No post abaixo mostro os meus pimentinhas a montar e falo da nossa tarde no meio dos cavalos. Repito: quem monta são os meus pimentinhas, não eu. Já sabem como eu sou. Sou fisicamente medrosa: tal como não me vejo a saltar de uma prancha de piscina, como no outro dia referi, também não me vejo em cima de um cavalo. E se ele desata a galope? Ou a empinar-se e a escoicear? Foge... Ná. Isso não é para mim. E, por isso, e o medo que tenho que os meus meninos caiam? E se magoem? Ou que andem ali no meio dos cavalos?
Bom, mas isso é no post a seguir.
Aqui a conversa é outra. Aqui fala-se da arte de bem entrevistar.
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Geoff Dyer, com uma certa pinta, sim senhor |
Na sexta feira passada o Rui Ângelo Araújo descreveu a sua experiência ao ler a entrevista da Ler de Rogério Casanova a Geoff Dyer - e passo a transcrever o início do seu texto:
Assistir (é este o termo) à entrevista de Rogério Casanova a Geoff Dyer na Ler é um exercício de masoquismo. A erudição e o escrúpulo literário do português vergastam-nos e deixam o próprio entrevistado entre o intelectualmente embevecido (quando o cérebro geek e coleccionador de autógrafos de Casanova está ao serviço de uma espécie de private flattery) e o ligeiramente claudicante (quando Rogério e a sua inteligência ficam à solta e resolvem eles mesmos discorrer sobre os assuntos que previamente propuseram a Dyer). Numa conversa destas sobra para nós o lugar de espectador perdido — e para os nossos queixos a função natural de caírem bovinamente.
Justamente na véspera tinha eu estado a ler essa entrevista e tinha pensado isso mesmo, como tive oportunidade de comentar nos Canhões.
No entanto, deixem-me dar um passo atrás. É que, antes de mais, tenho que confessar: nunca tinha ouvido falar de
Geoff Dyer (o que não é de espantar: sou uma criatura com assumidas limitações). No entanto, ao ler aquela entrevista, fiquei com a estranha sensação de que, não apenas as minhas limitações são mais acentuadas do que eu pensava pois não apenas deveria conhecer bem o dito Geoff como, também, deveria saber dos gostos literários, dos hábitos, e, ainda, conhecer os amigos e os conhecidos dele.
Ou seja, acabei a entrevista a achar-me uma estrangeira naquele estranho território em que toda a gente sabe tudo sobre o que todos escreveram, sobre quem disse o quê de quem, sobre como cada um reagiu em certas situações, sobre quem almoçou com quem,... , tudo. E eu ali, leiga, burra, sem saber nada de nada daquele meio sofisticado, iluminado. Nada de nada, eu, uma literário-excluída.
Transcrevo um bocado escolhido ao acaso da referida entrevista da Ler:
Já me aconteceu ler um romance contemporâneo e pensar: 'Aqui está um romance que Geoff Dyer talvez conseguisse ler até ao fim'
- Por favor diga-me quais são, é evidente que eu preciso de ajuda.
Tom McCarthy?
- Infelizmente já tentei e não resultou.
Tentou C. ou Remainder?
- Desisti do Remainder e lembro-me de ter dito mal do livro, não sei em que contexto, acho que num programa de televisão em Inglaterra. também desisti do C., acho que ao fim de menos páginas, mas é mais difícil dizer mal desse livro, por lealdade ao livro G. do John Berger.
Isso, acredite, é um revés dramático para a minha teoria. Os outros dois trunfos que tinha eram o Aleksander Hemon e o Ben Lerner.
- Ah, temos um tiro no alvo! Não li o Aleksander hemon, mas gostei muito, muito do romance do Ben Lerner [Leaving the Atocha Station]. Aliás, foi das coisas de que mais gostei nos últimos anos.
A espaços, parecia-me que estava a ler um romance de Geoff Dyer.
(... etc, etc. E assim continua.)
Que coisa chata de ler...! O Casanova parecia que estava a fazer uma sabatina ao pobre do Geoff, ou a armar-se em bom, a exibir a sua sabedoria perante o outro, ou a bajulá-lo, uma coisa quase pacóvia de tão deslumbrada, nem sei dizer.
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A propósito: quem é Rogério Casanova?
(Isto é um pseudónimo, certo?) |
Aliás, e vou fazer outra confissão: ao ler a entrevista tal como ao ler entrevistas deste género passa-me pela cabeça que tudo aquilo seja ficção, que o Casanova faça as perguntas e dê, ele próprio, as respostas. Custa até acreditar que alguém faça uma entrevista assim, parece invenção.
E, claro, cheguei ao fim da entrevista enfastiada e sem vontade de ler qualquer livro do dito Geoff e jurando a mim própria não voltar a comprar a Ler (volta e meia faço juras destas - mas depois, na edição seguinte, deixo-me sempre tentar, na esperança de ser surpreendida). Mas, não sei se vocês são da mesma opinião que eu, é que não há pachorra para secas destas.
Claro que admito que o problema seja meu. Gente mais cultivada, achará certamente o máximo e, quem sabe?, lê este desfiar e fica a babar com tanta intimidade, tanta sapiência.
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Pedro Mexia, a quem estou a ver, neste momento, no Governo Sombra da TVI 24
e que acabei de fotografar para ilustrar este texto
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Mas, então, eis que o Pedro Mexia entrevista o mesmo senhor, desta vez para o suplemento Actual do Expresso. E aí as coisas mudam de figura.
Começa por introduzir a criatura e a gente, olhando a fotografia do Geoff (reparem como, depois de ter lido a entrevista do Casanova, até eu já estou íntima do Geoff) e lendo o que Pedro Mexia diz, começa a ficar com as bases para perceber melhor o que se vai passar a seguir.
Transcrevo:
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Geoff Dyer: and he's got blue eyes... |
Aos 54 anos, Geoff Dyer parece um galã das matinés e tem uma linguagem corporal e um vocabulário descontraídos, ainda que com um accent muito 'anlo-britânico' e com um discurso cheio de interjeições e hesitações fleumáticas, como 'hmm', 'please do', 'I see'...
E a introdução prossegue em tom descontraído e com leveza - como percebemos que o autor também o é.
E a entrevista é um prazer de ler. Transcrevo um pequeno excerto:
Lê as críticas dos seus livros?
- Leio, por acaso leio. Porque ainda dependo delas, ainda não atingi aquele nível em que a publicidade à volta do livro é tão grande que as críticas se tornam irrelevantes.
E uma má crítica estraga-lhe o dia?
- Consegue deixar-me lixado. Mas eu não sou muito autocentrado. Se apareço tanto nos meus livros é porque estou disponível como instrumento de pesquisa [risos]. Sou o canário que pode ser enviado às minas de carvão [risos].
(...etc, etc)
Ou seja, lê-se e fica-se a simpatizar com o autor, talvez até com vontade de ler os seus livros.
Isto é uma boa entrevista e, uma vez mais, Pedro Mexia revela-se um óptimo entrevistador: dá espaço ao entrevistado, respeita a sua maneira de ser, mostra genuíno interesse nas suas opiniões e, sobretudo, percebe que o palco é devido ao entrevistado e não ao entrevistador.
Se lamento a saída de pessoas como, por exemplo, António Guerreiro do Actual do Expresso, tal como antes tinha também lamentado a saída de José Manuel dos Santos, pelo contrário aplaudo a presença de Pedro Mexia. A sua crónica de abertura deste caderno, as suas críticas e as suas entrevistas são sempre matéria de qualidade que valorizam o Expresso, fidelizando os leitores.
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Relembro que, a seguir, podem ver um breve registo da minha tarde, com os meus pimentinhas queridos no meio dos cavalos.
Gostaria ainda de vos convidar a virem até ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras juntam-se aos beijos de um casal que se ama junto ao céu, por entre uma cortina de ramagens. Não foram sozinhas: foram levadas pelas belas palavras românticas de Jorge de Sena. A seguir tenho um músico português: José Valente, uma descoberta feliz.
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E, por agora, nada mais. Resta-me desejar-vos uma boa semana a começar já por esta segunda feira. Saúde, felicidades e muita determinação. Aos professores, a minha solidariedade.