quinta-feira, maio 20, 2021
Nesta vida, o que é que faz sentido?
segunda-feira, setembro 21, 2020
Uma mulher poderosa encanta-me no dobrar de mais um dia em que tentei (mas não consegui) esfolar um rabo que está pendente e que não se compadece com as minhas beautiful flowers
Tenho cada vez mais para mim que se todos nós, colectivamente, fizermos um esforço para não perdermos tempo com tretas como as lágrimas do populista-achegado ou com outros pseudo-eventos ou com outras pseudo-pessoas-importantes mais depressa essa gentinha perderia protagonismo e melhor saúde mental todos teríamos.
Cheguei aqui, agora, e todas as notícias internas me parecem treta. Pura treta. Não estou nem aí.
Mas, reconheço, também pode ser porque dias como o de hoje me deixam a deitar por fora.
Mas, enfim, pelo menos já trouxe os meus casacos de malha, os meus blasers, as minhas calças. É que a prioridade tinham sido louças, coisas de cozinha, livros, bibelots, candeeiros, móveis essenciais. De roupa tinha trazido sobretudo a de verão, que era o que fazia falta. Mas o outono já aí está e eu já andava sem saber bem o que vestir. Mesmo aqui em casa, quando anoitece e esfria, eu olhava para o guarda-roupa sem saber bem a que deitar mão. E esta semana tenho compromissos presenciais que me exigem que as minhas toilettes anteriores saiam à cena.
E depois há alguns fatos completos de que, embora já me estejam à justa, não quero desistir assim tão facilmente. Aquele elegantésimo e superlativo fato Armani que foi presente do meu marido, que conseguiu acertar com o meu tamanho e que, ousando à grande, sem que eu tivesse minimamente suspeitado de tal ousadia, conseguiu que me assentasse como uma luva -- esse tive que trazer, claro. Ou aqueloutro que comprei em Madrid depois de ter percorrido os costureiros da Serrano e de me ter posto nas mãos de uma bicha fantastique que adivinhava todos os meus gostos -- que conjunto mais lindo, aquele - quando fui a um casamento de sonho em Seteais, esse também teve que vir. Peças assim, intemporais. Não gosto de coisas tchanan...!, gaiteiras, espaventosas, datadas. Prefiro peças que não passam de moda. Ou seja, dessas, apesar de já me caberem à justa, não ia desfazer-me. E quem sabe, um dia destes, alguma das meninas da família não precisa de alguma destas fatiotas para uma ocasião especial?
No fim, quando já não aguentávamos mais -- cansados, desidratados, saturados -- e enquanto o meu marido andava abaixo e acima, ainda varri, passei com a esfregona, garanti que as casas de banho estavam impecáveis, que as luzes estavam apagadas. Fechei a porta e vim. Aquela casa, que era a minha casa de sonho até há pouco tempo, agora já pouco me diz. Quando viro as costas e fecho a porta, o que fica para trás é passado. Apesar de gostar de visitar as minhas memórias, a verdade é que parece que sou toda feita de futuro.
Como já era tarde, encomendámos uma pizza e, a caminho da casa nova, fomos buscá-la, a pizzaria já a fechar.
Depois foi aquela frustração: o hall e o corredor da casa nova uma vez mais atafulhados de sacos, mais coisas para arrumar, eu já sem saber como distribuir as coisas. Na cozinha, algumas peças sem caberem onde faria mais sentido e, claro, a impaciência a ir ganhando terreno. Cansaço e fome à mistura é do pior que há.
Enquanto a pizza foi apanhar um aperto no forno, nós fomos tomar banho. E, com isto tudo, acabámos a almoçar às cinco da tarde.
Não vejo a hora de esvaziar os armários todos, de trazer tudo e deixar a outra casa finalmente vazia para poder usufruir de tempos livres sem ter a necessidade de os anular, sempre a tratar de tudo o que há sempre para tratar. Até porque, quando for vendida, não pode lá ficar nada. O meu filho que, quando saíu de casa, não tece paciência para levar nada nem escolher o que era de guardar ou deitar fora, continua sem paciência para se atirar a isso. Dossiers da faculdade, livros, coisas de computador, sei lá o que para lá ainda há. Hoje, ao abrir gavetas do quarto da minha filha, dei com roupa interior dela. Não a deitou fora e eu não gosto de deitar fora coisas que não são minhas. Hoje aproveitei algumas peças. O resto, que estava ainda em bom estado, pus num saco também para dar.
Na verdade a casa parece quase vazia mas, na verdade também, ainda com coisas que não acabam.
Bem.
Ah, e fiz o jantar em dose XL para dar para o almoço também de amanhã.
E, finalmente, quando o sol estava de fugida, ainda fui para a espreguiçadeira ler mais um pouco. Uma bênção. Uma meia hora de descanso e bem-aventurança.
Depois fiz telefonemas enquanto passeava para trás e para a frente no jardim, fotografando as flores que me trazem apaixonada. Tão lindas, tão perfeitas. Divindades silenciosas.
Mas tudo o que é bom não pode ser em grandes doses pelo que, de seguida, tive que entrar em casa para passar a ferro e sei lá mais o quê.
Portanto, como é óbvio, com este programa de festas, não quero cá saber de minudências e banalidades. E, assim sendo, para aqui tenho estado a ouvir música. Música poderosa, intérpretes poderosos. Em especial uma mulher poderosa. Poderosa em todos os sentidos. A destemida Yuja Wang mostra como se atira a tudo com uma energia que contagia. Mulheres poderosas e, ainda por elegantes e femininas, são uma graça. E um perigo.
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E nada mais a declarar.
Quando voltei ao jardim já a noite vinha descendo. Lá em cima, entre o piar discreto das aves nocturnas, uma nesga de lua. Fotografei-a. Ainda não tinha reparado na lua desde que aqui vivo. Gostei. É uma boa companhia, boa como todas as companhias que são cheias de subtilezas.
sexta-feira, julho 31, 2020
A minha dúvida existencialista a propósito das arrumações
Depois da melancia, não sei o que posso escrever mais pois tenho ideia que é preciso ter cuidado com o que se ingere a seguir, parece que a dita pode encortiçar. Na volta é mais um daqueles mitos urbanos. Mas, por via das dúvidas, tenho que ter cuidado com o que vou dizer a seguir.
No fundo, no fundo, prefiro a simplicidade, os ambientes arejados. Mas o que faço a tudo o que a vida me foi pondo no regaço?
quinta-feira, janeiro 31, 2019
Jardins e suspiros
Tanto trânsito, tantos acidentes. A grande e bela cidade tem isto de mau: muitos carros em circulação. E, quando vem a chuva, vêm os acidentes. Hoje passei por vários. Felizmente, não vi feridos. Num deles, dois carros amachucados e uma mota literalmente desfeita. Impressionante o estado em que estava a mota. Mas não havia ambulâncias, apenas pessoas com coletes, trocando informações. Por isso, porque olho e não vejo sofrimento, não me compadeço. E repare-se que digo que olho não porque me detenha a olhar, empatando ainda mais o trânsito, mas porque, dada a redução de vias, quem conduz não tem outro remédio senão ir a passo. E o que acontece é que uma pessoa, às tantas, só quer é poder chegar ao destino a tempo e horas e já fica é furiosa por não o conseguir, enredada naquele horrível pára-arranca. Quer-se lá saber se é só chapa ou se algo mais, quer-se é passar ao largo e seguir viagem. E digo isto com total franqueza, sabendo que pode parecer insensibilidade, porque a verdade é que tanto tempo perdido todos os dias já nos torna impacientes, indiferentes. E, no entanto, quem se vê metido nesses assados também não tem culpa, não o faz de propósito.
Mas a verdade é que chego a casa, chego aqui ao meu sofá, e só tenho vontade de me evadir. Não consigo falar de temas românticos, não consigo ter vontade de falar de política, não consigo pensar em assuntos com alguma substância. Só me apetece ver vídeos tranquilos, jardins, bailados, ouvir sonetos, sei lá.
domingo, abril 30, 2017
Estar a levar uma massagem tão, mas tão boa... e adormecer.
Há alturas em que me ponho a marcar passo, quase vencida pelo politicamente correcto. Ainda não escrevi a primeira letra e já as ouço a remorderem que a vida não é só isto, coisas boas e sorrisos, ou que sou uma exibicionista ou que rebéubéu, pardais ao ninho. Embora, em geral, me esteja nas tintas para comentários verdes de raiva -- pois acho que, quem não gosta tem bom remédio, basta não ler o que escrevo -- a verdade é que, volta e meia, parece que me sinto reprimida avant la lettre.

E eu, furiosa comigo mesma, que não era que o sono fosse muito... mas que a massagem era tão relaxante...
Ela sorriu, perguntou se eu tinha gostado.
Sessenta minutos de reiki, aromaterapia, massagem localizada e geral, dança ao som de piano... como não gostar? Pena mesmo é que durante os últimos minutos não tivesse dado por nada.
E agora que já assistiram à minha sessão de massagem, caso estejam a sentir um certo apelo místico, queiram descer e assistir à refrega polemista que se avizinha. César das Neves desafia duas doutas vozes e afirma, contra todas as celeumas, que ele sabe, porque sabe, que Nossa Senhora apareceu mesmo, em pessoa, aos três pastorinhos.
domingo, março 05, 2017
Um dia bom
(numa panela coloco uma cebola grande, um pedaço de frango e miúdos; deixo cozer; quando cozido, retiro a carne e, com a varinha mágica, desfaço a cebola; volto a colocar os miúdos e a carne, agora tudo cortado aos bocadinhos; junto dois ovos inteiros e desfaço-os ao de leve com um garfo; junto massinhas de letrinhas; coze durante uns quinze minutos)
(pernas de frango, costeletas de porco e costeletões de vitela, temperadas com azeite, sal, alho, louro; umas peças, para além disso, foram temperadas também com tomilho limão e outras com alecrim -- primeiro forno ao máximo, vazio, durante uns 10 minutos; depois, quando introduzo a carne na grelha, reduzo para 160º: vou virando de vez em quando até a carne estar tostada; a carne de vaca entra a meio da confecção das restantes carnes, pois, para ficar macia, não pode ficar muito passada)
(num tacho coloco um fio de azeite, 1 dente de alho e um pouquinho de bacon cortado aos bocadinhos; frita ligeiramente; junto o arroz e envolvo na fritura; junto o dobro da água; quando está quase sem água, desligo, ponho num pirex e levo ao forno),
(numa frigideira, com um fio de azeite, frito umas lasquinhas de bacon e cebola picada; depois junto feijão preto enlatado com algum caldo e envolvo -- por acaso, quem preparou o feijão foi o meu marido)
sexta-feira, dezembro 30, 2016
Com uma maçã, ele surpreendeu Paris
Debaixo de anti-histamínicos e anti-piréticos mas, felizmente, sem dores de cabeça ou no corpo, apenas alguma tosse e dor de garganta, depois de um dia de trabalho e outras preocupações, aqui estou finalmente na minha sala. Envolvo-me em sono e calor, desligo do que me traz apreensiva e espreito as notícias.
(Estou a gozar.)
Mas há um pouco de verdade nisto. Já se conhece e reconhece e depois está-se ali e vê-se ao vivo. Há um certo sentimento de déjà-vu mas, ao mesmo tempo, a satisfação por ver a obra tal como o pintor a deixou.
Abro um parêntesis para dizer que, de vez em quando, a sensação é mil vezes mais do que isto. Por exemplo, quando vi Caravaggio ao vivo fiquei quase aterrada, quase não conseguia fitar tamanha energia, tamanho frenesim telúrico. Outras vezes também uma emoção grande. Rothko, nos antípodas, também me deixou quase sem palavras, como se tivesse vontade de ser sugada para dentro daquele vazio, um vazio que, no entando, estava tingido de cores vibrantes. Ou o pano de boca de cena de Chagall, uma imensidão onírica.
Cézanne sempre trabalhou sozinho, sem alunos. A sua pintura era sua maneira de existir. Sua vida fora marcada e envolvida por sua melancolia e cólera que permeava a sua vida inócua, instável, indecisa. Pinta na tarde em que sua mãe morre. Não é admirado por parte da família. Ao envelhecer acreditava que a sua pintura era fruto apenas dos distúrbios visuais que perseguiam seu corpo. Duvidava do seu talento e da genialidade que o transbordava, pois as circunstâncias e as reviravoltas da vida, não permitiam o reconhecimento de suas produções. A fraqueza e a baritimia o perseguiram no percurso de sua vida. Quando se mudou para Paris, decidindo ser pintor, escreve “Não faço mais do que mudar de lugar e o tédio me persegue”. Não conversava, pois não sabia argumentar. Preferia a solidão. Encontrar os amigos em Paris, quando via casualmente algumas vezes, apenas os cumprimentavam à distância evitando conversas prolongadas. “A vida assusta”, dizia Cézanne.
(...)
"Avec une pomme, je veux étonner Paris!"
![]() |
(Cézanne, Pommes sur une table, 1900) |
segunda-feira, maio 30, 2016
E, então, o mar
Talvez por quase ter nascido com os pés na água, muita praia, muita ida com o avô apanhar isco para a pesca, depois com o pai, depois ir com o pai à pesca, e sempre praia, praia, praia, e depois, adolescente, passear à beira rio, e, em casa, levantar-me e ir à varanda ver o rio, e depois já em casa minha, levantar-me e ver o rio, sempre, e, pelo meio, sempre praia. Ou talvez por ser de um signo da água. Ou isso não tem nada a ver e é mesmo de mim. Ou talvez algum bisavô marinheiro, sei lá. O meu avô materno, o que morreu quando eu era bem pequena mas de quem me lembro a pôr-me às cavalitas, enorme, alto, cabelo muito louro, olhos muito azuis, mais um nórdico do que um sarraceno, sei lá de onde veio, talvez tenha sangue viking. Mas sei lá. O que sei é que, se me embrenho pelo meio das árvores -- e gosto de sentir a terra, e gosto de cavar e de plantar e não uso luvas porque gosto de sentir a terra, e gosto de podar árvores e tudo sem luvas porque nada como o toque da terra, das pedras, da madeira viva -- logo depois é a vontade do mar que me invade. O mar. Vontade de estar junto ao mar.
Vivem em liberdade, fazem o que querem, brancas e descansadas ao sol do sul. Mergulham, esvoaçam, brincam, nadam, dançam, repousam, contemplam.
A cidade tem pouca gente, é bom andar por aqui nesta altura. Dos veleiros saem homens tisnados que se sentam, ruidosos, bebendo cervejas, rindo. Por vezes, vêm mulheres com eles, igualmente tisnadas. Ao nosso lado, a jantar, uma mulher louríssima, muito bronzeada, toda vestida de branco e com unhas em verde brilhante como escamas de sereia.
Muitos alemães, ingleses, franceses. Sobretudo terceira idade. Mas não só. Mas nada que se compare com Julho ou Agosto. Agora a cidade está por conta das gaivotas.
Queria apanhá-las a voar sobre o branco casario mas tão alegres e velozes andavam, fazendo danças e rodopios pelos ares, que não consegui. Só as apanhei assim como aqui as vêem, deslizando feitas cisnes, banhando-se feitas patas, brincando feitas crianças ou empoleiradas feitas cegonhas.
E eu caminhei rente à água, li, preguicei, vi o pôr do sol dourando os rochedos, o azul das águas e do céu reflectindo-se no ar que eu respirava. Vivo num país tão diverso e tão lindo.
Depois, entreguei-me àquele injustificável hábito que mantenho desde menina: apanhar conchinhas. Não resisto. Acho-as tão lindas, tão perfeitas, peças lindas que o mar esculpe, brilhos e tons tão subtis, umas com superfícies nacaradas lisas como seda, outras com pequenas formações como se sobre elas se tivessem alojados outros pequenos seres.
Escuso de dizer aquilo que já se sabe: o meu marido pergunta para que ando eu a apanhar conchas, se é para ele as deitar fora algum tempo depois.
Zango-me, não quero que deite fora as minhas conchas. Mas depois não digo mais nada pois penso que, se ele não o fizesse, onde poria eu conchas apanhadas ao longo de anos?
Para preservar a memórias destas peças tão lindas, quando chego, ponho algumas em cima da blusa que vou vestir à noite e fotografo-as, tão bonitas. Um dia tenho que fazer um quadro com conchinhas e pedrinhas e restos de corda e espelhos e o som das ondas e dos gritos das gaivotas.
A ver se acho ou, se não achar, se compro a concha de um búzio, daquelas que, se lhe encostarmos o ouvido, escutamos o rugido do mar. Talvez, tendo a concha de um búzio comigo, suporte melhor a distância do mar quando, na cidade, estiver num lugar onde as janelas não se podem abrir e de onde não me chegam os sons da rua.
No meio de tanto azul, vi há pouco, na televisão uns quantos betinhos e beatinhas, convenientemente pintados de amarelo, com crianças a fazerem umas coreografias e outros a actuarem, de cartazes em punho e muita mobilização dentro deles.
Parece que uma espécie de instinto revolucionário se apoderou deles, andam eufóricos. Mas, pensando melhor, o que dá mesmo é a ideia de que uma força organizativa poderosa os anda a apoiar - ou melhor: a manobrar (a JSD, a JC e a Igreja em promíscuo conúbio?) - e, quequemente, querem, porque querem, que o zé povo suporte, com os seus impostos, as mordomias a que se acham com direito. Querem, porque querem, poder escolher o que, na cabecinha deles, é a 'melhor escola'-
Podem ter, lá na rua, uma escola pública mas não pessebem puque é ke hão ter que ir estudar com os pobrezinhos se podem ir para um colégio supé bom só pa eles. Parece que o senhor cardeal acha que eles têm supé razão e que a madame cristas também não pessebe puque é ke não fecham antes as escolas públicas. E, como as televisões gostam muito de fuzué, estiverem montes de tempo a mostrar aquela supé manifestação, podre de grande.
Ora eu, numa de indignação, poderia dizer-lhes: a pata que os pôs! mas, dado estar na terra das gaivotas, até fico sem jeito de dizer isso. Mas, como acho que eles não precisam de ajuda para se enterrarem ainda mais e, de resto, até já se pintaram de amarelo, acho que não preciso de dizer nada. O ridículo de qe andam a cobrir-se se encarregará de os pôr na ordem.
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma belíssima semana a começar já por esta segunda-feira.
Saúde, afectos, alegrias e dinheiro para os gastos - para todos quantos me lêem.
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segunda-feira, outubro 05, 2015
No rescaldo das legislativas 2015 - PàF na corda bamba, PS na hora da verdade, BE na idade adulta, PCP na terceira idade. Será que, para Portugal, finalmente, chegou a hora da Política?
No post que poderão ler a seguir, pronunciei-me, a quente, sobre o resultado das eleições. Já disse quem acho que ganhou, quem obviamente perdeu, já manifestei o meu desencantamento.
Queixo-me pelos inúmeros desempregados (e na minha família também os há - mas ainda que não houvesse), pelos que têm empregos precários (e na minha família também os há - mas ainda que os não houvesse), pelos que tiveram que ir trabalhar para fora (e são inúmeros os amigos dos meus filhos que tiveram que emigrar), pelos idosos que se viram depauperados (e na minha família também os há - mas ainda que os não houvesse), pelos que se viram sem condições de pagar empréstimos que tinham contraído, queixo-me pelos que empobreceram, pelos que não podem viver a vida com que sonharam, pelos que viram as famílias separadas, pelos que perderam a esperança e vivem deprimidos em casa, vendo o dia em que nem o subsídio de desemprego vão receber - e queixo-me porque sei que tudo o que foi feito pelo Governo de Passos Coelho foi feito à toa, sem produzir resultados.
A dívida continuou a aumentar, a pública mas também a privada, o défice está muito mais alto do que seria suposto, não há investimento, não há criação de emprego sustentável, não há aposta na educação, na investigação. E não houve reforma de Estado. Zero. E as grandes empresas foram vendidas a grupos estrangeiros (ou a a estados estrangeiros), desacautelando os interesses estratégicos do País. Nunca o País esteve tão à mercê de especuladores de toda a espécie. Nunca os portugueses estiveram tão vulneráveis, tão à mercê do que outros queiram fazer com eles. Pode o crédito estar barato, podem as famílias ter recomeçado a consumir como se não houvesse amanhã, tudo isto simulando o sucesso que agora se apregoa - mas as grandes debilidades do País mantêm-se ou agravaram-se.
Os PàFs ganharam. É certo. Estão de parabéns. Conseguiram o que queriam.
À hora a que escrevo, os PàFs estão com 99 mandatos, mais 5 do PSD (contra 85 do PS, 19 do BE, 17 do CDU e 1 do PAN). Ou seja, PSD e CDS conseguem 104 mandatos enquanto os partidos à sua esquerda conseguem 121. Não somei o PAN porque não faço ideia do seu posicionamento. Ou seja, há uma maioria na Assembleia da República contrária ao que defende a coligação que ganhou.
Os tempos são outros, a população já não é maioritariamente a que conheceu os tempos de ditadura e que se mobilizava em torno de ideais nobres. A população agora é maioritariamente uma população que dá como adquirido o pouco que tem, que não se habituou a pensar, que consome abundantemente a televisão pimba, novelas intragáveis, futebol a toda a hora, viciada na futilidade dos facebooks, uma população que pouco sabe de política, que apenas consome as 'bocas' e as 'cenas' virais que são postas a circular nas redes sociais. O PS tem que saber falar a esta gente, tem que chegar até ela.
O PS tem, pois, que se renovar. Tem que atrair independentes, tem que ter mulheres, tem que ter jovens (que não necessariamente os que se enfiam nas jotas e se portam como as claques do futebol), tem que ter intelectuais, artistas, cientistas, e, sobretudo, gente que pense de forma diferente, com a cabeça no futuro.
O PS tem que olhar para o Bloco de Esquerda com respeito. Portugal acordou para a realidade deste partido que se renovou e se relançou pelas mãos de Catarina Martins e Mariana Mortágua, duas jovens mulheres que nada temeram, que falaram de forma límpida e corajosa, que sabem dizer com clareza o que querem e o que não querem. Pode dizer-se que têm toda a liberdade para falar porque é apenas isso que fazem: falar. Mas falar é importante em política: falar com consistência, com firmeza, sem medo, com acutilância e inteligência. E o BE já disse que está na disposição de passar da teoria à prática - e isso deve ser tomado em linha de conta.
Não sei o que nos reservam os próximos dias mas era bom que um PS revigorado (depois do abanão destes resultados e com o António Costa também revigorado, com desenvoltura, animado, com sentido de humor e com peito feito) conseguisse estabelecer pontes fortes com o resto da esquerda. Se os interesses do País e dos Portugueses estiverem à frente de tacticismos, de prudencialismos, de atavismos, talvez se consiga trazer alguma esperança a Portugal. Caso contrário, será para esquecer -um dia destes ainda acordamos e descobrimos que fomos anexados pelos chineses (por exemplo).