This light holds so many colours
Rodrigo Leão
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Já aqui hoje o referi na resposta a comentários. Começo a contar histórias para adormecer, sussurrando, e, passados uns minutos, já estou a bocejar, perdida de sono, eu. Ou, então, é-me pedido que dê continuação a uma história anterior e sei lá já eu que história inventei antes...!
Ou, então, as histórias dão vontade de rir e em vez de ficar com sono, ele fica é perdido de riso.
Hoje queria a do comboio. Não fui lá de maneira nenhuma. Ou não é essa...! ou mas essa não é continuação da outra...! E, então, inventei uma história de outro comboio, a do comboio maluco que não obedecia ao senhor condutor e mal este se distraía, saía dos carris e ia para onde lhe apetecia, causando a maior confusão em todo o lado. O senhor lá ia conseguindo mantê-lo obediente mas, quando chegava aos túneis e às serras, o comboio maluco, todo ele se ria e começava a trepar a serra, andava pelos caminhos de terra, no meio das árvores, ou então começava a andar às voltas, feito doido, e andava tão depressa, tão depressa e sempre à volta, que se elevava no ar como se fosse um helicóptero. As pessoas que iam lá dentro ficavam todas atordoadas, todos com os cabelos no ar e os olhos em bico. O senhor condutor teve que o pôr de castigo para ver se ele ganhava juízo.
E depois havia um cão também muito maroto que não obedecia ao dono. O dono dizia sempre para ele não se meter nas poças de água da rua mas ele não ligava e metia-se mesmo. Um dia, numa grande poça de água ao pé de uma escola, resolveu ir tomar um banho e rebolou-se naquela poça de água. Quando chegou ao jardim e foi para o pé dos amigos cães, estes, em vez de ladrarem, desataram a rir e a rebolar à gargalhada, relva abaixo. O cãozinho não percebia o que se passava mas eles nem conseguiam ladrar para lhe explicar, só riam. No dia seguinte o cão maroto fez a mesma coisa, foi tomar banho na água da poça ao pé da escola e depois foi para o jardim. Os amigos cãezinhos tiveram a mesma reacção, até choravam a rir, com as patas agarradas à barriga de tanto rir. Até que apareceu um gato sisudo e lhe explicou. Tu vais tomar banho ao pé do sítio onde os meninos da escola lavam os pincéis sujos de tinta e, por isso, ontem apareceste aqui todo amarelo com riscas azuis e hoje estás cor de rosa às bolinhas verdes...
Quando cheguei à terceira já estava com tanto sono que só disse, Era uma vez um gato chinês que tocava piano e falava francês. Era uma vez uma galinha chinesa que tocava guitarra e julgava que era francesa.
Ele riu-se mas quando viu que eu, perdida de sono, já estava a bater em retirada, protestou, mas isso não é uma história...
Lá lhe expliquei que já sabia que a terceira história tinha que ser pequenina para ele ficar a pensar em como haveria de lhe dar continuação.
Passado um bocado, eu a pensar que ele já dormia e, afinal, a chamar-de de novo, voz já um pouco ensonada: Estive a pensar que afinal acho que não são três histórias, são quatro... Por isso ainda falta uma!
Achei que mais valia ser eu a capitular e lá saíu a do coelho branco com uma orelha preta.
Depois, já perto das onze e meia, chamou-me de novo, Eu estou um bocadinho triste porque hoje o dia não correu lá muito bem... Eu há bocado queria falar mais com a mãe e tu tiraste-me o telemóvel... Lá lhe expliquei que só foi para dar um recado à mãe e que depois devolvi logo. E ele disse Então está bem. Gosto muito de ti. Boa noite e dei-lhe mais um beijinho e lá caíu, finalmente, a dormir o sono dos justos. Tinha dormido, à tarde, uma longa sesta pelo que agora à noite ainda estava sem sono.
Foi outra vez um dia e tanto que meteu cinquenta mil coisas, uma alegria, e de tarde, a seguir à sesta, de novo com os primos.
A prima está cada vez mais orgulhosa, mais temperamental e, pior, toda dramática. Quando contrariada, fica ofendida, toda ela numas poses de grande desgosto, tragédia grega. Hoje queria comer sozinha um iogurte mas estava de pé, com o iogurte numa mão e a colher noutra e, ao segurar nele, inclinava-o e quase o entornava. Na melhor das boas intenções, tirei-lho da mão para a convencer a sentar-se para ter mais estabilidade. Ficou ofendida, tapou a cara como se nem suportasse a coisa, toda ela lavada em lágrimas, grande drama, e depois recusou-se a voltar a pegar no iogurte, deixou de me falar, ignorava-me, eu falava com ela e ela ficava como se nem me ouvisse. Até que, mais tarde, às escondidas e com a promessa da mãe que ninguém ia saber que estava a comer o iogurte, lá o comeu.
É ultra feminina, faz umas poses muito femininas, gosta de roupas, de malas, de sapatos (e gosta de livros! e gosta de histórias! e gosta de números! - ou seja, e explico para os que ainda não perceberam: pode ser-se muito feminina e, ainda assim, não se ser desprovida de neurónios).
E tem uns olhos lindos, lindos, lindos.
O mais crescido e a sua prima simpatizam muito um com o outro. Há bocado ela queria sair da cadeirinha onde estava a comer. E dizia 'meu pé, meu pé' porque estava com o pé preso. Mas o primo percebeu que ela queria era ver o bebé. E então, mal ela saíu da cadeirinha, foram os dois para onde o bebé estava no berço. Passado um instante tempo o meu filho foi ver o que estavam a fazer e já estava o primo a pegar nela para a pôr em cima duma cadeira para ela poder espreitar o bebé. Tudo se passa sempre no espaço de instantes.
O bebé (faz esta sexta-feira 4 semanas), felizmente, por enquanto, ainda é muito bem comportado (excepto se lhe dá a fome ou alguma dor de barriga).
Hoje o ex-bebé, e que é o pior de todos, não esteve cá. Esse, ontem à noite, quando viu frango assado, marimbou-se para a sua comida, mas completamente, e até dava saltos para pedir frango. Pus-lhe arroz, tomate e frango assado e comeu como se não houvesse amanhã, até fazia barulhos de prazer, parecia arrulhar, tamanha era a alegria. No fim até levava o prato à boca para lamber os últimos bagos de arroz. Não tem maneiras. Mas como é completamente independente e só quer comer sozinho e ainda nem ano e meio tem, é difícil ensiná-lo já a ter bons modos à mesa.
Mas que não fiquem vocês a pensar que são sempre uns pimentinhas terroristas. Nada disso: também têm os seus momentos de curtição musical e recolhimento literário.
Estivemos juntos até à noite, e, aí, estiveram na varanda a ver o rio, os navios iluminados, e o que são as luzinhas brilhantes? referindo-se às luzes do lado de lá e depois, com binóculos, ele a ver se descobria onde estava o Saturno e ela, numa excitação, e a lua, a lua, a lua!
E à noite o rio fica negro mas, onde se reflecte a lua, fica um rasto de luz branca.
E o céu estava também negro e a lua, a lua!, a lua!, era um círculo branco, prateado, com pequenos pontos de luz e eu, maravilhada, fotografei-a uma vez mais e tudo, nestas alturas, é mágico, tudo parece um cenário feliz de conto infantil.
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Tenham, meus Caros Leitores, uma sexta feira muito feliz.
Agosto está a chegar ao fim. Aproxima-se um mês que costuma ser doce - e tomara que este Governo, feito de gente que cada vez mais se revela incapaz e desqualificada, não o torne amargo.