O fulano começou por me propor Pedro Paixão, coisa que vejo sempre com agrado. Já assumi: malucagem é comigo. Gosto.
E, tendo constatado que vejo de gosto, começou a testar-me. Passou dele para derivadas dele, inclusivamente para uma entrevista da Lena d'Água em que ela fala do ano da graça de 1985 em que estava apaixonada por ele e ele a curtir o desgosto por ter sido abandonado por outra.
E, agora, derivou ainda para mais longe, agora já vai no amigo, no tal que ele adora de paixão (lá está, what's in a name) e que lhe ficou com a mulher, outro ganda maluco que, tal como o PP
(ao abreviar para PP refiro-me obviamente ao Peter e não ao Paul, que o Paulinho nem entra nesta história em concreto),
tem aquela graça que advém de terem neurónios em quantidade suficiente para falarem como se não estivessem a falar a direito, adornando a conversa com disfarces de todo o género -- de ironia, de erudição, de desdém, de humor, de desfaçatez, de gaiatice, de insolência, de graça.
Pois bem, desta vez o algoritmo propôs-me um excerto daquele programa com que eu delirava. Miguel Esteves Cardoso à conversa com Bruno Nogueira. Muito bom.
Deviam reatar e, quiçá até aumentar o naipe: umas vezes eles os dois, duetos sempre virtuosos, outras o Bruno e o Pedro Paixão, outras os três (a ver no que dava este ménage: se zaragata, se beijos na boca). Ou também o Manuel João ou o Alvim. Tertúlias em geometria variável mas só com malucos. Não perderia um programa. Juro. Em vez dos comentadores do costume, que já não consigo ver nem com molho de tomate, bem podiam pôr gente assim a encher os horários nobres da televisão. Isso é que era.
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E uma semana bem disposta, minha gente! Bora lá rir.
[E nem vale a pena irem indispor-se com o post abaixo. Estou a avisar]
Os dias em que vamos buscar coisas ao apartamento parece que são os piores. Cansamo-nos, vimos carregados, eu quero aproveitar para trazer mais coisas, ele, como é ele que carrega tudo o que é pesado, aborrece-se, diz que eu abuso, eu digo que ele traga só o que quiser, ele diz que, se não trouxer tudo, eu fico chateada, eu digo que ele faça o que quer e não invente que eu o pressiono. E, neste bate-papo absurdo vamo-nos aborrecendo ainda mais. Andar a buscar coisas cansa, perde-se tempo, já não há motivação. A casa praticamente vazia, com despojos, restos do que caíu ou ficou para trás na mudança, tudo meio triste. E a nós já nos falta paciência para andar a garimpar. Por um lado dá vontade de deitar tudo fora e, por outro, parece irresponsável tomar essa decisão sem cuidar de saber o que se deita fora ou aproveita. Às tantas já estamos com fome, cansados, o carro a deitar por fora. E eu, outra vez, aflita da minha perna. Sinto que tenho para aqui um músculo em tensão, talvez quase rasgado, provavelmente inflamado. Ele não quer que eu pegue em coisas que pesem, eu custa-me vê-lo tão carregado e eu só a olhar e, depois, vou ajudar e, a seguir, já mal consigo dar passo e, depois, para além da dor incapacitante, tenho-a a ele a mandar vir comigo. Portanto, é sempre uma cena.
Mas a questão é que a roupa fomos nós que a trouxémos, em sacos. Eu trouxe blusas, blusinhas, tops, túnicas, saias, vestidos. Não tudo mas o que me pareceu necessário. Mas, por exemplo, esqueci-me dos soutiens. Quando tomei banho, pus a roupa para lavar e, no dia seguinte, quando me levantei... zero soutiens. Portanto, tenho andado com soutien dia sim, dia não. Ou seja, indispensável trazê-los. E queria também descobrir duas colchas brancas. A que eu usava habitualmente, aquela que a minha mãe, pela fotografia, diz que é uma toalha de mesa, ficou na cama que era nossa e que agora está num dos dois quartos das 'visitas'. Para nós, comprámos uma outra cama. Eu queria uma cama mais larga, menos clássica. As do ikea estavam esgotadas mas, numa loja de bairro, encontrámos uma equivalente. Levanta-se o estrado e é toda arrumação por dentro. Tem um metro e meio de largura. Pusemos quadros por cima e fica uma 'cabeceira' bem bonita. São dos pesados, com vidro, madeira pesada à volta. Foi o meu marido que os colocou e pôs uma bucha forte mas, pelo sim, pelo não, não encostou a cama à parede. Disse que, por via das dúvidas, era melhor deixar espaço para cairem no chão, caso se desprendam. Mas claro que não caem. Ora nesta cama coloquei uma colcha de tipo patchwork, em quadrados de cores diferentes, em veludos espessos, bonitos, em cor de tijolo, fogo, cores afins, com alguns brilhos. É pesada, bonita, confortável. Mas a minha filha, que não é dada a cores fogo mas, sim, a cores claras, pastel, branco, diz que acha que ficaria melhor com uma colcha de renda branca por cima desta que ali está.
E lá as descobri, num gavetão de um dos roupeiros do closet. Já amareladas. Já foram ambas lavadas, uma já está estendida. A outra ainda está na máquina porque, em especial quando molhadas, ficam a pesar toneladas e a minha perna já está mal de mais.
E vieram mais livros, nomeadamente os de culinária que ficaram num móvel que ainda não veio, e alguns candeeiros, e dois bancos metálicos, cinzentos, de uma cozinha que tivemos quando nos mudámos para aquela casa tão feliz para onde fomos viver quando a minha filha era bebé e onde nasceu o meu filho e onde vivemos até eles serem jovens adolescentes e os livros terem feito com que já lá não coubéssemos. Os bancos pesam horrores e, junto ao estofo, em cinza mais clarinho, já têm alguns pontos de ferrugem. O meu marido ia tendo uma fúria quando me viu a carregá-los: por um lado por eu estar a esforçar-me, estando no estado em que estou e, por outro, porque não quer trazer coisas que não estejam em boas condições. Aliás, estava irredutível, não queria trazê-los. Mas, para colocarmos junto à mesa que os anteriores donos cá deixaram e que veio da cave para o telheiro e que, justamente, é também cinza clarinho, vão dar jeito. Tenho duas cadeiras que eram deles, tenho cinco bancos de plástico e tenho quadro cadeiras com assento em verde que habitualmente estão em volta da mesa branco de ferro. Ora não chegam. Como não temos tempo para andarmos às compras, lá vieram os old bancos. E vieram toalhas de casa de banho e detergentes que havia lá com fartura e que é absurdo transportá-los para os deitar fora e depois ir ao supermercado comprar outros. Mas tudo pesa. Às tantas, tanta a discórdia, estamos a ponto de nos divorciarmos ali mesmo. Eu, pelo menos, estou. Ele está mais para mandar vir e mostrar má cara -- acho que não é tão dramático e extremado como eu. Queixa-se ainda de outra coisa: mal conseguimos arrumar minimamente a casa nova, vamos buscar novo carrego e lá fica a casa, outra vez, cheia de sacos e sacos e sacos por arrumar. Pois é. Também me chateia, isso. Mas fazer o quê? Só se não tivéssemos mudado de casa.
O que sei é que dali fomos para o supermercado. Às tantas, roídos de fome, lembrámo-nos de trazer de lá uma pizza pré-cozinhada, daquelas que devem engordar até dizer chega. Almoçámos já passava das quatro da tarde. Eu quase sem conseguir dar passo. Pouco consegui fazer. Mas estávamos a convergir numa coisa: dar uma saltada à praia. Nem nos lembrámos da minha perna nem da barafunda a sair de lá. Mal consegui andar. Mas ainda fui sentir a temperatura da água e deu para ficarmos a respirar o ar fresco do mar, para ficarmos a olhar a sua bravura. Apesar de tudo, soube-nos bem. Chegámos a casa depois das nove da noite tamanha a fila e a sua lentidão. Fiz ovas de bacalhau cozidas com batata, cenoura, feijão verde e ovo. Jantámos às dez e tal mas soube-nos maravilhosamente. E já nem nos lembrávamos da raiva mútua que sentimos a trazer coisas da outra casa.
O espaço onde tomamos as refeições é contíguo à cozinha. É muito agradável. Tinha pouca luz. Pomos agora também um candeeiro de pé muito simples com uma grande lâmpada amarela. Dá uma luz aconchegante.
Quanto à casa: tem a vantagem de ser maioritariamente térrea. Tem um sótão e uma cave, agradáveis, mas podemos fazer a vida toda ao nível do rés-do-chão. Ainda não atino bem com a orientação geográfica. Nos primeiros dias não percebia para onde davam as janelas. Tinha que ir espreitar. Mas, quando à noite estou para adormecer, tento perceber a posição das divisões e das respectivas janelas localizando-as na planta da casa e não percebo bem. Tem uma disposição interessante mas volta e meia, quando ando à procura das coisas -- e estou sempre à procura das chaves, do telemóvel, do x-acto para abrir as caixas, da tesoura, disto e daquilo -- fico com a sensação que faço círculos, que ando desorientada. É uma casa especial, cheia de recantos e espaços especiais, e com uns certos mistérios.
E, Amofinado, in heaven plantei ciprestes. Gosto muito desses seres esguios, muito dignos, vivos para sempre. Era uma terra bravia, apenas com pedras e mato. Fiz dessa terra um pequeno bosque onde as árvores, felizes, crescem jubilosamente. Aqui, não apenas o espaço é bem mais pequeno como o jardim já existe e eu não sei se quero mexer-lhe pois é lindo, tem árvores mesmo muito bonitas. Ainda não tive tempo para usar a minha máquina fotográfica. Deveria ter fotografado a casa vazia, depois a ir ganhando forma. Mas a canseira tem sido tanta que nem para tal me tem dado.Estou a escrever e a pensar que os vasos precisam de ser regados e que as zonas onde a rega não chega também. Já para não falar que todo o jardim precisa de ser varrido e limpo. Quando fiz anos o meu filho deu-me uma coisa que é meio ancinho e meio vassourão. Mas festejámos in heaven e deixei lá ficar isso e, quando lá fomos, foi tudo tão a acorrer que me esquecemos. E bastante falta está a fazer.
Este domingo espera-nos um dia cheio. Por isso, já tomei brufen e estou com gelo. Se amanhã continuar com tantas dores, terei que tomar mais.
E agora a ver se consigo levantar-me e ir a andar até ao quarto. Com as dores com que estou, ainda me deito aqui no sofá...Volta e meia, saio da casa de banho e vou em frente, entrando na salinha dos de língua portuguesa. Tenho que me recentrar, reorganizar geograficamente e virar para o ouro lado, para entrar no quarto propriamente dito. É isso e acordar, de manhã cedinho, com o som da rega debaixo da janela do quarto. Como é novidade ainda me acorda. Depois haverei de me habituar. É um som bom.
Tirando isso, hoje o YouTube tinha para me recomendar o Pedro Paixão. Deve ter sido por eu ter confessado aqui que lhe acho uma certa piada. Pois bem: acertou e estive a ver de gosto, até ao fim, encantada com tanta maluquice. Da primeira, a entrevista concedida a Anabela Mota Ribeiro, coloco apenas a 1ª parte mas, para quem esteja interessado, estão disponíveis a 2ª e a 3ª partes. Como todos os seres doidos, bipolares e inteligentes, Pedro Paixão é, sem dúvida, polémico, insólito e interessante. Não deve ser fácil conviver com uma criatura assim. Nem para ele próprio deve ser fácil mas, para quem aprecie o género, é sempre um desafio.
Por vezes sinto uma compulsiva necessidade de tomar decisões erradas. Propositadamente. Como se precisasse de seguir um caminho já prevendo que não leva a lado algum. Contudo um péssimo rumo pode dar ir dar a um excelente resultado. A vida a tremer, a hesitar entre as mãos nervosas. Perder-me para me poder encontrar perdido. É lindo. É raro, mas acontece. A dor ainda é um sinal seguro de que estamos vivos, o resto menos.
Gosto de ti assim, quando não projectas as tuas ansiedades como dardos lançados para o coração e para os rins de gente que passa por ti e não imagina quem és. Guardei algumas dessas setas, que fui arrancando do meu corpo, dentro de uma caixa que nunca abri nem voltei a fechar. Como fiz então para guardar a seguinte? Não será hoje que te vou revelar os segredos das caixas que têm as mulheres onde guardam aquilo de que tu, e os outros, desconhecem o valor. Faço-te apenas notar que a relação de uma mulher com uma caixa é essencialmente diversa da relação que um homem pode ter com uma caixa.
De fotografia nada sei, a não ser a inquietante proposta dessa coisa mítica: parar o tempo num pequeno espaço e garantir-lhe uma ambição de eternidade. Mas quem pode garantir não ser ficção o cinetismo da realidade? É dentro de nós que as imagens correm. Mas o caçador chega ao mundo de fora e diz: Pára! -- e tudo pára. Temos um movimento visual escolhido pela atenção comovida, o espaço cuidadoso, o alarme fascinado. Na película impressionada fica a conjunção do sujeito com o objecto, síntese de um lapso da 'história', acabado de nascer e já votado às várias mortes das coisas todas.
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Quem canta I'm a a fool to want you é a extraordinária Angelina Jordan (que, não me canso de dizer, tem agora 12 anos)
Quem aparece nas fotografias é a não menos fantástica Gisele Bündchen.
Os dois primeiros excertos pertencem ao mesmo livro do qual ontem transcrevi um little bocadinho.
O último é de Herberto Helder e pertence a 'em minúsculas'
Já ontem o grande Almada o decretou e eu, porque ele o disse e porque tem tudo para ser verdade, acreditei. Acreditei e disso poderia até fazer profissão de fé. Mas nestas coisas sabido é que bem prega Frei Tomás. Trabalhei como uma besta de carga e isso só pode ser porque sou uma burra encartada. A inteligência pode não ser grada mas, para saber que sou burra, chega.
Ao fim da tarde, que, por acaso, era quase noite, já estava a sentir-me desidratada, com a tensão baixa, à beira da descompensação. E, estava eu a tentar chegar inteira ao fim da reunião, eis que espreita alguém a perguntar-me se amanhã lá estava, a sina já lida para o dia seguinte, e, mal consegui safar-me dali e me preparava para despachar uma meia dúzia de mails para dar de frosques, eis que me aparece um que tinha estado à minha espera e, quando consegui descacar mais aquele abacaxi, tinha outra muito preoupada com uma coisa para me dizer, mais uma emboscada na qual não tive paciência para me enfiar. Saí de lá quase foragida, tentando raspar-me incógnita.
Já de manhã tinha avisado que não me dissessem mais nada porque já não conseguia assimilar mais chatices.
Passo-me quando me dizem que não me maçam com miudezas, que me poupam, que apenas me trazem aquilo que não conseguem resolver. E eu a pensar: 'Poças, pá, deviam era fazer o contrário, poupar-me a sério, resolverem todos os berbicachos e trazerem-me só as frioleiras'. Mas não, ninguém me poupa.
Olho para os meus próximos meses e é de susto. Não sei que convergência astral é esta: tudo a mudar ao mesmo tempo, mil coisas para fazer e todas em simultâneo. Não tenho ideia de ter vivido tamanha sobreposição de coisas deste calibre. Não as escolho, nada disto foi minha opção. Penso que terá a ver com o fim da crise, com a economia a despontar à força toda, como se tudo tivesse estado estancado e agora, como um dique que se rebenta, sai tudo ao mesmo tempo, com urgência, com uma força que atropela o descanso a que eu já deveria ter direito. Penso e digo o que antes nunca tinha dito ou pensado: 'não sei se vou aguentar'. Mas ninguém me leva a sério. Acham que aguento. No fundo, conhecem-me: sabem que sou burra. Burra de carga.
Talvez isto seja mesmo uma espécie de diário. Escrevo estas coisas porque, chegada aqui a esta hora, parece que sinto necessidade de despejar este meu cansaço. O cansaço saindo através de palavras, fico leve, pronta para outra, com vontade de esvoaçar, de dançar, de nadar.
É verdade, esqueci-me de contar. Uma manhã como a que foi e uma tarde como a que ia ser, não tive alternativa: fui a correr à livraria. Andar entre os livros leva-me deste mundo para fora.
Se calhar deveria antes escrever: leva-me para fora deste mundo. Mas não faz mal, fica como está, acho que vai dar ao mesmo.
E o bom é que, quando ali entro, não vou à procura de nada. Melhor: vou na disposição de não querer nada a menos que tenha que ser.
E aconteceu: teve que ser.
Um é de um autor cujo blog que
-- apesar de esparsoso (eu sei, sei, Senhor Linguagista, esparsoso não existe mas, se gosto de pisar o risco em tantas coisas, não haveria de pisar também aqui e estender a mão para apanhar, do lado de lá, uma palavra ainda não inventada, porquê? Ora essa, Senhor Guardião [das Palavras Inventadas) --
eu sigo e que integra a minha galeria de fantásticos Frescos & Bons.
O outro livro é daquele ganda maluco que, vá lá eu saber porquê, não me canso de ouvir e ler. Uma encadernação linda, um bom tamanho, uma paginação das boas. Só espero que o Henrique, mui ilustre livreiro e sabedor como nenhum outro da nobre arte de bem fazer livros, quando for a dar os seus globos de ouro (ou os nobeis* ou oscares ou whatever) repare nele e o premeie, que bem merece ir directo para o pódio.
[* sei que deveria ter escrito: os nobel. Mas não me apeteceu.]
Trancrevo um pouco e não digo qual é porque não gosto de deixar spoilezinhos por aqui. Fica o mistério para os entendidos desvendarem.
Com os olhos e as mãos te faço meu. Se tu agora fizeres o mesmo, com os olhos cerrados saberás quem sou. Com as minhas palavras faz-me ser, constantemente te rogo. Escreve as minhas lágrimas. Com elas faremos um rio, numa margem estás tu, na outra estou eu. Escreve a minha dor mais funda. Não ficarás salvo -- quem quer ficar salvo neste mundo não te merece -- mas não passarás em vão. tudo está no procurar, pouco no encontrar. Verifica a pergunta antes de tentar a resposta. Sê quem és. Escreve-te como eu me escrevo, nesta distância doce e cruel.
Há lá forma mais eficaz de seduzir uma mulher do que dizer-lhe poesia? E, melhor ainda, infalível, se for em francês -- aí haverá mulher que resista?
E o humor? Há lá também arma mais eficaz? Qual é a mulher que resiste ao humor?
E à maluquice?
E tudo junto: poesia + humor + maluquice? Há lá cocktail mais afrodisíaco?
Se calhar há. Se calhar as mulheres ajuizadas preferem outro género de cocktails, por exemplo: ter muita erudição + usar botões de punho + escrever um blog a armar-se em engraçado.
Mas não sei. Não estudei suficientemente o assunto para me poder pronunciar. Portanto, abrevio que isto não são horas para a metafísica e passo já aos meus queridos malucos.
Pedro Paixão fala de Poesia
(Ah. Já agora uma pergunta: a poesia é coisa para preguiçosos?)
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Traduzir sem rede. Editar à pressa. Emprestar o nome. Riscos, riscos, riscos. Risos.
Luiz Pacheco, o Tradutor
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A sopa ou a cultura?
Alberto Pimenta, Vítor Silva Tavares e o caldo verde
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João César Monteiro e a Comédia de Deus
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E, para terminar em beleza, o querido Candidato Vieira
Em férias
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É verdade: será que não há malucas? Só malucos?
Tenho que puxar pela cabeça: gostava de ter aqui malucas.
Enfim... é certo que estou eu aqui que, no que se refere a maluquice, tenho para dar e vender...
Mas gostava de aqui ter outras. Será que não há malucas encartadas em Portugal?
Só betinhas, atadinhas, amarguradinhas, azougadinhas, liricazinhas, tiazinhas, vizinhas?
Bem. Agora que já falei de, por pura distracção -- e logo no dia em que avantesma reapareceu travestida de assombração laranja -- ter passado ao lado do Dia das Mentiras, mas em que, nem de propósito, vivi um fantástico Dia dos Prodígios, resolvi dar mais uma volta pela net.
Antes, estava numa de tentar parecer vagamente erudita e já me tinha municiado com uns ensaios dantescos e até já tinha aqui uns coros a condizer, uma toda vestida de preto, da cabeça aos pés, numa igreja com aspecto sinistro, mais umas outras que tais ao fundo, todas a cantarem numa língua que não entendo (o que não é de estranhar já que pouca coisa entendo) mas que eu ia fazer de conta que percebia muito bem. Só que a natureza tem mais força. Bocejo, bocejo, bocejo. Portanto, como estou cheia de sono, resolvi que essa aventura fica para outro dia e que hoje nem meto o pé nos ensaios, que me fico pelos jornais online, pelos blogues. E, enquanto estava nisto, surprise, surprise, não é que dei com um outro prodígio...? A sério. E mais um daqueles de gargalhada.
E, talvez por isso, ocorreu-me fazer um post sobre malucos. Como é de todos sabido e consabido, há-os de toda a espécie e feitio. Os encartados, os engraçados, os tresloucados, os simplesmente parvalhões, os que mantêm a elegância, os que não têm jeito e se atiram para fora de pé -- há de tudo.
Ao escrever isto, apetece-me logo partir aqui para uma antologia. Podia pensar num âmbito alargado e transcrever excertos ou colocar links para a vasta amostragem que rapidamente colheria pela blogosfera. Mas não, há por aí muita fancaria, teria que perder algum tempo com avaliações para apenas aqui trazer malucos de qualidade. Por isso, não vai ser assim.
Vai ser uma coisa na base da 'consulta directa': ocorre-me uma meia dúzia de nomes, portugueses, homens e ligados aos meios artísticos (em sentido lato), e desses é que vou buscar uma amostra. Com tempo a ver se alargo a amostragem, que malucos é o que não falta.
Aviso: não é de espantar nem deve ofender a linguagem algo libertina e desprovida de auto-censura que se encontra nos vídeos que selecconei (afinal são malucos, digamos assim). Contudo, por prudência, as almas sensíveis deverão abster-se e saltar directamente para o post seguinte.
Ora, então, vamos lá. Pedro, Miguel, Manuel, Mário, Luíz, João. A ordem é aleatória. Cada um que escolha o seu maluco preferido.
1. Pedro
Uma mulher e uma pistola
Pedro Paixão fala com Nuno Markl
.....
2. Miguel
Amores e saudades de um português arreliado
Miguel Esteves Cardoso fala com José Adelino Faria
.....
3. Manuel João
New in Town
Manuel João Vieira e uma entrevista de vida
4. Mário
Um pouco mais de sol
Mário Cesariny diz um poema
...
5. Luiz
O Libertino
Luiz Pacheco, um querido muito cá de casa
....
6. João Vuvu
Vai e vem (lição com bolinha vermelha)
João Vuvu esclarece a uma amiga de longa data, em detalhe, como se pratica o Broche Chinês e, de seguida, contextualiza politicamente esta "tecnologia de ponta".
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(a continuar)
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Dado o adiantado da hora e o meu estado de sono absoluto, vou retirar-me. Queiram, por favor, continuar a descer que há não apenas se fala da pesca a amejua na tia doalvorcomo de outras aparições.
O que nós então não sabíamos, e por isso não podíamos prever, é que se o genial nos retirava da miséria do quotidiano, das pequenas doenças inerentes ao quotidiano, ao mesmo tempo, nos preparava e infectava doenças maiores, incuráveis, tais como a doença da temporalidade ou a absoluta consciência da finitude, o que é o mesmo, ou próximo.
Só o genial nos podia poupar, embora nunca irreversivelmente e em definitivo, do pavor do tédio.
O que distingue a genialidade da inteligência, mesmo da inteligência superior, agora que volto a pensar nisso, e suspeito, aliás, que me estou mais uma vez a repetir, um dos sintomas mais naturais da idade avançada, talvez por já nada encontrar de novo à sua frente para ser vivido, e tem, assim, de regressar sem fim ao mesmo, que não voltará a ser vivido.
A inteligência é uma espécie de velocidade, de destreza, de facilidade em ligar isto com aquilo, de relacionar o que num primeiro momento não parece relacionável, de encontrar algo comum ao que parece irrecusavelmente dividido, enquanto a genialidade é a invulgar capacidade de construir um mundo, cada génio o seu, onde passa a viver no mais completo isolamento, e solidão.
(...)
Digo rosa e digo qualquer rosa e todas as rosas no universo inteiro. Porque as palavras são a primeira manifestação do espírito, o que pertence, não ao mundo, mas sim ao que está fora do mundo para poder falar dele, dando sentido ao que por si não tem qualquer sentido, uma estonteante acumulação de factos e mais factos. As palavras têm asas, e voam, por isso mesmo que são, não isto ou aquilo, mas sim o voo entre isto e aquilo, entre tu e eu, intrépidas sobre os abismos, ligando o que está separado.
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O texto pertence ao livro Espécie de Amor de Pedro Paixão.
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A menina lá em cima é russa, chama-se Alisa Sadikova e tinha na altura 9 anos, quando tocava harpa, em 2012, no St. Petersburg State Conservatory: The Fountain — Marcel Lucien Grandjany.
E aqui ficam os meus agradecimentos ao Estimado Leitor que tão gentilmente me enviou este vídeo.
No post abaixo já falei do Ronaldo, do jogo contra o Gana, da reacção do Bruno Alves e de mais não sei o quê. E com isso encerrei o capítulo Selecção Nacional, Copa do Mundo 2014. Ponto.
Mas isso é depois deste. Agora aqui a conversa é outra.
Três Romances, se faz favor
Portanto não foi ele, mas sim a minha profunda admiração, diria mesmo amor, uma espécie virulenta de amor, por ele, que me lixou a vida.
Uma pessoa depois de viver intensamente, de viver excessivamente, de viver até aos limites da vida, fica perdida, acabada, vencida. Viu o que não devia ter visto, apesar de o ter querido ver, mais do que tudo.
Talvez fosse isso. Pelo menos próximo disso. Eu não tenho desculpa alguma em ter falhado a minha vida. Eu queria ser escritor, sem saber o que queria. Aliás, tem uma certa piada, uma piada sombria, haver gente, antigos amigos íntimos, como se diz, que julga que vim para aqui para escrever o meu livro, uma ficção que eu nem alimento, nem contradigo. Podem estar mesmo à espera de que o livro saia, mais dia menos dia. À espera das passagens mais escabrosas. Mas não sai nada. Nem sequer tento. Seria demasiado doloroso. Tudo o que me faz lembrar o meu amigo é doloroso.
Na minha nova casa, um andar da minha mãe herdado do meu avô da América, o único familiar do qual me sinto próximo sem nunca o ter visto vivo, era absolutamente proibido falar do meu amigo, o que nem sequer conseguia impedir. Vieram-me com histórias do tipo: que foi perseguido pelas finanças por causa dos tais impostos que nunca pagou, que recomeçou a escrever crónicas para outros jornais, que casou pela segunda vez, desta vez com uma judia, que continua a ser o génio que sempre foi, absolutamente monstruoso e insuportável.
Dói saber que aquele que viveu em nós, continua a viver sem nós.
Como escreveu Frederico Nietzsche: é fácil encontrar-me, o difícil é deixar-me.
Penso que tem alguma coisa a ver com o que me aconteceu. É bem de ver que tive outras dores na minha vida, mas aquela dor de afastamento, uma dor tão aguda que alterou, irreversivelmente, o decorrer da minha vida, nunca a tive antes, nem depois. Se assim não fosse não pensava nele tantas vezes, umas com incerta alegria, outras cheia de melancolia, a maior parte das vezes numa confusão de sentimentos.
Conversa com Pedro Paixão no Bairro Melancólico
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A música é de Clara Schumann, compositora de eleição de Pedro Paixão - Trois Romances pour le pianoforte, Op. 11, n° 1. Andante (mi bémol mineur)
O texto a itálico é de Pedro Paixão inEspécie de Amor sobre Miguel Esteves Cardoso e sobre a amizade louca que os uniu e que quase o destruíu.
O vídeo tem o nome de Bairro Melancólico e é uma entrevista a Pedro Paixão, uma entrevista muito fora do comum e de grande qualidade realizada por um jovem que desconheço. Desconheço igualmente se se trata de uma entrevista que tenha passado em algum canal de televisão.
As paisagens nocturnas quase etéreas são fotografias de Barry Underwood.
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Relembro: se descerem um pouco mais, poderão saber o porquê da chorosa reacção do meu Rinaldinho (como alguém que frequenta o Um Jeito Manso e cujos humores incertos são bem conhecidos, num outro dia designou o meu querido ex-bebé) bem como o que penso da participação portuguesa na copa 2014, ou melhor, do que penso de uma certa moda nova que parece andar a contagiar os novos craques da futebolite e da politiquice nacional.
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E por agora por aqui me fico, desejando a todos uma sexta feira com bons momentos.
A vida é breve para que desperdicemos os pequenos instantes de paz, não é?
Saúde, sorte e alegria é o que vos desejo, meus Caros Leitores.
O post que se segue a este é um post triste. Vi Isaltino Morais, velho e magro, a sair da prisão e isso fez-me impressão. De que valem tantas vitórias e tantos ganhos quando há o risco de se passar por isto?
A seguir falo da entrevista de António Costa na SIC com a beldade que veio do frio, Ana Lourenço.
E, mais abaixo ainda, falo de António Costa e de Tó-ZeroinSeguro enquanto festejavam o S.João a norte, cada um em sua margem, um rio de diferenças a separá-los.
Mas isso é a seguir.
Aqui, agora, a conversa é outra. Muito outra.
O homem que diz adeus
Cada pessoa é um mundo feito de memória, a mais subtil de todas as matérias e, no entanto, a única que verdadeiramente existe.
O que é certo é que este meu país deu cabo do meu amigo. O génio do meu amigo foi esmagado, obliterado, esquecido por este país.
O meu país é um país que não reconhece o verdadeiro valor, não gratifica a excelência, e mal suspeita de alguma coisa original, logo, estranha, esmaga-a.
Camões morreu pobre e desolado. Provavelmente sem ter tido sequer a sorte de ter tido um único amigo, como eu tive.
O Pessoa, que viveu de quarto em quarto, foi morrer com o fígado trespassado a um hospital com nome francês que está no Bairro Alto e, ao que se diz, a última frase que se lhe ouviu foi em inglês que a disse I do not know what tomorrow will bring, para tirar as dúvidas a quem as tivesse.
O Ruy Belo, um magnífico poeta, foi um herói desprezado primeiro pela academia fascista e, depois, pela academia democrática.
O Ruy Cinatti, um poeta entre os maiores, enlouqueceu com a revolução dos medíocres e presumidos cravos, que entretanto desapareceram como espécie.
Eu só não me deixei esmagar porque não tenho valor algum em particular, nunca tendo chegado a ser o que queria, que é o que acontece a grande parte da gente, senão a toda a gente, que habita o meu país.
O meu país só reconhece os génios depois de estarem bem mortos e enterrados, de forma a já não poderem ofuscar nenhum dos irrisórios entes que tendem a demorar a morrer e gerem a chamada cultura nacional.
Aliás a maior manifestação cultural do meu país é o futebol, um jogo que se joga principalmente com os pés, uma manifestação que não só esmaga todos os desportos à sua volta como todas as outras manifestações presumivelmente culturais.
O Fernando só foi plenamente reconhecido quando começou a dar dinheiro, por assim dizer, e, passada uma eternidade de estar sepultado no cemitério dos Prazeres, as entidades culturais decidiram mudá-lo para o Mosteiro dos Jerónimos, do outro lado onde deviam estar os ossos de Camões, mas não há nada, a ele que explicitamente escreveu nada haver de mais estúpido do que a Igreja Católica.
Do último exíguo quarto onde foi morrendo devagar, fizeram, abusando do seu nome, uma casa de vários pisos onde decorrem as mais variadas manifestações culturais. Algo de intensamente agoniante, diria mesmo lúgubre, uma verdadeira falta de respeito pelo poeta, e pela essencial carência da poesia.
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A música é O homem que diz adeus pelo trio Bernardo Sassetti com ele no piano (música escolhida por Beatriz Batarda na Antena 2, ao ser-lhe pedido uma música especial do Bernardo)
As fotografias são do americano Bing Wright e representam o pôr do sol reflectido em espelhos partidos.
O texto abaixo do vídeo é da autoria de Pedro Paixãoin 'Espécie de Amor' do qual foi mais ou menos extraído o título deste post.
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Relembro: por aí abaixo encontrarão mais três posts, todos relativos à actualidade
(por esta ordem: o magro Isaltino, o seguro Costa, o inseguro Tó-Zero)
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E, por agora e sem ser capaz de rever tanta conversa, por aqui me despeço.
Tenham, meus Caros Leitores, uma boa quarta feira.
Abaixo poderão ver um vídeo maravilhoso com a Serra do Sol, a Serra da Arrábida. Foi um Leitor que mo enviou e eu estou-lhe muito agradecida. Não deixem de ver, por favor, tanto mais que encontrarão a identificação dos lugares indispensáveis. As recordações que me avivou este vídeo, tão boas.
Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.
Tenho que vos confessar já à partida: estou perdida, perdida, perdidésima de sono. Passa da uma da manhã, cheguei há pouco a casa. Hoje foi noite de programa, os restaurantes do Avillez são, de facto, muito bons, o Chiado à noite, no verão, é uma animação, turistas e mais turistas, e Lisboa é uma beleza com o rio lá em baixo. E, enquanto por ali ando a cirandar, a aspirar o ar fresco da noite, na conversa, a ver as montras, no laré, sinto sempre aquela sensação que adoro: ser turista, andar à descoberta, livre de convenções, amarrações e outras aperreações.
Enquanto lá, não sinto cansaço, ando de gosto, feliz e contente e só não compro écharpes - lindas e a cinco euros - aos indianos que por ali andam porque sou arrastada antes de fechar negócio. E o ar levemente frio e húmido é o complemento perfeito para a terapia que aquilo é para mim.
O pior mesmo é vir para casa e, no carro, já a quebrar, depois chegar a casa a precisar de ir directa para a cama... e ainda querer vir para aqui. É que o cansaço acumulado por uma semana preenchida e cheia de momentos de tensão (e noites mal dormidas) parece que se guarda inteiro para se despejar em cima de mim quando chego a casa de um programa nocturno. Como é que eu, até há algum tempo, conseguia ir às sextas para a night, chegando a casa madrugada alta e, se necessário fosse, repetir a dose ao sábado?
Deve ser isto a idade, só pode.
Bem, adiante, que se faz tarde.
Pedro Paixão ainda. E posso dizer-vos: foi com espanto que li algumas das palavras que vou transcrever e com as quais ele fecha o livro 'Espécie de Amor': como poderão constatar os que, por aqui, me acompanham, algumas das palavras são muito similares a palavras minhas, que aqui tenho partilhado convosco.
(Os parágrafos fui eu que os abri, acho que torna o texto mais fácil de ler no computador. No livro as frases sucedem-se sem espaço entre elas)
Smile
Ser não é ter, a vontade de poder sendo uma espiral infinita cujo único objectivo é ser mais poder, sempre e apenas mais poder, uma vontade que termina inevitavelmente numa catástrofe de limites variáveis. Quanto a mim envelhecer passou a ser uma coisa natural, com largas vantagens. Primeiro deixei de lutar contra o tempo, um combate, deste sempre, condenado ao fracasso. Depois deixei de amar e odiar ao mesmo tempo, aprendendo devagar a ser quem sou, e não quem julgava que seria. Depois deixei de dever o que quer que fosse ao mundo, ou exigir do mundo o que ele não me pode dar. Abandonei o projecto absurdo de querer justificar a minha existência, julgando que ela precisava de ser justificada, uma injustificável vaidade. Comecei a olhar o que antes descuidava. Um frágil cogumelo no chão do meu caminho tornou-se algo maravilhoso, que me traz uma breve mas preciosa alegria, e me obriga a parar, e ajoelhar, para o ver de perto, de mais perto.
Comecei a agradecer, todos os dias, os dias que vivia. Um agradecer sem destinatário, e, assim, sem pedir resposta. Uma religião privada, apenas minha, sem a calculada intenção de ganhar um céu, ou o que quer que seja e não se sabe, o que lhe retiraria o valor que porventura tenha. Uma religião sem sacerdotes, rituais, e sacrifícios. Uma religião que diga sou aqui, e baste. Que guarde em silêncio o que não tem palavras e a bondade que não tem história. Deixei de ter insónias e de atafulhar-me em comprimidos. O que não quer dizer que não continue a ter a doença que sempre tive, apenas passei a aceitá-la, o que a transformou por completo. Não quero ser mais ninguém, um trabalho altamente corrosivo. Chega-me a pensão que recebo dos bons tempos em que tentava ensinar História da Arte.
Lamento ter gasto tanto dinheiro, que ganhei em tão pouco tempo. Gostava de ter sido melhor e mais generosos para os vários amigos que fui tendo. Arrependo-me de ter atraiçoado as mulheres da minha vida, antes de elas me atraiçoarem. Desejo que o meu inconfundível amigo esteja em paz consigo, e com o mundo, se isso for possível. Quem sabe, ninguém sabe, talvez tenha começado a escrever o seu livro, que será o melhor da geração. A escrever-se. A escrever-me. A escrever-nos. Não a ambos, mas a todos aqueles que são poetas no coração e nada mais têm que lhes pertença além das palavras e a indomável vontade de amar e aprender a morrer. Entre mim e ti nunca existiu ninguém. Se morreres, terei de te matar outra vez.
I have tried to write Paradise
Do not move.
Let the wind speak
that is Paradise.
Let the Gods forgive what I
have made
Let those I love try to forgive
what I have made.
Canto 120, Ezra Poundin 'Espécie de Amor'
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As imagens são de um dos meus fotógrafos de eleição, Steve McCurry e fazem parte da série Lost in Thought .
A canção Smile é interpretada por Jaimee Paul.
Os excertos pertencem ao livro 'espécie de amor' de Pedro Paixão no qual fala do seu (ex-)melhor amigo, Miguel Esteves Cardoso.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo fim de semana a começar já por este sábado.
No post a seguir falo das imaturidades cobardes do Governo do Láparo (presentemente a propósito da birra que está a fazer na sequência de mais um chumbo, agora o da aclaração) e do triste pântano em que nos movemos.
Mais abaixo falo de Mário Soares que fez um discurso digno de um verdadeiro leão ao apoiar a candidatura de António Costa à liderança do PS e, um pouco mais abaixo ainda, dou os parabéns ao gatésimo Chico que, a brincar, a brincar, já lá vai com 70 anitos.
Mas isso é a seguir. Aqui, a gora, a conversa vai ser breve mas é sobre outra coisa.
Pedro Paixão e Miguel Esteves Cardoso, uma 'espécie de amor'
Uma amizade louca - que foi interrompida
Estava a ler a autobiografia de um romancista, 'Os factos', de Philip Roth. Mas estava a sentir-me um bocado maçada. Em boa hora comprei os dois livros novos de Pedro Paixão. Os livros dele são irregulares, de qualidade um bocado aleatória. Mas eu gosto dele, talvez porque gosto de gente com pancada.
Comecei pelo 'Espécie de Amor' em que fala da sua desmedida amizade com Miguel Esteves Cardoso. E estou presa. Muito bem escrito, muito interessante, como se fosse uma história muito íntima mas que sabemos ser verdadeira. Uma amizade que esmagava Pedro Paixão.
Além disso, Miguel Esteves Cardoso casou com a ex-mulher de Pedro Paixão e isso custou-lhe muito, não por ciúmes mas por medo da má influência sobre o filho e, por isso, recusou ser padrinho de casamento deles, tendo-lhe, então, o Miguel dito que nunca mais se falariam. E estou a falar nisto porque acabo de ouvir na entrevista; se ele relata isso no livro, ainda lá não cheguei.
Mas o livro é mais do que o que ele conta, mais do que os episódios pitorescos. O livro valeria apenas pela escrita, é uma sucessão de frases incríveis. Um livro muito bom.
Se não fosse tão tarde, transcreveria uns excertos, para que pudessem ficar com uma ideia, mesmo que apenas ao de leve. No entanto, já são quase duas da manhã e não dá.
Mas peço que vejam a entrevista na Sábado. Não sei se por impossibilidade mesmo, se por nabice minha, não consigo inserir o vídeo mas, se carregarem aqui, poderão lá ir ter e ver. E a casa dele... maravilha.
Recomendo também que vejam Pedro Paixão dissertando, À Procura de Wittgenstein. Se não me engano, é apresentado por Luís Quintais.
Pedro Paixão pode ser meio louco mas tem laivos de genialidade. Eu, pelo menos, acho-o brilhante - mesmo quando um pouco louco.
(A forma como ele se esfrega enquanto é apresentado dá bem ideia da pancada que tem naquela cabeça. Mas que interessa isso?)
À procura de Wittgenstein
(Wittgenstein, de quem Pedro Paixão tanto fala no seu livro e que foi incentivo para tantas discussões com Miguel Esteves Cardoso quando viviam juntos)
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Relembro: por aí abaixo há mais coisas para ler mas, dado o adiantado da hora e o sono que tenho, não me vou repetir. Convido-vos apenas a irem descendo.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta-feira.
Doutor, pode ser a qualquer hora, onde quer que esteja, com quem quer que seja. Olho para uma coisa e, sem querer, começo a retirar-lhe uma a uma todas as ligações que ela tem com as outras coisas até ela acabar por se sumir. Uma pessoa está a falar comigo e, de repente, deixo de a entender porque fico encantado pelas palavras, sem cuidar do que dizem. Ou então estou a pensar numa coisa e começo a pensar no que será isso de pensar numa coisa e esqueço-me do que estava pensar. Coisas assim.
.2.
Aqui, pensou o médico, desagua a última miséria, a solidão absoluta, o que em nós próprios não aguentamos suportar, os mais escondidos e vergonhosos dos nossos sentimentos, o que nos outros chamamos de loucura que é afinal a nossa e da qual nos protegemos a etiquetá-la, a comprimi-la de grades, a alimentá-la de pastilhas e de gotas para que continue existindo, a conceder-lhe licença de saída ao fim de semana e a encaminhá-la na direcção de uma 'normalidade' que provavelmente consiste apenas no empalhar em vida.
(...) Os que os procuram para se procurarem e arrastam de consultório em consultório a ansiedade da sua tristeza, como um coxo transporta a perna manca de endireita em endireita, em busca de um milagre impossível. Vestir as pessoas de diagnósticos, ouvi-las sem as escutar, ficar de fora delas como à beira de um rio de que se desconhecem os as correntes, os peixes e o côncavo de rocha de que nasce.
.3.
Estar doente é descobrir a existência autónoma do corpo, essa nossa outra identidade esquecida que anda connosco. Não somos donos da nossa mente, tão-pouco o somos do resto. Sim, o corpo escapa-nos tanto ou mais do que a memória, que também envelhece à nossa revelia: o corpo, esses, aguenta, reage, resiste, ou não, ele lá sabe! E nós assistimos, espectadores meio contrafeitos, a esta realidade situada fora de nós, embora sempre ao nosso lado. Que de nós, afinal, é indissociável. Estranha coisa.
Porque o nosso corpo, terra incognita, somos nós e não o somos, mas se ele morrer, morremos com ele. Pertencemos-lhe pois, mesmo contra nossa vontade.
Estar doente é passar a coexistir com um intruso. Um intruso vingativo.
A nossa vida sexual coincide com o melhor do que somos. É a expressão de uma sempre antiga fidelidade, íntimo júbilo reencontrado. De uma presença, em suma.
Ao invés, a doença é o pior do que somos, reflexo de uma íntima traição. Pior do que uma ausência, um esvaizamento.
.4.
Qual a sua profissão? perguntou um escritor a um crítico. Eu, sou médico de palavras. Médico de palavras? Tinha ido cortar o cabelo e achava-se desprovido de argumentos.
.5.
E ali fiquei, humilde, embrutecido, perante a comadre escura que me vigiava. Os olhos dela, vorazes, eram mais temíveis do que esse ventre desgastado de esforços vãos, do que a bacia estreita que se opunha à vida. Esperei minutos, horas, para me dispor àquilo que desde logo me pareceu indicado: uma intervenção com os medonhos ferros que são o pesadelo das parturientes e das famílias aldeãs. Até que a comadre, não suportando já as minhas hesitações, levou à frente das palavras um dedo sujo, antes que eu pudesse simular uma reacção, e enfiou-o nesse abismo insondável. E disse sem meias-tintas:
- Se quer fazer alguma coisa, Sr. Doutor, saiba que a criança está nas nalgas. Está presa presa no osso da rabadilha.
Aquela frase ficou inteira nas minhas recordações, ainda hoje me assusta os ouvidos.
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A. Os autores dos textos são respectivamente:
1. Pedro Paixão
2. António Lobo Antunes
3. Marcello Duarte Mathias
4. Ana Hatherly
5. Fernando Namora
e são parte de textos maiores contidos no livro, já aqui referido, 'A caneta que escreve e a que prescreve' organizado por Clara Crabbé Rocha.
B. As imagens são pinturas de Paul Klee, pintor suiço naturalizado alemão (1879 - 1940) que é cá dos meus.
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Se estiverem para isso, gostaria de vos ver lá pelo meu outro canto, o Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras mergulham em volta de um poema de Casimiro de Brito. Acompanham com vozes maravilhosas que continuam a semana Verdi.