Miguel Sousa Tavares. E agora vou para a terceira.

No fundo, se me deitasse no divã, quase aposto que o psi descobria que escrever os dois primeiros foi só para empatar a ver se já não chegava aqui. 

E é. A empatar. Porque não sei como dizer. O senso comum aconselha-me a estar sossegada. Até porque, quanto mais não seja, eu é mais bolos. E, quando não é bolos, é rêverie, conversa deitada fora. E, do que não quero falar, nada sei; e não gosto de falar do que nada sei. Intuo. Mas a intuição é daquelas: quer, porque quer, dizer das suas. Há quem diga que é um shortcut que a inteligência usa para chegar lá antes mas há também quem diga que é coisa topológica, bola aberta, coisa intangível, deitação de búzios. 

Mas, enfim, vamos lá. De resto, nada de novo. De umas coisas um recap, de outras meras conjecturas.


Começando pelas conjecturas.
E se isto de ter sido o Rui Pinto a desencadear o Luanda Leaks fosse mera estratégia da defesa para safá-lo, para o apresentar não como um mero hacker mas como um whistleblower? Qual seria o risco disso? 
Vejamos. Um hacker não deixa pistas ou, se as deixa, é para gozar, sabendo que vai chatear o hackeado e que, se tiver juízo, jamais o apanharão. Ou para sacar um resgate. Ou seja, pode ser desporto ou pode ser negócio. Em qualquer dos casos, é actividade de risco. Um hacker não se denuncia. Quando se denuncia, denuncia a sua persona de hacker, não a de cidadão. 

Por isso, não há como provar se foi ele ou se não foi. Se não foi, qual o risco de que se descubra a mentira? Nenhuma. A menos que o verdadeiro hacker (ou hackers) apareça a auto-recriminar-se. Mas isso não acontecerá. O trabalho feito foi obra de pros. E hackers pros fazem da sua actividade um negócio e esse é um negócio que assenta no absoluto anonimato, no sigilo à prova de bala.
  • Portanto, primeira hipótese: não foi o Rui Pinto a hackear (pelo menos sozinho) tudo o que está na base do Luanda leaks. Foram outros, contratados.
  • Segunda hipótese: um rapaz que se dedica a piratear redes informáticas do futebol e que anda atrás de 'podres' para se divertir, para tentar sacar umas massas e para chatear malta com que embirra, não é o tipo de rapaz que sabe exactamente em que redes entrar para denunciar a corrupção em Angola. Portanto, se foi ele, deve ter sido encaminhado. Ou seja, contratado. 
Questão de fundo: quem contratou? 


E agora o recap: quem pirateia uma rede informática de uma empresa não se dedica a uma escolha selectiva, não é pesca à linha -- faz, isso sim,  pesca de arrasto. É mais rápido, mais eficaz. Tudo o que vem à rede é peixe. Se não interessa hoje, interessa amanhã. E pode simplesmente copiar tudo o que está nos computadores das empresas ou pode tentar a sorte e encriptar o que encontra e pedir resgate. Para ganhar uns trocos. E, claro, meanwhile, para um just in case, copia tudo. 
Portanto, se dizem a um hacker: ela trabalhava com os VdA, com a PLMJ, e apanha também tudo o que ela fez na Sonangol e aqui, ali e acolá, é aí que o ou os hackers vão entrar. E não será por acaso que se diz que a Sonangol foi pirateada, que a VdA foi pirateada, que a PLMJ foi pirateada. E, com certeza, mais terão sido. Digo eu. 
E, se as empresas souberam que foram pirateadas, é porque o pirata se manifestou. Ora a forma habitual de um hacker se manifestar é pedir resgate. Se foi Rui Pinto, pediu resgate? E, se o fez, continua a poder ser visto como um whistleblower ou será, antes, um pirata que vende o fruto do seu roubo e, de caminho, ainda pede dinheiro aos assaltados?
E tudo o que estava nos servidores foi, certamente, apanhado. Dos escritórios de advogados certamente os processos de tutti quanti foram apanhados. Do que tinha a ver com Luanda e com meio mundo. Meio mundo.
Admito que terão participado à CNPD e certamente terão informado todos os seus clientes, fornecedores, empregados, etc. RGPD oblige.  E foi, certo? 
Mas não sei se toda a gente terá percebido o significado disto. Será que perceberam que todas as optimizações fiscais, algumas certamente bastante criativas, estão disponíveis e nas mãos de quem pode fazer mau uso delas? Será que já perceberam que todas as movimentações societárias, pagamentos, parqueamentos, encontros de contas e etc, estão onde não seria suposto que estivessem? E isto já para não falar de casos de outras naturezas.
Mas reparem: saber, não sei de nada, tudo isto são meras dúvidas.


E finalmente, volto ao que já abordei acima: pode um hacker ser visto como um herói como a Ana Gomes e outros parecem pretender? A questão não é linear e não é este o local ou esta a hora para dissertações inteligentes, mas a minha opinião é que nem pensar

Um hacker é alguém que viola um espaço, que rouba o que encontra. É a mesma coisa que alguém entrar em sua casa, Caro Leitor, roubar o que lhe apetecer e depois vender ou ficar com o que lhe der jeito. E isto já para não falar nos que ainda pedem dinheiro para que os donos possam voltar a usar a  sua própria casa. Claro que, no meio do que encontrar, pode encontrar extractos bancários que levantem suspeitas e que se forem afixados no átrio do prédio ou na parede da sua casa irão certamente dar muito que falar. Mas e daí? Pode admitir-se que alguém arrombe portas, roube coisas, viole a privacidade dos donos?

No dia em que formos permissivos e estúpidos a esse ponto, acaba-se o Estado de Direito.

Quanto ao Luanda Leaks volto à minha: independentemente do mérito da investigação judicial que possa vir a ser feita e das culpas no cartório que venha a provar-se que os envolvidos possam ter, aquilo de que se tem vindo a falar é apenas um cagagésimo da história, de uma história que tem muitas faces e muitos reversos e onde muita gente se esconde atrás de espelhos.

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As mulheres ao espelho foram pintadas, respectivamente, por Korobkin Anatoly, Mose Bianchi, Ferdinand von Lütgendorff-Leinburg, Jean-Étienne Liotard e Gerard ter Borch e vêm ao som de Walking in the air interpretada pela Aurora.

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E queiram continuar a descer para visitar o Chicão e, a seguir, a Billie e o Jacob -- ou, então, não.

E uma bela quarta-feira para si que está aí desse lado.

Miguel Sousa Tavares praxou o Chicão


Vi a entrevista na segunda à noite, aos bochechos, enquanto acordava e adormecia: na TVI, no noticiário, o Miguel Sousa Tavares praxava o jovem Chicão. Fazendo cara de mau, o Miguel fez uma entrada a pés juntos. O rapazito esgueirou-se, tentou ripostar, tentou a lisonja, mostrou a inocência dos inexperientes. Face a isso, o Miguel, certamente pensando que o jovem é mais novo que os seus filhos, apiedou-se, quase sorriu com as gracinhas do puto, refreou o killing instinct.

O rapazito, com um bonito olhito azul (aliás, com dois), lá se foi desculpando entrevista afora. Às tantas, não querendo mostrar muito mais o seu coração mole, o Miguel tentou armar-se em mau: 'As listas são só de homens. Não gosta de mulheres?'. Truque fácil: sabe que todos os adolescentes temem que questionem a sua sexualidade, ainda por cima em público. O Chicão vacilou mas foi coisa de um breve instante. Assumiu a culpa: trabalho feito à pressa, não tinha tido tempo. O aluno impreparado a espalhar-se na prova oral, o velho professor a passar rasteiras a toda a hora. E nem percebeu, coitado do rapaz, que não foi preciso muito. Para verdinhos, todo o salpico na estrada é casca de banana.

No fim, quando a entrevista acabou, poor boy, quase se sobressaltou, nem estava à espera, já tinha interiorizado que ia sair dali com as tripas de fora. Intimamente deve ter pensado: 'Uffff, sobrevivi...'. Aposto que, a seguir, ligou aos pais e à namorada a perguntar como o tinham achado, se achavam que tinha passado. 

in Flash
E, no rescaldo do grande momento, o que tenho a dizer é que o puto Chicão ainda não está pronto para o mundo dos crescidos. Fiquei também com a ideia que, em pequeno, deve ter calhado meter-se na Jota dos Betos e, por isso, formatou-se para ser de direita. Mas fiquei com a ideia que, no fundo, aquilo ali ainda está em formação e, bem trabalhadinho, guinava à esquerda que era uma pinta. Aliás, ficava bem era ao pé dos gatos do PCP.

Mas uma coisa é certa: talvez por ser bonito (ou melhor, enquanto é bonito), talvez por ter carisma (ou, pelo menos, a graça dos infantes), talvez por parecer que pode dar para vários lados (calma, ó Chicão, refiro-me aos lados políticos), a gente fica com vontade de ver para onde é que aquilo vai evoluir.

Só espero é que aquela que tem pinta de bruxa-má não dê cabo dele para continuarmos a vê-lo com o dentinho encavalitado todo sorridente. Tirando isso, é ver como se esquiva à corte que o láparo, esse inteligente, começou a fazer-lhe. E, por ora, mais nada.

Billie e Jacob:
uma menina e um menino muito talentosos que mostram que sentem verdadeiro prazer em fazer o que fazem


Não incluí no título o irmão de Billie, Finneas, que também a acompanha no prazer de compor e estar em palco. Contudo, como parece ser introvertido, deixa o palco para a irmã e, se calhar, não se importa que seja ela a receber a maior parte dos aplausos. 

Mas não é só a composição e a interpretação e a alegria que se lhes percebe: é também a mistura, os arranjos, tudo. E os vídeos. Usam tudo o que têm ao dispor para se entregar ao público e fazem-no de uma forma que irradia modernidade -- e digo modernidade por não me ocorrer outra palavra mas o que quero dizer é que dá ideia que ousam, experimentam, e tudo parece ser uma porta aberta para o que virá a seguir. No caso de Billie é ainda o uso que faz do corpo, com as roupas, o cabelo, as unhas, tudo: uma graça, uma aventura, um encanto, uma diversão.

O futuro, se olhado através do que fazem, parece ser um lugar festivo, um lugar que se presta à criatividade e ao prazer de existir. 

Gosto imenso de ver jovens assim: activos, construtivos, ousados.

Billie acabou de fazer 18 anos. Finneas tem 22. Jacob tem 25 anos. E existem para proporcionar bons momentos aos que se dispuserem a isso. Abençoadas criaturas.

Todos eles receberam foram contemplados nos Grammy Awards deste ano da graça de 2020.





Até já

terça-feira, janeiro 28, 2020

Um sonho que me fez acordar a rir





A minha profissional é tão longa que daria para dividi-la por disnastias. Um dia que escreva as minhas memórias falarei de muita gente conhecida e direi de minha justiça: qual a dinastia mais simpática, qual a mais competente, e qual o maior escroque ever and ever, quais os mais inteligentes, quais os mais burros, quais os provavelmente mais permeáveis, etc. Mas estabelecerei também uma divisão em períodos divertidos, épicos, gloriosos, decadentes, sem graça.

Mas isso é coisa para depois, para quando for livre. Agora tenho que estar caladinha como um rato. E só espero que, no au revoir, não me façam assinar nenhum NDA -- senão bye bye mémoires

Mas, enquanto tenho que estar caladinha, posso relembrar outra vez o período épico, o meu preferido, em que tudo parecia possível. Os directores eram quase todos da mesma idade, todos homens, excepto eu que não apenas era a única mulher como era um bom par de anos mais nova. Sem problema. Éramos todos amigos e divertíamo-nos como se não houvesse amanhã. Não me lembro de outro período em que a qualidade da gestão fosse superior. Mas isto para dizer que todos gozavam uns com os outros, a ironia era praticada em larga escala, a paródia era permanente, e não havia nada que se dissesse que não fosse virada do avesso e transformada numa anedota. E as decisões de gestão eram tomadas de forma desdramatizada, sem peso, sem conversa fiada à mistura. Ninguém queria parecer um executivo. Queríamos, simplesmente, estar na boa e fazer o melhor que soubéssemos. Andávamos motivados e todas as nossas equipas também.

Os tempos mudaram, o ambiente também. 

Agora os tempos estão para gente muito focada, muito politicamente correcta. Ninguém parte um prato. Civilizados desde o berço, todos foram amamentados a chá. Pode mudar-se completamente de look que toda a gente faz que não repara. Ou não repara mesmo. Pode alguém ter comportamentos estranhos que ninguém está nem aí. Eu também já estou assim. Por fora deixei-me contagiar mas por uma simples razão: não tenho parceiros para a maluquice. Por vezes tenho vontade de fazer ou dizer uma coisa completamente disparatada a ver se alguém reage. Volta e meia já praticamente o faço mas parece-me ver algum susto no semblante dos outros; então, apiedo-me e resolvo poupá-los. Provavelmente pensam que me passei e querem disfarçar para eu não reparar que o pensam. Somos assim, gente que sabe controlar as suas emoções e refrear os pensamentos -- comme il fault.



E este é um dos substractos para o que vou contar a seguir.

O outro substracto é aquela que já aqui contei, de um ex-colega se ter reformado antecipadamente, levando uma talhada das valentes na pensão de reforma mas isto porque a seguir foi trabalhar para outro lado.

Tudo isto fermentou na minha cabeça e a noite passada, pela madrugada avançada, a coisa aconteceu.

Mas tenho ainda que contar que, no domingo, tendo dormido uma sesta durante a tarde, ao ir para a cama à noite fui sem sono. Ora isso, para mim, é o fim da picada. Espertina. Mas das feias. Pus-me de lado, fiz a conchinha em convexo, depois em côncavo, deitei-me de costas, de bruços -- nada. Pensei nisto, naquilo e no outro. Até que, no meio desta insónia, me deu para contar o tempo que falta para poder reformar-me ainda que com penalização. Tipo contar carneirinhos. Depois multiplicava por uma percentagem mas, como não sabia qual era, fazia vários cenários. Perto das cinco, furiosa com a porcaria da espertina, levantei-me e vim para a sala. O meu marido espantado. Mas vim. Pus-me a ler. Nada de sono. Até que finalmente bocejei. Achei que era um sinal e desliguei a luz. Entretanto, ouvi o despertador do meu marido. E penso que aí, finalmente, adormeci. Quando o meu despertador tocou, estava ferrada no sono e a sonhar. Raramente me lembro dos sonhos mas este ainda estava quentinho e eu no primeiro sono; por isso, lembrei-me de tudo. E estava a rir. 

Conto o sonho.

Tinha chegado junto do meu chefe e tinha-lhe dito: 'Estou grávida'. 

     Ele a olhar para mim, ar estupefacto. 

E eu: 'Como sabe, acima dos 35 é gravidez de risco'. 

     Ele sem reacção, calado a olhar para mim. 

E eu: 'Agora imagine o risco acima dos 40'. 

      Ele quase a levantar as sobrancelhas, de espanto, mas a controlar-se. 

E eu: 'Portanto, o médico quer que eu fique em casa. Para a gravidez vingar, está a ver...? Acresce que a baixa de parto agora é de 1 ano'. 

      Ele a dar mostras de preocupação. 

E eu: 'Medidas para estimular a natalidade. Acho bem.'. 
    
       Ele parvo com a conversa. 

E eu: 'Com os meus mais velhos, a baixa era de 3 meses mais 1 de férias, só estive 4 meses em casa. Agora vai ser diferente. A seguir ao 1 ano, tenciono ficar mais 1 com redução de ordenado. Quero ser uma mãe mais presente'.  

     Ele visivelmente estarrecido mas, como sempre, controlado. 

E eu, morta de riso por dentro mas poker face por fora: 'Portanto, acho que tem que se arranjar alguém para me substituir porque até pode acontecer que possa ficar ainda mais um ano'. 
Ou seja, a arranjar pretextos para parar de trabalhar mas sem me tramar com um corte dos valentes na pensão. E cheia de vontade de rir com aquela minha conversa e com a reacção dele.
Quando o meu marido chegou da sua caminhada matinal contei-lhe. Disse-me: 'Estás maluca'. Respondi-lhe: 'Ai é? Estou maluca? Queres ver que fiz a criança sozinha..?.'. Foi a vez dele fazer uma cara preocupada: 'Eh pá, não durmas não...'

E foi isto. Talvez por ter sido um sonho que me deu vontade de rir, a verdade é que não tive sono nenhum durante o dia. Só quando há bocado me reclinei no sofá é que dei por mim a querer pegar no sono. Mas, sobre isso, a ver se conto a seguir.

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Samantha Kaplan é a autora das duas primeiras pinturas que retratam sonhos e Gagik Parvanyan e Noelle Rollins os autores das duas últimas sobre a gravidez. Rodrigo faz La Fête.


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Volto aqui apenas para dizer que não tenho feito outra coisa senão adormecer. Tinha dois posts para fazer, um sobre o Chicão a ser entrevistado pelo Miguel Sousa Tavares, outro sobre o Rui Pinto o todo-poderoso hacker. Mas não consigo mesmo.

Beijinhos, abraços e carapaus para o gato.

segunda-feira, janeiro 27, 2020

E assim foi este meu fds





Não tenho conseguido responder a comentários e tenho sido um bocado menos prolixa que o costume porque tive um fim de semana digamos que um pouco atarefado.

Conto.

Na sexta-feira saí um pouco mais cedo do que o habitual pois ia ter jantar cá em casa. Muitos. E a freguesia deu para tarde e foi uma festa e a costumeira confusão pois, sempre que os meninos se juntam, é o que é.

A seguir ao jantar, a minha filha lembrou-se de pôr a 'Música no coração'. Os meninos não conheciam mas os crescidos, sim. Uma alegria, claro está.

Parte da turma ficou cá em casa. 


Na manhã de sábado houve compras para fazer, nomeadamente mantimentos. Fomos todos e encontrámo-nos com os que não tinham dormido. Depois fiz o almoço, pus a adiantar o jantar e almoçámos à pressa pois, de tarde, parte da turma tinha um baptizado. 

No meio de tudo, ao início da tarde, ainda consegui ir ao cinema. Assim que estávamos para entrar para a sala, lembrei-me. Um sobressalto. Perguntei ao meu marido: 'Desligaste o fogão?'. Ele: 'Não. Está-se a ver que tu também não.'. E o enervante nisto é que ele, mal acabámos de arrumar a cozinha, tinha querido desligar o fogão pois dizia que eu iria esquecer-me. Afiancei que não, que a carne precisava de mais tempo de cozedura e que não iria esquecer-me, desligaria antes de sair. Está bem, está. Uma data de gente a sair de casa à pressa, lembrei-me lá eu da panela ao lume. Com ar desalentado, disse-me que ia a casa. Não tentei ir eu em vez dele pois sei que é mais ágil na condução do que eu. A minha filha lamentou: 'O chato disto é que sobra sempre para o pai...'. E é, tem razão. A minha filha observou ainda: 'E é que é perigoso...'. Mas que querem que eu faça? Desculpei-me: 'Mas lembrei-me. Já viste se não me lembrava...?'. Pois, pois.

Estava a primeira parte a acabar quando ele reapareceu. Tinha apanhado um engarrafamento, ainda por cima.


Depois fomos para o resto do programa. 

Quando o menino mais crescido, já vindos do baptizado, entrou no carro, disse: 'Pensava que a água benta era uma água especial. Mas afinal é água normal, podia ser água do luso, mas na qual se incorporaram uns espíritos'. Desatei a rir. Já, à ida, ele ia a comentar com o irmão: 'Acho que, basicamente, o que vai acontecer é que vão despejar água na cabeça da bebé'. Acrescentei que também fariam uma cruz na testa com óleo. Não ligaram, deve ter-lhes parecido uma informação inútil. 

E lá regressámos a casa. Acabei o jantar, a carninha estava mais cozidinha que só visto. O resto da turma juntou-se-nos. Mesa cheia, de novo, e a alegria do costume.


A seguir ao jantar, a minha filha voltou ao ponto em que tínhamos ficado na Música no Coração. A sala cheia, os sofás poucos para tanta gente, alguns meninos no chão. Por vezes, o público fazia coro com o filme. Lembrei-me que era eu pequena quando vi pela primeira vez este filme. A minha filha disse que não se lembra de, quando era pequena, vermos muitas vezes. Expliquei que nessa altura não havia televisão por cabo ou box para haver esta faculdade de se ver o que se quer quando se quer. O mundo era outro. A tecnologia tem coisas boas.

Até o meu filho que não liga muito a este género de filmes, e estava entretido com outras coisas, acabou por prestar alguma atenção. O meu marido é que nem por isso. Aproveitou para se encostar a descansar, num sofá mais afastado. Pelo meio, nos momentos mais chatos do filme, mormente quando as freiras cantavam, os rapazinhos resolveram fazer moche ao avô. E dançaram, lutaram, um pôs-se a compor uma canção no iPad, depois mostrou-a e os outros desataram a dançar como se tivessem levado uma injecção de saltos. Uma animação pegada.

Lá para o fim da noite, parte do pessoal foi para sua casa e outra ficou de pernoita.


O domingo amanheceu branco. Tínhamos a ideia de ir para a praia mas com um nevoeiro tão cerrado pensámos que era melhor não. Mas depois viu-se que na praia não havia névoa e lá fomos. Passeámos, apanhámos sol, os meninos brincaram. Depois viémos para casa, fizemos o almoço, almoçámos. De tarde, quem ia à sua vida arrumou pertences, recolheu haveres. Preparei a marmita com parte do que tinha sobrado. E lá foram.

Entretanto, já só os dois em casa, fizeram-se máquinas de roupa, arrumou-se o que era de se arrumar e, como geralmente acontece depois destas lidas, deitámo-nos, cada um em seu sofá, e, claro, foi tiro e queda. Nem consegui ir a casa dos meus pais; mas a minha mãe até se zanga de eu, em fins de semana assim, querer ir, diz que não me estafe, que não é preciso porque eles estão bem, que não ande sempre a correr para conseguir fazer tudo, que descanse. Por isso, segui o conselho, não fui e descansei. Mas acordei com frio e dor de cabeça. Fiz uma infusão de erva-príncipe e fiquei bem, devia estar a precisar de uma bebida quente.


E já arrumei roupas, já preparei a indumentária de amanhã, já passei um brilhozinho nas unhas, já vi as fotografias que fiz nestes dias, e, por acaso, já tentei ler mas pouco consegui. Perco-me, distraio-me, desconcentro-me. Acho que a minha cabeça, a esta altura do campeonato, não está para assimilar literatura, nem tão pouco voar sobre ela.

Salva-me o Habitualmente:

Há pedras habitadas. Pássaros que não migram
só para não sofrerem a partida

Esperam um ano a fio pelo regresso dos companheiros.


Bonito. Um bálsamo para os neurónios.


E assim foi o meu fim-de-semana. Muito bom. Uma alegria.

Está a começar nova semana, já estamos a caminhar para o fim de Janeiro. É impressionante como o tempo anda depressa. Razão para agarrarmos bem cada instante.

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As imagens representam fragmentos da obra de William Morris e vêm ao som de Lavinia Meijer a interpretar Koyaanisqatsi ('Life out of Balance') de Philip Glass. O poema chama-se Pedras e pertence ao livro 'Um dia tudo isto será meu' de João Habitualmente.

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Uma boa semana a começar já nesta segunda-feira

Quem é o Chicão?


Não posso dizer que saiba muito dele pois, a bem dizer, nunca o ouvi falar. Sei que é bonito, tem olho azul e, apesar de ter o seu lado fofinho, preza o seu look mais formal pois a verdade é que não despreza a gravata. 

Conheço-o desde novo e, desde que o vi, senti simpatia por ele. Tanto que passou a ser presença assídua cá de casa.

O meu filho também sempre gostou dele. Pelo menos é o que deduzo, vendo o Chicão ainda em bom estado. 

Agora são os seus filhos que também já nutrem alguma simpatia por ele embora sem grandes arroubos. Eu própria, mantenho-o ao dispor dos afectos familiares. Volta e meia meto-o na máquina de lavar e ele também resiste às cambalhotas debaixo de água.

Coelhinho de peluche que vive cá em casa desde que o meu filho era bebé
e que dá pelo nome de Chicão

Do outro, do do CDS, nada tenho a dizer. Desconheço. Parece-me ser daqueles homens que tende a engordar e de quem, daqui por uns anos, quando tiver perdido o viço dos seus verdes anos e compararmos a sua papada gorda com a fotografia de agora, ufano e vitorioso por ser o sucessor da Cristas-da-Coxa-Grossa, sentiremos alguma pena por ter perdido tão rapidamente a graça. Tirando isso, parece-me daqueles betinhos de cabeça oca, um daqueles jotinhas que querem parecer mais maduros do que são, mas que são apenas tristemente reaccionários e desinteressantes. Mas digo isto ao ver as suas fotografias nos onlines, ao ter visto o vídeo que o Brumas divulgou e, agora, enquanto escrevo, no noticiário. Admito que, conhecendo-o melhor, possa ficar com uma ideia pior.

domingo, janeiro 26, 2020

E, por falar em escândalos, um que deve ser visto:
Bombshell


Numa outra vida trabalhei num edifício muito grande, o maior onde trabalhei até hoje (e se tenho trabalhado em grandes edifícios). Esse edifício tinha vários elevadores e um deles era exclusivo para a administração. O andar onde trabalhava a administração tinha uma belíssima vista sobre a cidade e era um lugar a todos os títulos reservado. Tive várias reuniões lá. Saía-se do elevador e entrava-se num lugar quase misterioso. Não era possível saber quem lá estava. Os motéis devem ser assim. Estava dividido em compartimentos. Melhor dizendo: em apartamentos. Cada um tinha a antecâmara da secretária. Depois entrava-se numa sala de reuniões ampla, toda em madeira, muito bem decorada, com belas obras de arte. Essa sala tinha uma casa de banho privativa. Dali havia um corredor e, ao fundo, o gabinete do administrador, creio que também com casa de banho completa, onde se podia inclusivamente tomar banho. Não sei se havia mais divisões em cada apartamento. Trabalhavam nesse piso creio que uns cinco administradores e respectivas secretárias mas presumo que raramente se vissem a menos que se visitassem. Do outro lado do hall dos elevadores era o salão nobre, onde decorriam os conselhos de administração.

Quando eu conheci essas instalações, não conheci já os anteriores administradores. O que sei é que se falava que, por vezes, alguns desses senhores recebiam visitas e nessas alturas ninguém se podia aproximar sequer da secretária. Diziam isso e riam-se. Falava-se em grandes farras. Diziam que, nessas alturas, o espaço ficava interdito. Também ouvi dizer que o barbeiro ia lá para cortar o cabelo a alguns dos senhores mas isso era às claras.

Soube que, anos mais tarde, um dos senhores, numa outra vida, já um homem com uma idade algo avançada, teve um caso com uma secretária, na altura mais nova que qualquer dos filhos. Contudo, consta que o que começou por ser mais uma das suas investidas se transformou num grande amor, amor que terá tido um desfecho triste e digno.

Já aqui o tenho dito: em toda a minha vida profissional, conheci casos e mais casos. Muitos. Durante uns anos era porta sim, porta sim. Quase todos os meus colegas tinham um caso, uns mais à socapa, outros completamente às claras. Também já o contei: quando um colega nosso, o mais talentoso e brilhante, morreu prematuramente, a capela estava cheia, a rua cheia. A mulher estava, naturalmente, inconsolável. Todas as suas ex-namoradas também. Estavam lá todas. Todas, excepto a mulher, sabiam umas das outras mas desculpavam-no, achavam sempre que a culpa era das 'outras'. Faziam cenas de ciúmes se ele não lhes dava a atenção que requeriam. Em contrapartida, para ele tudo aquilo era uma festa. Lembro-me dele sempre na maior alegria. Mesmo quando foi apanhado por um colaborador que tinha ficado a acabar um trabalho, já fora de horas, em pleno acto, em cima da mesa de reuniões, ficou na maior descontração. Não se falava de outra coisa e ele divertido, como se aquilo fosse com outro.

Eram eles que estavam disponíveis para os romances e eram elas que os assediavam ainda mais do que eles a elas. A minha secretária teve um caso com o meu melhor amigo e o que ela se atirava a ele era de antologia. Nunca assisti nem nunca tive conhecimento de casos de assédio sexual pois tudo a que assisti foi consentido de parte a parte. Mas o que posso dizer a propósito disso é que tenho tido sorte por trabalhar em empresas decentes (apesar de forrodobó que por vezes acontecia nos bastidores).

Contudo, que existem casos de assédio existem e acredito que nos meios em que a concorrência é mais feroz e em que há uma certa predisposição para considerar que os atributos físicos se sobrepõem aos restantes ainda mais os haverá.

Ao ver o filme que vi hoje, várias vezes me encolhi, incomodada, desconfortável, a pensar que, se fosse comigo, chamaria ao velho babaca estafermo, troglodita, tarado, estúpido, que fosse dar banho ao cão -- e sairia porta fora, dizendo alto e bom som que internassem o homem porque estava doente. Mas isto sou eu a falar.

Sei lá se, querendo muito o lugar e temendo consequências e, ao mesmo tempo, tolhida pelo nojo e pelo medo, não saíria dali em lágrimas, pegando na trouxa e saindo da empresa em silêncio, com medo que ainda pensassem que eu é que tinha incentivado o anormal.

Amanhã talvez consiga pegar no computador mais cedo e explicar porque é este fim de semana não tenho tempo para responder a mails nem para escrever os testamentos do costume. Mas venho aqui recomendar que, se puderem, vão ver o filme. Fomos vê-lo esta tarde e gostámos bastante.

Muito bom, muito actual, muito bem feito, muito bem interpretado. E um trabalho de caracterização extraordinário.
Bombshell is a 2019 American biographical drama film directed by Jay Roach and written by Charles Randolph. The film stars Charlize Theron, Nicole Kidman, and Margot Robbie, and is based upon the accounts of several women at Fox News who set out to expose CEO Roger Ailes for sexual harassment.
O Escândalo 



Abaixo, algumas imagens reais que se vêem, reproduzidas, no filme


E imagens reais sobre o que se passou


E a todos desejo um belo dia de domingo

sábado, janeiro 25, 2020

Alô, alô Catarina Martins! Acha que o dinheiro com que a Isabel dos Santos pagou as empresas veio de Angola...?


Ouça, não conheço os movimentos de qualquer espécie da Isabel dos Santos, muito menos os financeiros, não conheço relatórios de auditorias, nada. Apenas intuo. 

E o que intuo é que dinheiro de Angola (nomeadamente o da Sonangol), a ter sido desviado, foi para contas a bom recato em lugares onde ninguém lhe chega. Ou seja, assunto que respeita a Angola.

As empresas portuguesas que ela comprou, cá para mim, foram compradas com dinheiro dos bancos que operam em Portugal. Portanto, minha Cara, a haver atenção, e é bom que haja, deve ser junto dos bancos que financiaram as operações. Se a coisa não se resolve como deve ser, nomeadamente no caso mais preocupante da Efacec, tomara que não descambe num buracão que tenha que ser pago por todos nós. Nós, portugueses.

E vamos ver se um capital de conhecimento que não deveria ser alienado, como é o da Efacec, uma grande empresa de engenharia portuguesa, não vai parar a mãos a que jamais deveria ir parar. Se há coisa que deveríamos manter nas mãos do País deveria ser esse capital de conhecimento. Atenção, pois, também, à operação que foi desencadeada com a decisão dela de sair também desta empresa.
Eu, por exemplo, Cara Catarina, preocupar-me-ia, e bastante, se uma empresa como a Efacec passasse a ser detida por chineses -- numa operação talvez alavancada por um banco que se calhar também vai passar a ser detido por chineses (porque também são chineses os prováveis compradores do EuroBic, certo?).  
Isso, numa perspectiva estratégica, preocupar-me-ia e muito, Catarina.
Mas isto sou eu, claro.

sexta-feira, janeiro 24, 2020

Isabel dos Santos, Manuel Vicente, Luanda Leaks, demissões, mortes, vinganças, ameaças, etc.
-- aconselharam-me a não escrever mais nada sobre o assunto e, pensando bem, o melhor é mesmo não falar


Hoje disseram-me para não escrever mais sobre o tema. E eu fiquei a pensar nisso.

Quando ouvi que o Nuno Ribeiro da Cunha tinha aparecido morto apeteceu-me não ter escrito o que escrevi ontem à noite. E, quando, sem surpresa, vejo que estão a começar a aparecer coisas que eu antevi, também me apetece não escrever mais nada. 

Agora mesmo alguém espreitou para o que eu estava a escrever e disse: 'Não te disseram para não escreveres mais sobre isso? Pára. Não escrevas mais nada.'. Respondi que não estou a escrever. E não estou.

Hoje também avisei uma pessoa de que, com alguma probabilidade, o conteúdo do seu computador tinha ido na rede de arrasto. E essa pessoa, que já está suficientemente apreensiva com tudo isto, ficou a olhar para mim sem dizer nada. Acho que isso ainda não lhe tinha ocorrido. Não deve ser uma sensação agradável. Mentalmente, deve começar a pensar-se em tudo o que está na mailbox, tudo o que está nas diversas pastas. 

E depois há outra coisa, e nem vou falar no impacto que tudo isto pode ter (e já está a ter) nas empresas portuguesas detidas por sociedades dela, impacto esse que pode não ser coisa pouca: estou a falar nos bancos que financiaram as aquisições dela em Portugal. Na era passista, quando andavam todos a babar de roda dela, todos dispostos a passar tudo a patacos, em especial se fosse para vender a estrangeiros (e tanto que eu aqui clamei contra isso: angolanos, chineses, tudo servia) não pararam para pensar que o risco das operações não estava nela, estava era nos bancos. Não conhecendo eu a situação, prevejo que ainda deve ter grandes dívidas junto desses bancos. Nada por aí além pois alavancagem financeira é o que não falta. Mau é quando as garantias e colaterais são fracos ou, quando necessários, não materializáveis, e quando deixam de ser pago o que é devido de acordo com o plano de amortizações acordadas. E, nesta situação, com o que está a acontecer, como é que ela vai entregar alguma coisa? Mais imparidades para os bancos e tomara que não venha aí buraco do grosso, daqueles que, para evitar perturbação no sector bancário, obrigam a injecção pública de capital. Tomara.

Portanto, read my lips: esta história que é, em primeiro lugar, uma história angolana em que, a ter havido algum crime, ele diz respeito a Angola, pode ainda ter ondas de choque substanciais em Portugal.

Aquilo que eu temia, que as empresas portuguesas onde ela tem participação sofressem com o impacto desta guerra de facções angolanas -- coisa que não diz respeito aos portugueses -- pode muito bem vir a acontecer. E que algumas coisas estranhas começassem a acontecer também.

Depois da PwC e a BCG já estarem a descartar-se, como se tivessem andado a fazer os trabalhinhos de olhos fechados, e alguns dos seus quadros estarem a saltar como se tivessem sido eles a fazê-los sozinhos, à revelia dos partners, ia agora dizer que a VdA também deve estar a deitar contas à vida mas, na volta, não. Isso é polvo que está tão ramificado, defendendo uns e outros e até uns e a parte contrária, que são muito bem capazes de passar por isto sem terem que encolher depois de tão exuberantemente terem inchado -- vidé as suas fantásticas novas instalações. De qualquer maneira, com tudo o que é BCBG a trabalhar com eles, toda a documentação do escritório deve estar na mão de quem mandou piratear todas aquelas redes informáticas. Toda, incluindo documentação de outros clientes, de outras empresas. Mas, claro, isto sou eu a supor.

Mas adiante até porque, de resto, como disse, não quero continuar a levantar pedras pois, de cada vez que o faço, sai de lá um espírito que se materializa pouco depois.

quinta-feira, janeiro 23, 2020

Isabel dos Santos está sozinha no olho do furacão do Luanda Leaks?
Ou, nesta história, dá para brincarem uns com os outros ao 'quem diz é quem é'?
Pergunto.


Nuno Ribeiro da Cunha, diretor do private banking do EuroBic e o gestor da conta da Sonangol que efetuou algumas das transferências suspeitas no caso Luanda Leaks, foi encontrado com ferimentos graves, na casa de férias da sua família, no dia 7 de janeiro. A notícia está a ser avançada pela TVI, que garante que a Polícia Judiciária (PJ) está a investigar uma possível suspeita de tentativa de homicídio ligada ao caso que envolve Isabel dos Santos. O Observador confirmou a informação junto de uma fonte da PJ, que confirmou não estar excluída a suspeita de tentativa de homicídio.
De acordo com a TVI, Nuno Ribeiro da Cunha foi encontrado pela empregada na casa de Vila Nova de Milfontes com ferimentos graves nos pulsos e no abdómen. À PJ, terá dito ter-se tratado de uma tentativa de suicídio ligada a uma depressão. [...]
(in Observador)

Mas isto nem tem nada a ver com o que escrevi ontem nem com o título deste post, é apenas um fait-divers. E provavelmente não vai despertar a empatia de nenhum dos leitores da notícia, tenha Nuno Ribeiro da Cunha sido vítima de tentativa de suicídio, tenha sido vítima de uma tentativa de homicídio. Quando alguém cai em desgraça, meio mundo pisa e salta a pés juntos em cima --  não só dessa pessoa como de todos os que, de alguma forma, lhe eram próximos. É da natureza humana que, como é sabido, é muito próxima à dos ratos.

No outro dia, em conversa informal sobre estes assuntos (e ainda nem tinha rebentado a bronca que dá pelo nome de Luanda Leaks) alguém me dizia: cuidado com esses meninos, é barra pesada, qualquer dia ainda aparece alguém a boiar no Tejo. Pois. Mas, enfim, como se diz, dizer isso vale o que vale. Mera vox populi.

E, estando eu hoje numa de ideias desencontradas, digo também que seria curioso que os senhores jornalistas e senhores comentadores fossem atrás da dica da Isabel dos Santos sobre quem financiou esta so called investigação. Mas sobre isso não ouço falar. Ora, cá para mim, toda esta intriga ganharia uma dimensão mais interessante se se seguisse também essa linha de investigação. Cherchez la couleur de l'argent.

E, diria eu, também seria curioso saber como exactamente é que a coisa se passou: foram contratados hackers, certo? Seria interessante conhcer quem contratou quem. Contrataram hackers que varreram os computadores de tutti quanti (centenas de milhares de documentos obtidos sabe-se lá em quantas redes informáticas de empresas, escritórios de advogados, conservatórias, bancos e/ou computadores pessoais: escrituras, balanços, balancetes, extractos, mas também relatórios médicos, correspondência privada, fotografias de família ou íntimas, etc)? Pergunto. E nisto, que eu saiba, não é cherry picking: é mesmo pesca de arrasto. Tudo. Copiar tudo o que se apanha. Depois como foi? Foi tudo vendido, bulk, aos jornalistas? Pergunto. E eles, os do tal consórcio de jornalistas? Como 'agarraram' nisso? Com que critério e conhecimentos cruzaram informações entre setecentos e quinze mil documentos das mais variadas proveniências? Dedicaram-se a vagaroso puzzling (e atenção à ambiguidade do sentido da palavra)? Ou ficaram-se pelo que dá parangonas bombásticas? Ou pelo que é conveniente a quem financiou a pirataria? Pergunto. Só pergunto. E, ao varrerem toda a informação dos locais pirateados, o que foi feito ao que não dizia respeito à Isabel dos Santos? Destruíram...? Ou é maná, informação que está guardadinha para um just in case? Para chantagearem A ou B? Para extorquirem dinheiro a C ou D? Para ficarem com E e F na mão...? Etc. Mas, enfim, são meras perguntas. Dúvidas minhas.

E pergunto isto sem pôr em causa o mérito de uma investigação séria que venha a acontecer. A quem confunde as minhas dúvidas com o branqueamento da responsabilidade do que quer que tenha sido feito e que venha a ser provado ser crime, esclareço de novo: não branqueio nem desculpabilizo coisa nenhuma. Apenas, como sempre, reservo-me para acreditar apenas no que é provado ou do que foi constatado em pleno acto. Deformação profissional. Neste como em qualquer caso, antes de ser provado, tudo é apenas uma hipótese. E volto a dizer: face ao que se conhece desse caso (a cultura, os hábitos, a envolvente, a entourage, etc) é provável que tenha havido movimentos tocados pela ilicitude. Portanto, a ser verdade, deve ser fácil de provar. E, se for provado, pois que se faça justiça.

Até lá, cuidado com os juízos apressados e primários, cuidado com o maniqueismo, cuidado com as vistas curtas. Cuidado com os jogos de espelhos. Cuidado com as manipulações.

E cuidado com os ratos que fogem e batem com a mão no peito ou com os histéricos que, quais cães a correr atrás de qualquer osso que se atire, agora rosnam contra a Isabel dos Santos e se esquecem dos outros, dos que estão atrás dos espelhos, ou dos outros de que ninguém fala mas que também têm trazido dinheiro para Portugal cuja origem se calhar também está toldada por ilicitudes ou por atentados aos direitos humanos. 

E volto a dizer: quem agora muito saltita e pipila são os pardais, histéricos com este primeiro punhado de grãos de milho que está a ser atirado. Mas há ainda o que virá a seguir... ou o que nunca se saberá. Oxalá é que a atenção da turbamulta se aguente desperta até lá. E que haja lucidez e não o habitual primarismo que é o terreno fértil de que se alimentam os populistas e os vulgares justiceiros populares.

quarta-feira, janeiro 22, 2020

Luanda Leaks: hacking legal, é isso?


Nisto tudo, independentemente do mérito da investigação e do que venha a resultar daqui, ocorrem-me algumas dúvidas: 
  • Como foi mesmo que obtiveram todos aqueles milhares de documentos? Será que foi da mesma maneira que o Rui Pinto obteve os documentos do Benfica? Daquela tal maneira que faz com que esteja preso? Ou há modalidades legais mesmo que sem consentimento do proprietários da informação? Pergunto.
  • E mais: a SIC participou da investigação, não foi? Como? Quem? Se calhar já explicaram isso, eu é que, na volta, não li ou não ouvi. Mas estou curiosa. A palavra de ordem não é transparência? Então vamos todos ser transparentes...? 
  • Outra questão: ouvi bem quando alguém falou nos serviços secretos de Angola metidos nisto? Ou não ouvi?
E uma observação. Uma observaçãozinha mais. Coisa de nada: é que me parece que este assunto não é para meninos. Nem para virgens. Nem para santinhos. Este assunto, cá para mim, é dos cabeludos. Diria mesmo: dos perigosos. Cuidado com o que se está a passar. Mas, claro, isto sou eu a pensar. Coisa de intuição. Provavelmente é o tal sexto sentido, coisa de mulheres. Só isso.

Nós, as mulheres.


No sábado carreguei não um piano mas quase. Uma secretária pesadésima. Foi às postas mas era com cada posta... E não fui só eu que carreguei. E nem fui quem carregou as partes mais pesadas, nomeadamente a cadeirona que, não fazendo parte da secretária propriamente dita, faz quase e pesa mais do que um automóvel até porque, para automóvel, só lhe faltam os outros assentos porque tem quatro rodas e uma carroçaria que vai lá, vai. Mas o meu corpinho feminino e frágil só dá para camponesa, não para carregadora. Isto no sábado. No domingo à noite, com o vendaval, quase se desprendeu uma coisa de metal do prédio de tal forma que chamámos o bombeiral. Mas isto depois do meu marido se debruçar da janela para tentar laçar a dita coisa e eu ficar a puxar-lhe pela camisola para evitar que ele se despenhasse do décimo segundo andar abaixo. Um frio do catano, uma ventania gelada, e eu, ali, exposta aos elementos. Conclusão: cá estou, de novo, com um torcicolo. Podia tomar um ben u ron, lá isso podia mas não seria a mesma coisa. Portanto, optei por pôr aquele saco de caroços de cereja em cima do aquecedor e, uma vez quentinho, aqui a fazer conchinha entre a nuca e o ombro. Se estiver assim, aconchegadinha, não me dói mas o pior é se tiver que que me esforçar. Hoje estive a falar com um cavalheiro que mede cerca de dois metros e o ter que estar durante horas com o pescoço alçado piorou a minha condição.

E tenho aqui um tema relacionado com a Isabel dos Santos para dissertar about mas estou a ver a Prova Oral, perdida de riso, e não consigo pôr-me suficientemente séria para isso. Nem para isso nem para responder ao comentador chato de ontem. Só me apetece rir com esta maltósia: Alvim, Xana, Salvador, Bruno Aleixo e, como surpresa o clone do Sócrates. 

Bem, enquanto tento recentrar-me, partilho um vídeo que mostra como somos nós, as mulheres. Todas assim. Todas. A toda a hora. E se há aí alguma mulher que o não seja, acho bem que se sinta uma triste excepção. E se há por aí um homem cuja mulher não seja assim, pois saiba que teve pouca sorte. Saíu-lhe a fava.

Nós as mulheres

(O vídeo pertence à série 'vós as mulheres' mas como quem vos escreve, neste momento, é uma mulher, tenho que dizer 'nós')


NB: Há mais do que uma mulher no vídeo pelo que nada de juízos precipitados.

Oh pah... digam-me o que é isto....


E eu a gabar a presciência do algoritmo do YouTube. Está bem, está... Ou, então, está mesmo bem. Tem-me na conta de uma pírulas da cabeça e, se calhar, até sou. É que abri para perceber que coisa mais mirabolante era aquela e, quanto mais via, menos acreditava no que estava a ver e, menos ainda, que continuava a ver.

O que se passa é que, na volta, sou ainda menos preconceituosa do que penso que sou. É que, na ideia que tenho de mim, bastava ver o outfit para intuir que dali não saía coisa de jeito e bye bye maria odete. Mas eu, na realidade, pelo que constato, sou permissiva, tolerante, curiosa. Ou maluca.

Acho que nunca mais vou conseguir ouvir o Clair de Lune sem pensar nesta virtuosa pianista em alvos trajes menores, com uma rosa a aflorar-lhe os lábios, depois numa pose absurda, rodeada de flores, uma virgem sem tirar nem pôr. Tudo de um kitsch inenarrável. Quase dá vontade imaginá-la como deputada, uma cicciolina reciclada. Talvez deputada do Livre. 

Lola Astanova, a musa, interpreta Clair de Lune


Até já

terça-feira, janeiro 21, 2020

Isabel dos Santos, de princesa boaz$nha a bruxa má?


Quem a conhece diz que é simpática, simples, afável. Sei de quem, numa situação em que é usual obter tratamento de privilégio para algumas pessoas, lhe sugeriu isso e ela não o quis, optando por ficar em situação de igualdade no meio de pessoas que, certamente, nem terão reparado que era a 'princesa' que ali estava. Não sei se isto diz alguma coisa sobre ela para além disto mesmo -- mas fica o apontamento.

Sei também de um ou outro caso, e um deles é público. A equipa de gestão que escolheu fez razia. E, no entanto, sabendo-se o que se sabe, não se pode dizer que a razia não estivesse mesmo a pedir para ser feita.

Sei também de quem disse, ao falar-me de um certo lugar de Luanda: um condomínio de luxo, fantástico -- da Isabel, claro.

Sabe-se também como todos queriam usufruir do dinheiro dela. Portugal em crise, endividado até à medula, a economia em seca severa depois da liquidez circulante se ter escoado. Um dia, eu própria sugeri: 'E porque não apostarmos também para Angola? Dinheiro é o que não falta, contactos com ela também não. Ela quer investir, ela quer parceiros idóneos, ela quer ganhar credibilidade. Porque não?' Obtive um liminar não!: 'É nossa política não nos metermos em esquemas'. Contrapus: 'E será que ainda é assim? Ocidentalizada e moderna como é, será que é de esquemas?'. Do outro lado um sorriso: 'Ali tudo funciona com base em esquemas'. Nunca mais toquei no assunto pois os sinais iam chegando de que assim era.

Um dia, uma outra pessoa contou-me: 'Para um casamento da família, um avião fretado só para levar flores da Holanda'. E descreveu como foi. E uma pessoa, ao ir ouvindo, vai-se torcendo. Não era ela mas alguém próximo. Mas nem era isso, em particular: era, isso sim, o modo de vida da entourage. Luxo. Dinheiro. A rodos. Um excesso mas um excesso que custa mais a encarar de frente quanto se sabe da pobreza da população, quando se sabe da perseguição a quem denuncia, a quem se opõe.

É certo que dinheiro gera dinheiro. Os melhores consultores, os melhores advogados, as oportunidades sabidas em primeira mão. Sempre assim foi, sempre assim será: dinheiro gera dinheiro.

Mas eu falo do que sei e o que sei é pouco, é nada, e embora seja fácil admitir que talvez tenha mesmo usufruido de facilidades e de facilitismos, nada sei em concreto do que se passou ou de como se passou. Não parece difícil acreditar no desvio para paraísos fiscais mas deve falar-se do que se sabe e do que se tem como provar. Ou isso ou optimização fiscal. É o que os bons fiscalistas fazem: explicar, a preço de ouro, como é. Ou parquear acções aqui ou acolá, parquear a fortuna aqui e a dívida ali, gerir a política de dividendos com inteligência, umas vezes com ousadia, outras com pinças. É este o mundo dos grandes investidores, dos grandes empresários.

Claro que há os que têm a ética e a consciência social no seu ADN e há os que almejam lá chegar, um dia. Para todos, a sustentabilidade já é palavra de ouro, uns porque sim, porque sempre lhes foi conceito caro, outros porque é moda e querem estar updated, estar naquele ponto a que se chama state of the art. Não é fácil, para quem não está por dentro, distinguir com exactidão os que são e os wanna be. 

Quando uma empresa consulta fornecedores, consultores, advogados ou quer fazer parcerias e tudo vem bem sustentado, as contas estão auditadas, não há risco de crédito, tudo está em ordem, é normal responder e estabelecer parcerias. Não se vai investigar a pureza de intenções nem se tem como investigar a origem do dinheiro. Portanto, é bom que os jornalistas -- que pouco sabem disto -- ou a malta que pulula nas redes sociais não desatem a fazer juízos primários ou numa absurda caça às bruxas como se todas as empresas que têm ou tiveram alguma interacção com a 'princesa' fossem corruptos ou, pelo menos, esquemáticos. Ou seja, haja alguma ponderação e inteligência: não falem do que não sabem nem saiam a disparar para todos os lados.

Não estou a defendê-la, longe disso. Se desviou dinheiro público para contas privadas em offshores, se usurpou benefícios indevidos ou coisa do género, isso é uma coisa e é bom que a justiça investigue a fundo e, de forma célere, isenta e eficaz, faça o seu papel. Outra coisa é andar a malta de faca afiada porque a mulher é rica ou filha do Dos Santos -- como se isso, só por si, fosse crime.

E outra coisa: sobre empresas de diamantes ou imobiliárias ou resorts de luxo no Brasil ou em Luanda ou onde seja ou outras empresas não me pronuncio. Não tenho qualquer informação para além do que se vai lendo. Agora sobre as empresas em Portugal ou outras que tenham participação em empresas relevantes em Portugal, aí já me preocupo. Não nos esqueçamos que isto que se está a passar causa danos reputacionais nas empresas em que Isabel dos Santos tem participação. E os danos reputacionais por vezes matam as empresas. Antes de pensarmos apenas no facto de ela ser, directa ou indirectamente, accionista, pensemos nas pessoas que lá trabalham e que não têm nada a ver com isso, pensemos nas suas famílias, nos fornecedores e clientes dessas empresas. Milhares de pessoas. Não matemos empresas com a mesma leviandade com que o Passos Coelho resolveu matar o Grupo Espírito Santo. 

Finalmente: uma vez mais o Banco de Portugal parece ter demonstrado que é um peso morto, uma mão cheia de nada. Em relação às operações num banco conotado com ela (e, mais do que conotado, diga-se) o Banco de Portugal, não viu, não desconfiou, não previu, não monitorizou...? Nada..? Dizem que não. E isso é assustador. Aparentemente não serve para nada. Não policia coisa alguma. Um regulador de luxo que, aparentemente, não serve para nada.

Algum dos senhores jornalistas que gosta de andar atrás de frioleiras já alguma vez olhou para o orçamento do Banco Portugal? Algum dos senhores comentadores que enxameia as televisões já fez o deve o haver do Banco de Portugal para ver se ficamos a ganhar alguma coisa com a sua existência? Tenho cá para mim que haveria de ser giro. 

Mas, claro, a incompetência e a inutilidade do Banco de Portugal não desculpam nem atenuam os crimes de Isabel dos Santos -- a ser provado que existiram, claro.

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As ilustrações que representam Isabel dos Santos foram obtidas na net sem que tenha conseguido descobrir a sua autoria

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