No entanto, esta minha velha pasteleira que nem a pedal está a andar, o disco a rebentar pelas costuras e eu sem paciência para a limpeza que se impõe, atrapalhou-me os planos. Empastelava-se de minuto a minuto, e eu desligava-a, depois voltava ao mesmo e eu capaz de a atirar para o lixo, até que desisti. Não sei quantos anos tem este meu rocinonte mas, na volta, está a precisar de descanso. Ou de palha (disco, memória, etc). Mas adiante.
Dado que o programa de festas não me permite que me ponha para aqui com grandes floreados, vou apenas fazer o post dos graffitis e é quase sem palavras. Só mímica. Ou seja, só imagens.
Esta segunda-feira ao cair do dia, descobri-os numa ruazinha estreita de Lagos. Não sei há quanto tempo ali estão. Na volta há muito, eu é que passava por eles sem os ver que isto a gente parece que tem a vista instruída para ver só o que já conhece ou aquilo de que está à espera. Por isso, é que eu me esforço para não reter grandemente coisa alguma para ver se vou com a atenção sempre desperta. Mas desaprender dá muito trabalho e a cabeça da gente (e, portanto, também os olhos e etc) já tem muita manha, passamos pelas coisas em modo cache, isto é, isto já conheço nem vale a pena olhar. E, por isso, sem uma pessoa dar conta, ignora mil coisas que aí estão, por todo o lado, à espera de serem descobertas.
Ou seja, ia passando distraída e, já depois, estaco, péra aí, tava ali o quê? (eu, quando penso, não me importo com a semântica, vai tudo a eito, palavras pela metade).E, acto contínuo, dei dois passos atrás e... lá estava o rapaz estranho. Fotografei, intrigada. Incompleto. Insólito. Mas perturbador assim mesmo.
Mas vamos com música, ok?, que andar a flanar por uma cidade a sul pede música.
George Ezra - Listen to the Man
Logo à frente outra pintura. Vista de perto nem estava a perceber. Quando a vi através da lente, percebi. Meio rosto. Afastei-me, já percebi. Muito bom.
E logo outra, um menino sonhador, uma pintura a la Banksy. Muito bonito.
E logo outra figura enigmática. Uma figura andrógina, uma expressão indefinida.
Mais à frente, num poste, junto ao caixote do lixo, esta, sim, esta já a tinha visto e fotografado antes.
E depois, já nas paredes do Mercado dos Escravos, uma longa linha de texto, e podia ser graffiti mas, por acaso, não é mas eu, se fosse a eles, aos responsáveis pelo pelouro da cultura, pedia aos inspirados graffiteiros que pintassem paredes à vontade, que enchessem a cidade da sua arte, que a arte de rua é arte generosa, pública, para quem a queira desfrutar.
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E já não vou aos casais que já não tenho tempo. Pode ser que mais logo.
Ao dar uma circulada pelos blogs, passei pelo Malomil. Aí, José Rodrigues dos Santos, com o seu cérebro de plástico na mão, parece perplexo talvez porque António Araújo, autor do dito blog, escreve sobre a sua mais recente obrícula no Público. António Araújo deu ao artigo o título Fascismo é quando um homem quiser.
Comecei a ler, mas o texto era dose: tinha amuse bouche, entrada, sopa, prato de peixe, prato de carne, doce, fruta, café e digestivo e, portanto, estando eu a ver se faço dieta, dei uma atravessada um tudo nada rápida pelo texto, gabando a paciência de António Araújo.
É certo que António Araújo, ex-assessor cultural do ex-Cavaco, só pode mesmo ter uma resiliência notável. Senão como perceber que tenha aguentado tantos anos em vão a tentar enfiar alguma cultura na empedernida cabeça do seu ex-presidente?
Para além disso e para além de ser Jurista e Historiador (conforme comprovo no Público), é pessoa de uma prolixidade ímpar. Tenho-o também por pessoa com algum pendor obsessivo pois, volta e meia, se lhe dá para embicar com alguma pobre alma, desencanta dúzias e dúzias de fotografias para ver se avacalha a imagem do coitado (como recentemente fez com Boaventura de Sousa Santos lá no Malomil).
Não gosto do verbo avacalhar mas estou com falta de imaginação. Também me lembrei de ajavardar mas não me parece melhor. Abardinar não sei se existe. Enlamear parece-me excessivo. Bem, se me ocorrer melhor já cá volto para edulcorar a coisa. Para já, fica assim.
Outra vez, lá no seu Malomil, num assomo de completa maluqueira, escreveu um tratado a propósito da capa da revista do Expresso na qual se via Fernando Medina com um smartphone. Não consegui ler tudo, achei que aquilo, mesmo para alguém com uma grande pancada na cabeça, já era delírio a mais e, portanto, preferi não testemunhar tal exercício de tresleitura a propósito de uma simples fotografia.
Bom, mas dizia eu que o bom do António Araújo lhe deu desta vez para gastar o seu provecto latim com um assunto que, em meu entender e às cegas, não mereceria sequer um parágrafo. Deu-lhe, imagine-se, para desmontar as balelas do José Rodrigues dos Santos no seu O Pavilhão Púrpura:
O texto de José Rodrigues dos Santos representa um lamentável exemplo de como uma amálgama confusa de referências e factos históricos pode conduzir a conclusões erradas (...)
Já o contei aqui uma vez. A única coisa que comprei do dito histriónico apresentador de programas alarachados de televisão foi um livro de entrevistas que o dito fez a escritores. Ingenuamente pensei que não tinha muito que enganar. Mas oh oh, se tinha. Eu deveria era ter ido devolver o livro: que coisa mal escrita, mal pontuada... Intragável.
Portanto, que o prosápias dos santos, a quem nitidamente falta metade da cabeça (capaz de ser, justamente, porque acha que o cérebro é para usar na palma da mão), lhe dê para encher páginas e páginas de tretas é lá com ele e com as mariazinhas que gostam do género. Agora que um senhor doutor jurista e historiador se ponha ao mesmo nível e se ponha a rebater as balhelhices do outro é que me parece incompreensível.
Alguém, em seu pleno juízo, liga alguma importância às rocambolescas deduções que uma criatura quem nem um gráfico sabe ler e que nem uma entrevista sabe fazer? José Rodrigues dos Santos sabe alguma coisa de marxismo, fascismo, codex, sexo de Cristo ou como dar banho ao cão para que alguém se ponha a ler o que ele diz e depois a rebatê-lo...?
E, portanto, com vossa licença, deixem que confesse: depois de ler o texto de António Araújo sobre as teorias de cão de caça do José Rodrigues dos Santos só me ocorre dizer que tão maluco deve ser um como o outro.
E, no fim de tudo, só retiro mesmo, mesmo, uma conclusão: que o António Araújo está melhor agora do que quando andava a ver se conseguia fazer alguma coisa do Cavaco. Via-o nas fotografias muito penteadinho, muito enjoadinho, muito cinzentinho, Aliás, nem sei se não estou a fazer confusão. Olho para o antes e para o depois e não me parece o mesmo. Este agora, colorido, bronzeado, mais despenteado, com ar mais desempoeirado, parece-me outro.
Seja como for, o António Araújo que vejo agora com ar malandreco na fotografia do Público mostra que está a caminho da regeneração. Só falta fazer uma cura qualquer para ver se deixa de andar a perder tempo com nulidades.
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O oposto: um exemplo de contenção e pontaria, reduzindo tudo ao título do post, é este delicioso post do Valupi no Aspirina B:
E já cá volto para mostrar graffitis, casais e outras coisas. Até já.
Isto se conseguir que o computador desenvolva, o que, digo já, me está a parecer muito difícil. Esta coisa de eu não querer perder tempo a limpar o disco está a tornar-me a vida complicada...
Como descrevi no post abaixo, com um sol ameno, um mar muito azul e gaivotas all over, é com prazer que me entrego à doce preguiça de existir e de ler.
O livrinho que estou a ler é dos que me sabem a doce rebuçado, talvez daqueles de Portalegre, muito bem confeccionados, bem apaladados.
Tenho estado aqui a ver se encontro um excerto que seja bem elucidativo mas acho que vou limitar-me a copiar o início e o fim justamente do texto que dá título ao livro.
Como supor que um poeta tenha um laboratório e sobretudo - para quê? Mesmo quando faz ciência, o poeta não põe óculos - põe asas.
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Publicou o Sr. Álvaro Maia no Contemporânea um artigo bastante infeliz, criticando um do meu querido Fernando Pessoa sobre a bela individualidade de António Botto. Nesse artigo o Sr. Maia, sem argumentar, cobre o autor das Canções de insultos os mais grosseiros. E através duma pretensiosa e falsa erudição em que só se sente o vazio, não havendo na sua obrinha a mínima substância, não havendo enfim, nada, o Sr. Maia chega ao ponto, na sua bílis invejosa e despeitada perante a alheia formosura do corpo e do espírito que ele, coitado, não pode possuir, chega ao ponto, digo, de negar talento e arte ao grande poeta que é António Botto.
Ora mais respeito pelos artistas, Sr. Maia. O senhor não tem o direito de cuspir na Arte lá porque é torto e feio. Se Deus lhe deu essa figura por alguma coisa foi e nessas condições o senhor, que se diz tão religioso, submeta-se sem revolta, sem gestos abomináveis de bílis plebeia, à vontade divina.
António Botto está já consagrado na alma de Fernando Pessoa, uma das mais altas individualidades de toda a nossa literatura, tão rica de Espíritos.
(...) não é para defender António Botto que aqui estou. (...) O que eu quero é precisamente atacá-lo nessa crítica tão insensata quanto vazia.
A propósito da bela individualidade de António Botto, o Sr. Maia ataca a luxúria e a pederastia, Obras Divinas. Incapaz de sentir os prazeres altíssimos da Carne-Espírito que o Verbo consagrou, ataca-os duma forma vil e tola. Como a Razão herética, filha da Serpente e do Anticristo, contraria o delírio da carne divinizada que é uma expressão de loucura bestialmente espiritual a negar a Razão, sacrílega anti-Loucura, anti-Vertigem, o Sr. Maia, esquecendo-se de que o racionalismo é filho dos últimos séculos de heresia e livre exame, enaltece-o encomiasticamente só para satisfazer a sua bílis contra a vertigem luxuriosa da Vida, antítese da Razão.(...)
O pederasta e luxurioso alheado das cousas divinas não é digno de censura por ser pederasta e luxurioso; é-o apenas como quaisquer outros homens - o do lar, o comerciante honrado, o escroque por não exercer o vício misticamente.
Mas quem o pode hoje exercer no ambiente terreno, naturalista das nossas cidades e em que os nossos companheiros do vício se alheiam de Deus, sua própria essência?... Criem-se templos de Luxúria em que esta tome uma feição litúrgica e só então surgirá o verdadeiro sensualismo místico que há-de exprimir a divinização do Mundo, a divinização de Sodoma estabelecida exaltadamente pelo Verbo e pelo Espírito Santo de Deus!
[Excerto de Sodoma Divinizada - Leves reflexões teometafísicas sobre um artigo, por Raul Leal (Henoch)]
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A legenda da primeira fotografia das gaivotas é uma afirmação da autoria de João Chagas a propósito de Guerra Junqueiro que em 1904 'vai pôr o mundo científico de Paris ao corrente de trabalhos sobre rádio, feitos no seu laboratório' e faz parte do capítulo 'Cronologia, ou quase' do livro Sodoma Divinizada de Raul Leal, organização, introdução e cronologia de Aníbal Fernandes da ed. Guimarães.
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Lá em cima Bryn Terfel & Renée Fleming interpretam Là ci darem la mano (Mozart)
Talvez por quase ter nascido com os pés na água, muita praia, muita ida com o avô apanhar isco para a pesca, depois com o pai, depois ir com o pai à pesca, e sempre praia, praia, praia, e depois, adolescente, passear à beira rio, e, em casa, levantar-me e ir à varanda ver o rio, e depois já em casa minha, levantar-me e ver o rio, sempre, e, pelo meio, sempre praia. Ou talvez por ser de um signo da água. Ou isso não tem nada a ver e é mesmo de mim. Ou talvez algum bisavô marinheiro, sei lá. O meu avô materno, o que morreu quando eu era bem pequena mas de quem me lembro a pôr-me às cavalitas, enorme, alto, cabelo muito louro, olhos muito azuis, mais um nórdico do que um sarraceno, sei lá de onde veio, talvez tenha sangue viking. Mas sei lá. O que sei é que, se me embrenho pelo meio das árvores -- e gosto de sentir a terra, e gosto de cavar e de plantar e não uso luvas porque gosto de sentir a terra, e gosto de podar árvores e tudo sem luvas porque nada como o toque da terra, das pedras, da madeira viva -- logo depois é a vontade do mar que me invade. O mar. Vontade de estar junto ao mar.
O azul a sul, a luz azul do sul, as gaivotas que quase parecem brancas, longas asas, as gaivotas omnipresentes, na praia, nos lagos, junto às casas, nas igrejas, dir-se-ia que esta é a terra das gaivotas. Não estranham as pessoas, não se inibem.
Vivem em liberdade, fazem o que querem, brancas e descansadas ao sol do sul. Mergulham, esvoaçam, brincam, nadam, dançam, repousam, contemplam.
A cidade tem pouca gente, é bom andar por aqui nesta altura. Dos veleiros saem homens tisnados que se sentam, ruidosos, bebendo cervejas, rindo. Por vezes, vêm mulheres com eles, igualmente tisnadas. Ao nosso lado, a jantar, uma mulher louríssima, muito bronzeada, toda vestida de branco e com unhas em verde brilhante como escamas de sereia.
Muitos alemães, ingleses, franceses. Sobretudo terceira idade. Mas não só. Mas nada que se compare com Julho ou Agosto. Agora a cidade está por conta das gaivotas.
Queria apanhá-las a voar sobre o branco casario mas tão alegres e velozes andavam, fazendo danças e rodopios pelos ares, que não consegui. Só as apanhei assim como aqui as vêem, deslizando feitas cisnes, banhando-se feitas patas, brincando feitas crianças ou empoleiradas feitas cegonhas.
E eu caminhei rente à água, li, preguicei, vi o pôr do sol dourando os rochedos, o azul das águas e do céu reflectindo-se no ar que eu respirava. Vivo num país tão diverso e tão lindo.
Depois, entreguei-me àquele injustificável hábito que mantenho desde menina: apanhar conchinhas. Não resisto. Acho-as tão lindas, tão perfeitas, peças lindas que o mar esculpe, brilhos e tons tão subtis, umas com superfícies nacaradas lisas como seda, outras com pequenas formações como se sobre elas se tivessem alojados outros pequenos seres.
Escuso de dizer aquilo que já se sabe: o meu marido pergunta para que ando eu a apanhar conchas, se é para ele as deitar fora algum tempo depois.
Zango-me, não quero que deite fora as minhas conchas. Mas depois não digo mais nada pois penso que, se ele não o fizesse, onde poria eu conchas apanhadas ao longo de anos?
Para preservar a memórias destas peças tão lindas, quando chego, ponho algumas em cima da blusa que vou vestir à noite e fotografo-as, tão bonitas. Um dia tenho que fazer um quadro com conchinhas e pedrinhas e restos de corda e espelhos e o som das ondas e dos gritos das gaivotas.
A ver se acho ou, se não achar, se compro a concha de um búzio, daquelas que, se lhe encostarmos o ouvido, escutamos o rugido do mar. Talvez, tendo a concha de um búzio comigo, suporte melhor a distância do mar quando, na cidade, estiver num lugar onde as janelas não se podem abrir e de onde não me chegam os sons da rua.
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No meio de tanto azul, vi há pouco, na televisão uns quantos betinhos e beatinhas, convenientemente pintados de amarelo, com crianças a fazerem umas coreografias e outros a actuarem, de cartazes em punho e muita mobilização dentro deles.
Parece que uma espécie de instinto revolucionário se apoderou deles, andam eufóricos. Mas, pensando melhor, o que dá mesmo é a ideia de que uma força organizativa poderosa os anda a apoiar - ou melhor: a manobrar (a JSD, a JC e a Igreja em promíscuo conúbio?) - e, quequemente, querem, porque querem, que o zé povo suporte, com os seus impostos, as mordomias a que se acham com direito. Querem, porque querem, poder escolher o que, na cabecinha deles, é a 'melhor escola'-
Podem ter, lá na rua, uma escola pública mas não pessebem puque é ke hão ter que ir estudar com os pobrezinhos se podem ir para um colégio supé bom só pa eles. Parece que o senhor cardeal acha que eles têm supé razão e que a madame cristas também não pessebe puque é ke não fecham antes as escolas públicas. E, como as televisões gostam muito de fuzué, estiverem montes de tempo a mostrar aquela supé manifestação, podre de grande.
Ora eu, numa de indignação, poderia dizer-lhes: a pata que os pôs! mas, dado estar na terra das gaivotas, até fico sem jeito de dizer isso. Mas, como acho que eles não precisam de ajuda para se enterrarem ainda mais e, de resto, até já se pintaram de amarelo, acho que não preciso de dizer nada. O ridículo de qe andam a cobrir-se se encarregará de os pôr na ordem.
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Lang Lang interpreta um sonho de amor: Liebestraum de Liszt
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma belíssima semana a começar já por esta segunda-feira.
Saúde, afectos, alegrias e dinheiro para os gastos - para todos quantos me lêem.
E mais outra. Isto de estar num retiro em que praticamente não vejo televisão (e agradeço as dicas, meus Caros Leitores, sei que poderia subscrever cabo por satélite, mas é que não queremos mesmo, não consideramos que o pouco tempo que cá estamos a ver televisão justifique uma assinatura com custos fixos mensais) tem o seu lado positivo.
Ou vê-se o que há e fica a conhecer-se a indigente oferta dos canais generalistas, ou desliga-se, lê-se, ouve-se música, uma paz. E o que tenho dormido? Acordo tarde e a seguir ao almoço deixo-me outra vez dormir. Dá ideia que o meu corpo, volta e meia, precisa de fazer reset. Que descanso.
Portanto, conforme referi no post abaixo em que falei das parangonas que apenas vi de través a propósito do rangélico Assis (que, num relance, me pareceu despeitado e a ranger os dentes à má fila), quase não sei a quantas andamos. E, do pouco que espreito, logo concluo que não estou a perder grande coisa.
Mas no outro dia, na televisão, assisti a uma conversa que me deixou a pensar. Ele há riscos que se podem correr e que, se calhar, as pessoas nem estão bem alertadas. Vão em cantigas e depois ainda se metem em sarilhos. E, então, eu aqui que sou toda fervorosa do serviço público e que, de boa vontade, me disponho a prestá-lo, cá estou a lançar os avisos que a comunicação social deveria lançar mas não lança.
O tema, nada de enganos, não tem a ver com aquela velha questão metafísica para a qual a ciência ou a filosofia ainda não conseguiram encontrar resposta: Does size matter?
Num outro fórum talvez a questão pudesse ser debatida e eu não sou de me furtar às discussões mas faltam-me aqui arguentes para me darem luta e, portanto, não me detenho nessa questão (com que me parece que são sobretudo as pessoas com falta de assunto que se entretêm) -- e passo directamente ao tema que aqui me traz.
A questão é que, no outro dia, vi o 5 para a Meia Noite com a Marta Crawford. Tinha lá, como convidado, o Dr. Biscaia Fraga, cirurgião plástico. Como estava a escrever no blog, não estava a prestar muita atenção. Mas, às tantas, percebi que ele contava que há muitos homens a procurá-lo para mudarem o aspecto e as dimensões do pénis, que nem ele se tinha apercebido da importância que isso tem para os homens. Pareceu-me que essa sua especialidade se vem tornando um hit: aumento peniano, aumento este que não é coisa qualquer. Leio no site: aumento tridimensional.
Referiu que, às vezes, a coisa não tem bem a ver com o tamanho do dito cujo, ou seja, que alguns têm é muita gordura na zona circundante e que basta tirá-la para a pilinha aparecer.
Mas não é sobre isso que aqui estou a prosear que isso seria tema de interesse demasiado exíguo para o meu gosto.
A questão é que, diz ele, agora a coisa já não funciona tanto à força de implantes, que agora é mais tirar de um lado para pôr onde falta. Por exemplo, se a zona abdominal está carregadinha de gordura, pois tira-se de lá e aumentam-se nádegas, maçãs do rosto, lábios, seios. Este exemplo no caso das mulheres (ou, até, quem sabe?, de homens que preferem parecer menos viris; veja-se o ex-conde José Castelo Branco, todo com maçãzonas do rosto, beiçolas iguais às da Srª Dona Lady, glúteos redondinhos como os de uma patinadora no gelo).
Não sei como é que isso de passar gordura de um lado para o outro se faz, se tem que se abrir mesmo, corta e cose, ou se pode funcionar em regime de transfega pelo sistema dos vasos comunicantes, uma mangueirinha da barriga para os lábios, até os lábios estarem bem insuflados. Mas adiante, que esse não é o tema.
O ponto é este. Diz o senhor doutor Biscaia Fraga que algumas senhoras o procuram a dizer que voltaram a ganhar peso mas que já não engordam no pneu, como antes, mas, sim, nos peitos. Simples, explica ele: pois se passou as células adiposas para os seios, agora quando engorda é lá que se nota. Elementar.
E, então, eu fiquei a pensar. Vá que um cavalheiro acha que tem um penisinho muito pininim e que vai ao Dr. Fraga pedir para lhe passar um bocadinho de enxúndia da pança para o pequeno membro.
Sai de lá todo contentão, Uau, que grande péni que eu agora tenho, agora, sim, posso ir à luta!
(Digo assim porque há pessoas que dizem téni, como singular de ténis e, portanto, também devem referir-se ao coiso como péni)
e assim anda, durante algum tempo, todo deliciado ao espelho, Ai, coisa tão grandiosa. Nem preciso de falar que ele fala por mim, é tão eloquente...!
Mas vá que um dia se desleixa e volta a engordar e, com estupefacção, vê o seu mais que tudo, o menino mais lindo do papai, o penão, transformado numa bola gorda, numa bigfat ball, uma bola de ténis humana XXL, quiçá até de rugby. Já se imaginou tal desconformidade...? Credo.
Portanto, Caros Leitores do sexo masculino, caso andem descontentes com a configuração, esbelteza ou comprimento do vosso pirilau não vão na conversa de o enxertar com células adiposas porque, caso dêem em engordar, nunca se sabe onde é que a coisa poderá ir parar.
Pergunto. Só pergunto. Mas não me admirava nada. Ele e a Miss Cambalhotas Leite*, os dois de mão dada, a defenderem os subsídios aos colégios mesmo havendo escola pública disponível na zona. Não me admirava nada.
Não li nem ouvi a entrevista do dito, nem é criatura que me desperte pitada de interesse. Francisco Assis, do que lhe conheço, é daqueles seres inconseguidos que queriam ser mas não são, queriam que gostassem dele mas não gostam, queriam que o escolhessem para qualquer coisa mas não escolhem. Se ainda houvesse a moda de uns irem buscar outros para dançar e fosse ao contrário, as mulheres a escolherem os homens, o Assis seria daqueles a quem mulher alguma ia buscar. Não tem graça, não tem sentido de humor, é um maçador, e, para além disso, dá ideia que não consegue tirar um pé do chão.
Talvez por isso, sempre que pode, vinga-se.
Ora, como a comunicação social que temos (especialmente a que pertence ao redil do militante nº 1, o datado Balsemão; mas não só, porque ninguém lhe quer ficar atrás, namely o DN ou o Observador ou as televisões papagueadoras), não faz outra coisa senão andar a ver se desencanta múmias, mesmo que paralíticas, para andarem a dizer mal do governo do António Costa, dando primazia aos dissidentes e amarelos, eis que o Assis, todo contente, logo se prestou ao número.
Assis: É "uma deturpação da realidade" dizer que Passos é neoliberal
Do que vejo nos títulos e parangonas, disse mal do governo do Costa e, de caminho, disse que, bens vistas as coisas, o Passos Coelho não é neo-liberal e que, que ele saiba, as vacas não voam. Boa, Assis.
E o Cavaco, conta lá: um estadista do melhor que há? E a Maria Luís, é meu, diz lá: uma nobelizável nas finanças?
Ai, Assis, Assis, a que triste figuras te prestas, rapaz... E para quê? Julgarás que te tornarás mais amado....? Não. Não penses nisso. Roma não paga nem jamais pagará a traidores. Se bem que tu, a bem dizer, não é bem traição, pois não?, é mais uma descontrolada pirraçazinha, uma vingançazinha mal atamancada, um descontrolo emocional, talvez até um excruciante ataque de rangelite, uma histeria contida que de vez em quando se manifesta, um padecimento recorrente, uma coisa assim nessa base. É isso, não é, ó Assis? Vá, confessa.
Em qualquer época ou regime há sempre personagens destas. Ressabiados, despeitados, padecendo de dor de cotovelo ou de corno, eis que desfilam a sua prosapiosa figura à espera que alguém lhes dê palco. Mas, enfim, dão bons personagens literários ou de filmes cómicos, mas hélas, não ficam para a história. Temos pena, Assis.
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* Já agora, por falar na Miss Manuela Cambalhotas Leite, permitam que vos mostre a Senhora numa intrépida manobra acrobática (e daqui agradeço ao Leitor que me enviou o link)
As cambalhotas de Manuela Ferreira Leite sobre a Escola Pública, os contratos de associação e as ideias que (alegadamente) já não tem idade para mudar - mais uma produção de Luís Vargas.
É assim, em épocas de mudança aparecem sempre anedotas destas, de um e outro lado das trincheiras.
Por isso, suas mentezinhas perversas, façam-me o favor de não se porem para aí a conjecturar que isto é alguma indirecta para o distinto deputado amarelo -- digo europeu, sorry.
Vivendo intensamente o dia a dia de uma realidade completamente urbana, é sempre com impaciência que não vejo a hora de fugir da grande cidade na qual me esforço por não me esgotar. Nem é tanto a actividade profissional passada entre reuniões e vivida em climatizados e modernos escritórios, que a isso mal fora que ainda não me tivesse habituado: é sobretudo o ambiente permanentemente condicionado, é o trânsito, é o não dispor de tempo útil, à hora do sol, para estar perto da natureza.
Por isso, de quando em vez, dois ou três dias encostados ao fim de semana (mesmo um já é bom), permitem-me entrar no país e percorrer os caminhos das serras, os rios, as águas espelhadas, as árvores que se erguem nas encostas ou se debruçam nas águas.
Desta vez os caminhos levaram-nos até ao miolo do País: a Sertã e terras circundantes.
Várias vezes já andei por estas bandas e de algumas já aqui dei conta. Mas uma pessoa pode andar por uma região e dedicar-se às aldeias de xisto, ou às praias fluviais, ou às barragens ou a algumas terras em concreto e, de cada vez que volta, percebe que inexplicavelmente nunca tinha estado em lugares tão belos que parecem de sonho e não de verdade.
Ou então é uma outra coisa: é este prazer de ver tudo como se fosse a primeira vez, sempre descobrindo uma beleza muito primitiva, muito original.
Se sinto um encantamento pelo ambiente de floresta, por aquela sombra fresca das árvores, por aqueles cheiros que se misturam, por aquele ambiente quase morno que me faz ter vontade de me adentrar por lá, para andar sem pressa, sem tempo (e sem medo de me perder), tenho também uma atracção quase animal pela água. Onde veja uma serrania, logo procuro o vale, logo tenho vontade de descer, descer até onde as águas correm. E desço, desço até estar rente à água, até onde as árvores se despem para mergulharem raízes e troncos no leito farto dos rios.
Depois retomamos a estrada e eu contemplo a luz que se reflecte nos espelhos, e contemplo as cores, as flores, a moldura elegante das serras em volta.
Almoçámos na Sertã. E permitam que divulgue onde. Já sabíamos ao que íamos: Restaurante da Ponte Romana, mesmo em cima da água. E permitam que divulgue também o que almoçámos e o custo do que comemos. Há uma coisa que adoro: bucho e maranhos. Por isso, claro está que escolhi um misto de maranho e bucho. O meu marido escolheu feijoada. Havia meias doses e doses completas. Contudo, dado o preço, ele receou que a comida não fosse muita. Por isso, pediu meia de feijoada para ele e uma dose inteira do misto, para também comer.
Pois vos digo que sobrou, claro. A feijoada estava deliciosa, a carne muito macia, tudo muito no ponto, pouco puxada, mesmo boa. E o bucho e o maranho, minha santa, que bom. Tudo muito bem servido. E com direito a uma deliciosa salada, daquelas em que a alface sabe muito bem, a cebola não é agreste, tudo bom. Pois bem. A meia dose da feijoada custou 3,5€ e a minha dose inteira de misto custos 6€. Para quem come toda a espécie de coisas mal paridas a valores altos, uma refeição destas é um verdadeiro manjar dos deuses. E isto num restaurante sobre as águas, a música da água a correr em fundo, uma vista linda (corresponde às duas primeiras fotografias). Custa a acreditar mas é verdade.
E depois por ali andámos, descendo até à Foz, parando aqui e ali, nomeadamente em Trízio, vendo o elegante voo das grandes aves de rapina que atravessam os grandes espaços, espreitando as paisagens.
Depois até Cernache do Bonjardim. Aí, à entrada, numa estação de serviço, fiz uma pergunta que gosto de fazer para perceber o que é que os 'locais' valorizam: 'o que há por aqui de bonito, que recomende que eu visite?'.
A resposta foi surpreendente: 'Ai querida... por aqui... não estou a ver... não há assim nada... Olhe, há o Lar da Terceira Idade mas isso acho que não vale muito a pena lá ir... também há uma loja ali mais na entrada... mas se calhar não... olhe, querida, uma coisa que se calhar vai gostar é a gruta no Seminário, experimente pedir ao Pde Amadeu que a mostre... a Nossa Senhora... só se for isso...De resto, não...'
De facto, mesmo na vila não haverá muito a ver. Fui visitar a Igreja, muito bonita. Fico sempre surpreendida com a riqueza da arquitectura e arte sacra um pouco por todo o lado no país.
Já a Igreja do Seminário não tem muita graça, é estranha. Nem é por ser simples, talvez austera, acho que é mesmo destituída de alguma graça. Nunca me tinha acontecido isto numa igreja: ficar-me pela porta e ter logo vontade de me ir embora.
Mas depois, ao irmos na estrada, vimos a indicação de uma ermida no alto de um monte: S. Macário. Lá fomos.
E o que de lá se vê é estarrecedor de tão lindo. Nós no centro do mundo, serranias a toda a volta, um horizonte circular que se desdobra em montes que se vão esfumando com a distância, um rio correndo pelos vales. E lá em cima eu pensei: 'Como é possível que a Senhora da Estação de Serviço não me tivesse dito que uma coisa não poderia eu perder de jeito algum: o Monte de S. Macário?' Com um lugar de uma beleza tão superlativa ali ao pé, será que os seus habitantes não o veneram? Ou terá sido apenas lapso face a uma pergunta inesperada?
Quando estou num lugar assim, custa-me muito vir-me embora, ando por ali de um lado para o outro, fotografando. Depois olho o que já olhei e descubro novos recortes, uma casinha perdida num desvão do monte, uma claridade que não sei o que é, espreito, aproximo a lente. Maravilhada. Penso sempre que eu viveria tão bem num lugar assim, eu isolada no meio da natureza, contemplando diariamente a majestade original do planeta, este nosso cantinho aqui tão pequeno, um insignificante rectângulo que a Europa parece empurrar para o oceano e nós aqui resistindo, com as nossas montanhas tão belas, fortalezas inexpugnáveis que nenhuma civilização ainda conspurcou. Este ar tão puro. Estas cores tão limpas. O tempo que aqui é tão generoso, que contempla connosco aquilo que existe para além dos tempos.
Mas viemo-nos embora, tinha que ser.
No entanto, ainda outra paragem. O nome não nos era estranho. Talvez já aqui tivéssemos estado. Mas vamos lá. Afinal, que nos lembremos, não. E um lugar assim não se esquece. Tão belo também. Pensei que aqui, numa casa aqui, debruçada sobre o rio, protegida pelos montes, eu podia viver, escrever, bordar, pintar.
Dornes. Um lugar que quase diria mágico. Se eu me pusesse a ficcionar um lugar por onde eu andasse perdida pelos montes, onde depois descesse até às águas, onde visse o nascer e o pôr do sol, onde ouvisse o canto dos pássaros, onde me deitasse no chão, na terra, a sentir a aragem nas folhagens ou a sentir o sol na pele á beira do rio, ou onde me deitasse nua na varanda nas noites de lua cheia, seria num lugar assim. Dornes.
É uma terra pequena, de ruas empedradas que vão até ao rio, que sobem até à torre. Mas, senhores, que terra é esta que eu não conhecia e que é tão linda?
Numa casa vi este pequeno painel de azulejos que achei uma graça. Tenho uma visão bucólica e idílica destes lugares mas, para quem lá vive, imagino que possa ser opressivo. Todos se conhecem e daí até à crítica intimidante pode ir um pequeno passo. Talvez por isso o destaque dado à 'inveja'.
Vi que o Cavaco também por lá andou, o que muito me surpreendeu. Se tivesse lido que, já no decurso do seu mandato, o Marcelo já lá tinha estado, não me tinha admirado. Agora que a múmia do Cavaco se tivesse dignado a estar presente em Dornes achei surpreendente. E que tivesse estado para assistir à antestreia de um filme cómico lá rodado, Dot.com, ainda acho mais extraordinário. Mas, enfim, talvez um dia descubra a agenda secreta do ex-Cavaco.
E dali iniciámos o caminho de regresso.
Claro que os lugares me retêm, temos que parar muitas vezes, um troço de floresta que é muito bonito, um tronco de árvore que é de especial elegância, umas flores que nascem brancas ao pé de umas rochas que se puseram também brancas e que inserem um apontamento de inesperada alvura num ambiente cinza, castanho e, sobretudo, verde,
ou até uma flor especialmente vibrante a que um insecto guloso não resiste como eu não resisto a tudo o que é simples, genuíno e belo.
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Enquanto andávamos pela serra, a rádio na Antena 2, tocou Espelho no Espelho, talvez a música que aqui no Um Jeito Manso já teve mais encores. Espelho no espelho. Alguém que se revê na imagem de outro que se revê na imagem do primeiro, a árvore que se vê na água ou o reflexo que olha a árvore, alguém que pensa os pensamentos do outro que pensa os pensamentos do outro. Enquanto por ali andava a ver as árvores, a sombra fresca, os cheiros íntimos da terra desejei que a música não acabasse. Ou que não me esquecesse de aqui a ter enquanto vos mostrava as fotografias destes lugares tão bonitos, mesmo no centro de Portugal.
Lá em cima Filipe Melo · Ana Cláudia Serrão interpretam Spiegel im spiegel de Arvo Pärt
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Permitam agora que vos convide a descerem até ao post seguinte para lerem o comentário do leitor Fernando Ribeiro no qual ele refere a importância que o seu blog teve na forma como ultrapassou uma luta tramada contra o cancro, luta que felizmente superou.