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segunda-feira, março 02, 2020

Santa Comba Dão -- a surpresa das surpresas






Os tanques de lavar a roupa com a água do rio

Ontem falei. Imaginava uma terra de casas escuras, sem flores, sem ponta de graça, tudo gente mumificada em casas quase abandonadas e lúgubres. A minha filha ajudou-me a definir o que eu imaginava: uma terra austera. Mas era pior que austera, o que eu imaginava.
Quando penso que não sou preconceituosa, sou confrontada com o meu absurdo preconceito. Sou preconceituosa, sim, e da pior espécie, da espécie que ignora que o é.
Até hoje nunca tinha sentido qualquer vontade de visitar Santa Comba. Mas nem eu nem o meu marido. Era como se, sem ser necessário verbalizá-lo, achássemos que o espírito do velho das botas -- o supremo beato da voz de cana rachada, o sinistro parceiro da D. Maria, criadora de galinhas em S. Bento, santo patrono da PIDE e apascentador de visõezinhas cinzentas e pequeninas, grande fomentador do permanente atraso de vida, do crónico sentimento de culpa e do medo da liberdade, fascistazeco de trazer por casa -- vivesse ainda por entre casas sombrias e para sempre tocadas pelo venenosa baba do dito.

Passámos, pois, sempre ao largo.

Mas ontem, estando a passar perto, sugeri: vamos lá espreitar.


E em boa hora o fizemos. Que surpresa. Uma preciosidade, uma beleza, uma pérola florida, chilreante de água. 

Por aqui tem chovido que deus a dá. Por isso, ontem, descuidadamente sem chapéu de chuva, a meio do passeio a pé, tivemos que correr para o carro. Mas o que vimos, fez-me sentir pena.

Porque é que nunca eu tinha ouvido dizer que esta terra é tão bonita? Mas bonita, bonita mesmo. Será que, tal como eu, há mais gente presa a preconceitos, sem vontade de ir conhecer? Ou será que quem lá vive ou conhece o segredo da sua graça, se envergonha de mostrar orgulho? É que parece uma heresia daquelas de que qualquer pagão ou santo se deveria arrepender. Morar aqui deve ser um privilégio. O som da água, dos passarinhos, a tranquilidade do lugar só pode ser uma benção. Quanto ao espírito ruim do velho das botas pois que se dane ou descanse em paz, tanto faz. Já era. Saltemos a pés juntos em cima da lembrança dele, sempre que tal se nos ocorra, para que nenhum outro vírus da mesma estirpe volte a atentar o nosso juízo. E abençoemos a beleza desta terra que não tem culpa nenhuma de quem lá nasceu.


De resto, parece que não foi bem em Santa Comba Dão mas no Vimieiro, outro lugar abençoado de que daqui a nada já falo, que o sinistro rato de sacristia nasceu. Mas tanto dá. Era o que faltava que um rato merdoso pudesse destruir a beleza do lugar que o viu nasceu. Não pode.

Portanto, viva Santa Comba Dão.


A terminar e num àparte. Quando estava a andar e a fotografar, reparei como dois prédios estavam tão inacreditavelmente juntos. Quase que de um, estendendo o braço, se poderia tocar no outro. Apontei e fotografei. O meu marido disse 'a senhora não deve ter achado graça nenhuma a que a tivesses fotografado'. Fiquei espantada. Míope como sou não tinha visto senhora nenhuma mas fiquei arreliada comigo mesmo. Coitada da senhora, estava na sua vida e passa uma qualquer na rua e fotografa-a. Contudo, à noite, ao ver a fotografia, verifiquei que a senhora sorriu para mim. Tivesse eu reparado nisso e tê-la-ia cumprimentado. Coloco aqui a fotografia ou, melhor, a ampliação da parte da fotografia em que se vê a senhora (como a ideia foi fotografar os dois prédios encostadas, a senhora, na fotografia original, é quase um pormenor no infinito) como forma de retribuir o seu simpático sorriso. Muito obrigada.


Até já, no Vimieiro.

quinta-feira, agosto 22, 2019

Obviamente contra, absolutamente contra, um museu Salazar.



E mais nada a dizer a não ser que:
Contra.
Absolutamente contra.
E que todas as vozes se levantem contra.
Ou que façam uma lei a dizer que, para todo o sempre, contra.
Ou que o Marcelo não o permita.
Ou que se forme um cordão de gente em volta a impedir.
Um museu Salazar nem na terra do nunca.
Nunca.
O Salazar deve continuar morto e enterrado.
Nem museu, nem armazém, nem buraco, nem catacumba.
Não dar o nome dele a nada:
Nem a morgue.
Nem a doença ruim.
Nem a bicho peçonhento.
Zero.
Bola.
Nunca.
Jamais.
E nem precisa de explicações.
Não porque não porque não porque não porque não.
Ponto.
Final.


terça-feira, fevereiro 26, 2019

Poderia. Mas não.





Poderia falar de como é bom, em dia luminoso, o calorzinho pré primaveril na bela cidade. E como são lindas, tão suaves, as cores que andam no ar. E como dá vontade de embarcar nos grandes navios deslizando no rio.  Ou nos veleiros brancos e silenciosos. E como é bom que nos deixemos estar, embarcando neles apenas o nosso olhar.


Poderia falar de como, apesar da pressão turística, ainda há enormes prédios abandonados nas melhores avenidas. E como são tristes os prédios grandes abandonados. Poderiam transformar-se em residência de artistas, em casas para jovens, em residências universitárias, em residências assistidas para idosos de fracas e médias posses. Mas, se calhar, vão ser hotéis.

Ou poderia falar de como começam a aparecer, nas empresas, movimentos reivindicativos atípicos, orgânicos, com os quais as estruturas tradicionais não sabem bem como lidar. E do medo que causam. Sem rosto, sem contornos. Um medo difuso.


Poderia falar também da casa de Salazar que vi na TVI. Abandonada, as coisas do ditador, do atávico campónio que arrastou o país para o coitadismo, para o remediadismo, para as galinhas no quintal para mostrar como é bom ser poupadinho. Poderia falar de que de nada lhe serviram os pides a guardar a rua, a prender e torturar os outros. Poderia falar do relógio na parede, parado, para sempre parado, e dos livros a desfazerem-se. O ditador que caíu da cadeira e acabou sem saber que já não era nada. De nada lhe serviu tudo o que fez. Agora ninguém quer saber de lhe preservar a casa, as malditas memórias. Poderia dizer que ele deveria voltar por um instante para ver que ninguém lhe sente a falta e que todos lamentam os anos de desenvolvimento e abertura ao mundo que roubou ao país. Poderia dizer que os piores são sempre os apertadinhos, como apertadinho era o Salazar, bem governadinho pela zelosa D. Maria.

[Nota: Desagradável, contudo, a imitação da voz do ditador na leitura da carta e do poema; banaliza-o. E vultos nefastos não devem ser banalizados]


Ou poderia falar de Neto de Moura, mais um dos juízes que parece ter saído das cavernas. Poderia falar em como é perigoso estar a justiça nas mãos de parvos encartados. Poderia falar que é assustador pensar que há mulheres que são vítimas de estafermos destes. Ou poderia falar de como é assustador pensar que há mais juízes como este. Ou como estarão desprotegidas as mulheres que caiam nas malhas de justiceiros destes a quem, pelo que se vê, não há quem tenha poder para os mandar de volta para as cavernas.

Mas falta-me a verve na conta e medida requeridas. Vou antes pregar para outra freguesia ou, melhor, tirar a minha viola do saco e tocar música para algum incauto que por mim ainda  se deixe embalar.


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E tenho dito. Abaixo há vestidos para despir e há um momento de química aplicada.

sábado, outubro 24, 2015

Está na hora de ir para casa, Sr. Cavaco Silva. Não desestabilize mais o País, não afronte mais a democracia portuguesa que custou tanto a conquistar, não inquiete os seus queridos 'mercados'. Go home, Mr. Aníbal, go home.
[E O processo de apagamento em curso - do brilhante FF- e um cartoon da Cristina]






Parafraseando um Leitor, regressei à superfície. Não ouvi o Cavaco (nem tenciono ouvir, que não sou masoquista) nem tão pouco li o que a pacóvia personagem disse. 

O que sei é do que me contaram e das reacções que li agora nos jornais online ou na blogosfera. Ouvi também, há pouco, parte do discurso do Ferro Rodrigues, na qualidade de Presidente da Assembleia da República. Foi eleito por uma maioria de votos, como sempre acontece quando há votações: por maioria. Felizmente temos uma esquerda que, finalmente, resolveu agir com inteligência, superando o que a desune e unindo-se em torno do que a une. Não sei se esta demonstração prática terá sido suficiente para demonstrar aquilo que, na teoria, os PàFs e o seu padrinho Cavaco não quiseram perceber.


Ouvi também apontamentos das reacções, em fóruns distintos, de António Costa, Jerónimo de Sousa e Catarina Martins. Contudo, todas as manifestações de irritação ou perplexidade face à decisão de Cavaco me parecem algo exageradas.

Confesso: como escrevi no outro dia (para ser publicado ontem à noite), não me espanta a reacção ressabiada e anti-democrática de Cavaco. Sempre assim foi, ele. Tem uma visão distorcida do que é o exercício político (por exemplo, estando há décadas a exercer nefasta acção política continua a achar que não faz parte da classe política portuguesa), não percebe bem como funciona a democracia e parece ter uma visão enviesada da Constituição. Como disse: sempre assim foi - e a verdade é que vai de mal a pior.

Por caridade para com o senhor, seria bom que o pudéssemos pôr em casa para o pouparmos ao nosso desprezo. Contudo, acho que o povo não tem esse poder - o que é uma pena.
A esperança agora está em que algum dos filhos ou netos o convença a que, para não acabar o cargo sob vaias e assobios e visto pelo povo como o pior presidente desta nossa República (para a qual ele mostrou estar a marimbar-se mas nós não), deverá renunciar ao mandato o quanto antes.

Entretanto, Passos Coelho andará a esta hora a ver se consegue alinhavar meia dúzia de patacoadas para fazer de conta de programa de governo (o que, nem isso, deve ser fácil dado que começa a destapar-se o que andou a esconder - nomeadamente a barraca que acabo de ouvir noticiar: a dedução da sobretaxa de IRS afinal não vai ser os 35% que ele e a Pinókia apregoaram durante a campanha eleitoral já que houve uma quebra súbita na colecta fiscal, imagine-se: de um mês para o outro! inesperadamente! por magia!). Deve também andar a ver se consegue arregimentar uma dúzia de figurantes para nos aparecerem como ministros na ópera bufa da tomada de posse. 

Cavaco Silva, com a sua inabilidade e estreiteza de vistas, lançou o país numa situação caricata (em que vai ver o seu pífio poder esboroar-se, sendo criticado abertamente por todo o lado, por toda a gente), numa situação instável, numa situação de nadar em seco - quando, pelo contrário, devíamos era estar a relançar a economia. Mas, ao mesmo tempo, tão zarolhas são as suas atitudes que, querendo atirar a matar na esquerda, o que conseguiu foi dar um tiro na coligação PSD e CDS e, de caminho, ficar com os próprios pés completamente esburacados.


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Ora bem. Não vi nem ouvi a comunicação do Cavaco excomungando os perigosos comunistas e bloquistas da influência política portuguesa mas caíu-me do céu aos trambolhões um vídeo que, consta, lhe serviu de inspiração.

A Sta Padroeira que, parecendo que não, ainda continua a ter alguns devotos


Discurso de Salazar, esse grande estadista, sobre o comunimo



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As imagens que usei para ilustrar o texto provêm, como tantas vezes acontece, do fantástico e inesgotável We Have Kaos in the Garden

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E, uma vez mais (sempre), Ferreira Fernandes assina uma crónica brilhante no DN: 

O processo de apagamento em curso


Cavaco Silva deve ser ouvido pela sua linguagem gestual. 
Quando apontou, esticou o dedo, enfim, indigitou Passos Coelho, entendemos. 
O pior é quando ele fala


(...) Dando-se conta de que talvez não, Cavaco voltou ao boletim. Desta vez, com a parte azul, a mais abrasiva, duma borracha, Cavaco continuou a sua sanha contra aquelas duas linhas malditas. Olhou-nos, outra vez: "E, agora, já perceberam?!" Achando-nos estúpidos, ele insistiu na explicação: com um X-ato, cortou as duas linhas. E com a convicção de que uma imagem vale mais do que cinco pareceres de constitucionalistas mostrou-nos os dois finos buracos em retângulo: os comunistas e os bloquistas tinham sido abolidos da democracia portuguesa. Eu estava num café quando ouvi o senhor Presidente da República. Olhei à volta e foi terrível. Percebi que as pessoas agora nem por gestos entendiam Aníbal Cavaco Silva. Aquilo era um olhar alucinado e poucos viram isso.
Saí do café a matutar na velha e desiludida ideia de que as pessoas só entendem quando lhes batem à própria porta. O abuso cometido, por enquanto, é só um problema "deles", os do PCE e do BE, só 996 872 portugueses, só 18,44% dos votantes, a quem acenaram com um direito que depois rasuraram, mas só a eles. Ninguém, para lá dos comunistas e dos bloquistas, pensou: e se amanhã outro alucinado também me quiser apagar?
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Esquerda com moção única de rejeição ao governo


(Cartoon de Cristina, no DN)
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E estava com vontade de escrever mais qualquer coisa para não acabar o dia com visco salazarento na ponta dos dedos, mas a verdade é que consigo. Estou mesmo perdida de sono. Colocar aqui por baixo algumas palavras ou músicas de jeito seria injusto, iria untá-las de ranço. Por outro lado, para fazer um post novo, estou sem ideias e sem energia. Por isso, com vossa licença, irei retirar-me.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.

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