terça-feira, agosto 31, 2021

Há uma altura certa para começar tudo de novo?

 


Atrai-me a perspectiva de mudar de vida. No outro dia li no Guardian um artigo sobre uma pessoa que se reformou e resolveu fazer o que sempre tinha desejado: escrever um livro. Correu-lhe bem e já vai a caminho do terceiro. Anne Youngson tinha uma outra profissão, era engenheira, e, ao mudar, tudo na vida dela ganhou novo sentido. Gostei de ler e pensei que tomara que comigo aconteça o mesmo.

Quando estou de férias, com a perspectiva de não ter nada que fazer, penso: vai ser assim quando me reformar, não ter nada que fazer. Ou seja, uma seca. E sei que dificilmente suportarei estar muito tempo sem nada que fazer. Por outro lado, sei que o tempo pode ir passando sem quase a gente dar por ele se encher a vida de pequenas rotinas: levantar, pequeno almoço, caminhada, compra de frescos, fazer o almoço, almoço, arrumar a cozinha, descansar um pouco, arrumar a casa, regar o jardim, fazer outra caminhada, fazer o jantar, jantar, ver televisão, escrever no blog. A vida pode ser tranquila se for preenchida com rotinas assim, cada rotina um porto seguro. Quem vive uma vida assim jamais se sentirá perdido pois a navegação será sempre curta, com terra à vista, de pequena actividade em pequena actividade. Os anos irão passando, se a pessoa tiver cuidado consigo própria irá vivendo uma vida saudável, e os anos irão passando na boa.

Mas creio que isso não funcionará comigo. Se tiver saúde e os anos de vida suficientes, acho que iniciarei uma nova vida. No outro dia, ao falar com os meninos, o querido e irrequieto mano do meio falava na doença do Jorge Sampaio e dizia que, enfim, também já tinha quase oitenta e dois anos. Contrapus que a bisa tem mais que isso, que já vai a caminho dos oitenta e nove. Ficou muito admirado. Então disse-lhe que isso não tem nada de mais, que eu vou viver até aos cento e tal. Ele repetiu, incrédulo, como se não acreditasse. Repeti, convicta. Mas sei lá quantos anos vou viver ou se, estando lá, na provecta idade, quererei viver muitos mais anos. 

Quando faço anos, gosto de perguntar aos meninos se sabem quantos anos faço. E acertem ou não, costumo dizer que faço cento e tal. Por exemplo: 'Não senhor. Cento e três.'. E eles, espantados, pensando que ouviram mal: 'Sessenta e três?' E eu: 'Isso é que era bom... Não senhor, já disse: cento e três...'. Ficam sempre baralhados. Gosto de baralhá-los com a minha idade. No fundo, gosto de fingir que tenho diferentes idades pois assim vou vivendo por avanço idades a que não sei se chego. Mas chegue onde chegar, o que quero é ter sempre a impressão de que estou a fazer o que me apetece fazer.

Não fazer fretes, não deixar a vida passar sem pelo menos tentar fazer o que me apetece -- isso é o que tenho sempre em mente, até com algum sentimento de urgência.

Ao escrever isto dos fretes, ocorreu-me que já vivi situações na minha vida que hoje não viveria de modo algum. 

Por exemplo, na minha adolescência tomei uma decisão errada, quase involuntária. Porque estava furiosa com um namorado que tinha ciúmes de um outro mas que não fazia o que deveria -- que era, simplesmente, agarrar-me, abraçar-me e beijar-me --, para me vingar e para o picar, resolvi começar a namorar o outro, o alvo dos seus ciúmes. Na minha cabeça impulsiva, aquilo era mesmo só para ver se ele acordava para a realidade e vinha atrás de mim. Se viesse, de forma aberta e assertiva, se me agarrasse e dissesse que me deixasse de parvoíces e que me deixasse estar quieta, nos seus braços, a coisa ter-se-ia resolvido logo ali. Mas isso não aconteceu. Ficou sentido, passado, zangado. Acreditou que eu tinha mesmo optado pelo outro. E ao outro nem lhe passou pela cabeça que eu queria simplesmente provocar o primeiro e, apaixonado que era por mim, levou aquilo a sério. E eu, envergonhada, não consegui desiludi-lo. Gostava dele, era amiga dele, admirava o seu lado artístico. Mas claro que não era apaixonada. Foi um castigo para conseguir manter algum distanciamento físico quando, naturalmente, ele queria muito mais. Escreveu belos poemas sobre isso, sobre a minha estranha e persistente inacessibilidade. Eu inventava mil desculpas para fugir à intimidade que ele procurava. E fazia um sacrifício dos diabos para aturar os pais deles, que eram uma simpatia e que gostavam muito de mim, ou as tias, também amorosas, e que falavam comigo como se eu fosse alguma vez casar-me com ele. Por exemplo, lembro-me bem de como fiquei passada, passada da vida, quando ele, que adorava o meu cabelo e fez vários poemas sobre ele, me disse que queria que eu, toda a vida, tivesse o cabelo comprido pois era assim que queria ver-me até ao resto dos seus dias. Fiquei com vontade de lhe dizer: mas olha lá, acreditas mesmo que vais viver a tua vida ao meu lado...? Mas não disse, tive acanhamento, tive pudor, tive vergonha. E, sobretudo, tive pena dele.

Hoje já não suportaria viver um namoro de faz de conta, que aos olhos dos outros e dele parecia verdadeiro mas que eu, no meu íntimo, sabia que era uma ficção construída em cima de um equívoco que, por cobardia minha, não esclareci atempadamente. 

Quem me conhecia apenas percebeu que, da minha parte, aquilo era uma coisa forçada quando me viram deveras apaixonada por aquele por quem o meu coração se rendeu incondicionalmente, num daqueles coup de foudre que fazia estremecer as pedras da calçada. 

Se eu pensar na minha vida em retrospectiva posso dizer que esse período em que namorei alguém por quem não estava apaixonada, alimentando-lhe falsas expectativas e, depois, causando-lhe um profundo desgosto de amor, é o que mais lamento. Hoje nada daquilo aconteceria. Hoje, se gostasse deveras de outro, diria claramente a esse outro o que sentia em vez de o deixar a sofrer e em vez de agudizar a dúvida namorando com outro. E, se, sem saber como, me visse metida numa situação dúbia, em vez de fazer fretes e alimentar uma absurda ficção, rapidamente a enfrentaria e me veria livre dela.

Na altura, a inexperiência, o medo da reacção dos outros, a insegurança, sei lá, fez com que alimentasse durante três anos uma coisa que jamais deveria ter durado mais do que três dias.

Mas, enfim, talvez tudo tenha uma razão de ser e talvez a aprendizagem dessa duplicidade que a gente, mesmo sem querer, vai alimentando tenha servido para me me fazer saber até onde se pode ir nesse jogo de disfarces em que, às tantas, nós próprios já acreditamos. 

Agora sou diferente. Tal como Anne Youngson diz:  

You have a better sense of yourself as you get older," . 

“You begin to understand where you fit, and you are not so anxious about who you are and what people think of you. It is liberating. Actually, I’m a big fan of old age. I think everybody should experience it.”

Agora é tudo pão-pão, queijo-queijo. Se quero digo que quero, se não gosto digo que não gosto.

E se me apetecer ser jardineira ou escritora é isso que irei tentar ser. Não quero saber dos anos que terei pela frente, do trabalho que isso dará, dos escolhos que poderei ter que enfrentar. Se é por ali que quero ir, é por ali que irei. 

Entrar numa nova actividade, num novo mundo, conhecer outra realidade, ter que aprender tudo de novo, ter a humildade de ouvir quem sabe e agradecer a ajuda que queiram oferecer-me, conhecer outras pessoas -- tudo isso é das coisas que mais me entusiasma. Começar de novo. Começar tudo de novo.

Foi como a sensação boa de mudar de casa, mudar para um local completamente diferente. Vizinhos novos, hábitos novos. Um corte radical com a vida anterior. Tão bom.

E agora, cada vez mais, tenho vontade de começar a pensar numa mudança ainda mais radical. Nascer de novo. Dar os primeiros passos. Que vontade sinto, caraças.


_______________________________________________________

As joias são de diamantes e rubis e quem esteja interessado nelas pode deslocar-se até à Oūmäem
E Isak Danielson tira-me as palavras da boca quando canta: Remember To Remember Me

________________________________________________________

Dias felizes

segunda-feira, agosto 30, 2021

Ménage à deux

 



Estamos tão formatados para ter coisas para fazer e para dar no duro que parece que não sabemos fazer outra coisa. Este domingo estivemos sozinhos in heaven. Dir-se-ia que seria normal que aproveitássemos para estar de perna estendida. Mas qual quê? 

Esta casa, já o contei, sendo grande, tem, contudo, falta de espaço para arrumação. Arquitectonicamente é interessante mas com poucas paredes onde se encostem móveis. Para arrumações temos uma casinha, lá fora, onde se guardam máquinas (a roçadora, a serra eléctrica, etc) e tintas e tabuleiros e trinchas e rolos, escadote, etc. Na casa há o que seria uma despensa mas que, na prática, funciona como arrecadação. Como a cozinha é ampla, é nos seus armários que guardo os produtos de alimentação. Só tem móveis baixos mas neles cabe o que é preciso. Portanto, na suposta despensa, numa parede tenho o tal móvel gigante, um multi-usos que os anteriores proprietários tinham na sala, e, na parede em frente, há uma estante de arrumação embutida. Nesta estão as caixas de ferramentas, produtos de limpeza, caixas com cenas, etc. Na parte de baixo, estão os sapatos e num outro separador também em baixo, vários garrafões de água para um just in case. 

No móvel havia de tudo: brinquedos, coisas da escola, sacos com indefinidos, vinhos, livros, roupas, bibelots, candeeiros, whatever. 

A divisão é estreita. Ao fundo, na parede onde está a janela (que raramente abrimos), está o aspirador, a tábua de passar a ferro e o ferro de engomar, algumas cadeiras de tipo realizador e outras de exterior e almofadas das espreguiçadeiras. Na parede oposta, a da porta, está um cabide de parede onde estão impermeáveis, sacos, chapéus de chuva. E, num canto, estão as vassouras, os baldes e as esfregonas. A babel da bagunça. Tão cheia estava que já tínhamos perdido o fio à meada.

Então, hoje o meu marido tirou praticamente tudo cá para fora. Apenas a zona das ferramentas lhe escapou. Diz que está bem assim, que encontra sempre o que quer. Eu acho que está a maior confusão. Nunca consigo encontrar o que quer que seja. Penso que deveria ter umas caixas grandes com compartimentos para poder ter as coisas organizadas por tipo e não, como está, tudo ao molho e fé em deus. Mas ele diz que não me meta no assunto e que não chateie. 

Mas, então, foi tirando coisas de todos aqueles compartimentos do móvel grande e de cima (porque estava até ao tecto). E eu, cá fora, ia triando. A quantidade e diversidade de coisas que saiu à cena é indescritível. Coisas que há muito julgava que se tinham perdido para sempre ali estavam. As coisas mais inenarráveis. Até um par de barbatanas e uma prancha de skimming. Não percebo. Vai-se encafuando e perde-se o rumo às coisas.

E tralha, tralha. Felizmente tínhamos cá um rolo de sacos pretos para o lixo. Fui enchendo. 

Apareceram mais uma porção de livros infantis e juvenis que eu não sabia onde andavam. Até livros meus, incluindo os da Berthe Bernage de que tanto gostei quando era miúda.

Os brinquedos e jogos estão agora todos na salinha de baixo da zona antiga da casa. Assim, é possível ver tudo e escolher o que se quer.

Temos ao fundo do corredor uma estante estreita de tamanho intermédio. Supostamente todos os livros infanto-juvenois estavam lá embora eu desde sempre me intrigasse por achar que deveriam faltar outros tantos. Mas como nunca os tinha contado e não fazia ideia de onde estavam os que achava que faltavam acabei por desistir de alimentar a dúvida. Apareceram. Como sobrava espaço nessa estante, tinha-se completado com livros de viagem e alguns de arquitectura que já não cabiam na zona deles. Agora estamos a pensar reorganizar algumas estantes, deixando esta apenas para livros para a maltinha jovem. Teremos é que arranjar sítio para os que de lá se tirarem.

E separámos alguns testes escolares ou trabalhos dos meus filhos que me pareceram com potencial interesse estimativo para que eles vejam se querem aproveitar alguma coisa. E brinquedos da minha filha para que ela decida se ficam, se vão fora.

E lavei alguns cortinados ou peças de vestuário que cheiravam a coisa guardada. E um vestido estampado de verão de que gostava muito e que acho que talvez sirva e fique bem à minha filha. É certo que o vestido era o 36 e que ela varia entre o 38 e o 40 mas pode ser que o 36 de antes seja o 38 de agora. Ela fica sempre surpreendida ao ver como eu cabia em roupinhas tão delgadinhas. Mas a vida é assim mesmo: as mulheres são como as árvores, o seu tronco vai ganhando espessura. 

Quanto ao resto -> lixo.

Sacos e sacos. Roupa para dar. Sacos com livros e cadernos para reciclar. E coisas para o lixo-lixo. O meu marido viu-se aflito para conseguir enfiar tudo no carro. E nunca mais aparecia de volta. Diz que esteve o tempo todo a separar os sacos pelos respectivos contentores.

Almoçámos às quatro da tarde.

Depois ainda pus uma cortina de casa de banho em lixívia, lavei uns tapetes, sei lá. E ele andou a desbastar a figueira e outros arbustos aqui em frente da janela da cozinha para que, ao estarmos aqui, tenhamos a sensação de que estamos em plena natureza. 
A janela é muito grande. Antes tinha umas cortinas de renda a meia altura. Agora achamos que preferimos a nudez do vidro que nos traz a visão integral do exterior. 
Sentámo-nos, entretanto, no sofá a descansar. Ele adormeceu logo. Eu não. Depois vimos dois episódios da Grace & Frankie.

Para o almoço limitámo-nos a restos (do peixe de ontem e de carne que trouxemos). Para o jantar, fiz ovos de tomatada que comi com pão pelo meio e que ele acompanhou com arroz.
E, com esta tomatada, acabei com os belos tomates do vizinho. Era bom que ele se lembrasse de cá voltar a pô-los à disposição. Mas, na volta, viu-me tão reticente em agarrá-los que agora se inibe. E isso será uma pena. Pode trazê-los à vontade que eu rapidamente lhes chamarei um figo.
Agora estive a fazer uma encomenda à ikea e, a seguir, adormeci. 

O meu marido há bocado perguntava: agora já está tudo ou ainda falta alguma coisa? Falta. Falta arrumar a parte de cima da escrivaninha. Está uma confusão desgraçada. Anos de crianças a mexerem e nós a fazer com que o tampo feche. Para encontrar alguma coisa é preciso muita destreza e equilibrismo. Uma coisa tipo mikado.

Se calhar, quando tivermos arrumado tudo, e ele desbastado mato e eu varrido tudo à volta da casa, vamos sentir-nos fatigados por já não termos nada que fazer. Mas, por enquanto, não descansamos enquanto não nos esfalfarmos a trabalhar.

Há explicação para isto? Estamos a ficar uns workaólicos da ménage? Ou what?

Será que não vou conseguir passar um dia de perna estendida...? Pergunto-me.

__________________________________________________


Martha Argerich e o neto, David Chen, interpretam Laideronnette de Ravel. As maçãs são aqui mostradas por William Mullan

________________________________

Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.
Saúde. Alegria. E força nisso.

domingo, agosto 29, 2021

Começar de novo

 



Foram buscar os dois mais crescidos à colónia de férias e, na volta, passaram por cá. O mais novo andava a pedir e os manos mais crescidos também gostam muito de cá estar. Quando chegaram, ainda no carro, o mano do meio perguntou-me o que era o almoço. Disse: robalo ou dourada no forno. Atirou-se para trás, altamente decepcionado, que peixe cozido é que não. Corrigi: não era cozido, era assado. Que não, qualquer coisa menos isso. Os pais mandaram-no calar. Não quis saber e perguntou que é que eu tinha mais que pudesse fazer. Disse que mais nada. 

Quando entraram, andaram a ver as mudanças. Gostaram da casa assim, mais branquinha e luminosa. Fiquei contente por ver que gostaram. A casa parece nova. 

Os mais crescidos vinham cansados. Em especial ela, que na véspera se tinha deitado à uma, vinha com uma pancada de sono que era bem patente no seu semblante.


Não obstante fez aquilo que agora faz sempre: veio para a cozinha, disse que queria ajudar e perguntou o que podia fazer. Disse-lhe que eu tinha que tratar do peixe e que era preciso tratar das batatas e da salada. O meu filho resolveu que tratariam das batatas (pequenas, para cozer com casca) e a minha nora atirou-se aos tomates do meu vizinho.
E não é metáfora, não senhor. 
No outro dia, depois de uma daquelas violentas sessões de limpeza e arrumação, chegámos ao fim do dia completamente arrasados. Quando, já noite, nos atirámos para o sofá, tocam à campainha que está junto ao portão da rua. Ficámos muito admirados. Àquela hora? Quem seria? O meu marido foi espreitar e veio avisar-me que era o vizinho da ponta da rua. Fui pôr-me decente e juntei-me a eles. Estavam junto ao banco de pedra que há à entrada da casa. O meu marido disse: 'O vizinho veio ver se queremos tomates que trouxe da horta'. Tinha um balde grande cheio de uns reluzentes e grandes tomates. Adoro tomate em todas as suas formas. Disse que sim e escolhi uns quantos. 'Tire mais...', disse-me ele. Tirei mais uns quantos. Uma pessoa fica naquela: tem vontade de se abastecer mas não quer abusar e tirar de mais. Mas pareceu-me que ele estava decepcionado por tirar menos do que ele esperaria. Voltei a tirar mais uns quantos. Entretanto, cansado dos seus múltiplos afazeres, tinha-se sentado no banco. As pessoas daqui trabalham todas muito. Ficámos a conversar durante um bocado. 
Mas, portanto, a salada foi feita com os grandes, pesados, reluzentes e saborosos tomates do vizinho.

Entretanto, eu tinha posto o forno no máximo para que o peixe, quando entrasse, o encontrasse bem quente. Num tabuleiro grande coloquei sal, azeite, orégãos e alecrim. Coloquei os robalos e as douradas em cima, virei-os e revirei-os para que recebessem o tempero. Depois coloquei-os no forno. Passado um bocado reduzi para os 170º. 

Com as batatas e o peixe em processo confeccional (confeccional de confecção) e com a salada pronta, fui dar atenção aos meninos, em especial ao mais pequeno.


Como no outro dia o referi, antes desta transformação, na sala de baixo, tinha, à vista e à disposição das crianças, vários brinquedos, nomeadamente os carrinhos que eram do meu filho. Hoje o mais pequeno quis saber onde estavam. Mostrei-os: arrumados num móvel na salinha da parte mais antiga da casa. Sentou-se logo no chão a brincar com eles. Mas depois disse-me que gostava mais quando estavam no outro sítio. Então ajudei-o a trazer alguns para a sala aqui ao lado, uma sala que têm portas de vidro e de onde se vêem as árvores.

Passado um bocado disse-me: 'anda, vamos fazer uma caminhada até ao meu caminho preferido'. Disse-lhe que tinha que se calçar. Então, como tinha deixado as havaianas à porta da cozinha, saímos por ali. Foi para um lado, a correr e a dizer: 'anda, vamos fazer a caminhada' mas logo parou: 'acho que o meu caminho preferido não é por aqui'. Olhou em volta. Depois disse-me: 'onde é a zona onde estávamos?' e acrescentou: 'é que dali eu sabia para onde queria ir...'. Acho uma graça à forma como se exprime, o vocabulário perfeito, a dicção perfeita. Fomos, então, até junto às portas de vidro da sala em que estava a brincar. Disse-lhe: eu acho que sei onde queres ir. E levei-o. Mas não estava convencido. Disse-me: 'Acho que não estou a ver o meu caminho preferido. É um caminho com muitas árvores...'. Mas caminhos com árvores há muitos. Pensei que talvez fosse o sítio onde, há uns dois anos, construíram uma casinha de troncos. Ficou contente de revê-la mas nitidamente era outro o lugar que tinha em mente. 


Mas já o meu filho e o meu marido chamavam, dizendo que as batatas e o peixe já deveriam estar. E estavam.

Portanto, procedeu-se ao almoço. E comeram bem, inclusivamente o mano do meio que antes tinha protestado tanto.

Depois de almoço deu-me uma pancada de sono e, como os mais crescidos estavam com sono, pensei que se encostariam um pouco e que talvez eu também pudesse dormir durante cinco minutos. Mas obviamente isso é daquelas miragens que não se percebe que eu ainda as tenha. Penteei a minha menina, uma trança ao lado. Ficou linda. Aliás, ela é linda. Depois ela e o mano mais novo quiseram fazer recortes e pintar. Pedi-lhe que fizesse desenhos com lápis de cor no suporte de madeira para o rolo das mãos que um dos primos pintou. Disse-me que essa seria a tarefa seguinte pois, antes, queria fazer desenhos em papel. Enquanto isso, o mano do meio leu um livro do Asterix que o pai lhe escolheu e depois esteve a ler algumas páginas de uma enciclopédia infantil. 


A seguir foram andar de trotineta, depois lanchar e depois foram-se, a minha menina com ar de quem iria adormecer no instante seguinte a sentar-se no carro (o que já sei que aconteceu mesmo). O mano reguila, que se move a pilhas de longa duração, manteve-se acordado.

E eu fui para uma espreguiçadeira, ao sol. Pensei que iria dormir mas, afinal, o sono tinha-me passado. Depois falei com a minha filha, depois com a minha mãe. Enquanto falava, ia caminhando. Quando passava ao pé de uma figueira, apanhava um e comia. Doces e carnudos de dar gosto. Tão bom estar aqui. Tão bom, tão bom. Paz absoluta, luz doce, silêncio do bom.

Quando regressei já anoitecia. Os dias estão cada vez mais pequenos. O outono aproxima-se a passos largos. Apesar de preferir os dias grandes e luminosos e de haver já no ar o prenúncio do seu fim, gosto desta altura do ano. É uma altura carregadinha de promessas. Sinto a mesma coisa que sentia quando as férias grandes se aproximavam do fim e o ano lectivo se fazia anunciar com novos colegas, novos professores, novas matérias, novas aventuras. É o ano que começa e, com ele, todas as boas expectativas. 

Começar de novo. Tão bom.


_______________________________________________________________

Fotografias de avós e netos da autoria de Sujata Setia na companhia de Isak Danielson que interpreta Start Again

__________________________________

Desejo-vos um feliz dia de domingo

sábado, agosto 28, 2021

Cenas da vida doméstica

 



Tenho estado outra vez a debater-me no meu sofá novo a ver se não adormeço. A minha filha chama-lhe o sofá-valium. A gente poisa nele e cai para o lado. 

Agora, para lhe dar luta, deitei-me ao comprido de barriga para baixo. Estou a escrever assim. Se fosse brasileira agora escrevia: vê se pode...

Não pode, né? Não dá jeito nenhum. Mas em qualquer outra posição, apago.

O dia foi do escafandro. Reuniões de manhã, uma com cerca de cinquenta pessoas. Obra. Abri e fechei e, pelo meio, a ideia era assistir. Contudo, face aos ânimos que, volta e meia, se agitaram, tive que intervir. Alguns momentos de tensão que tento encarar com desportivismo a ver se as ondas que me atravessam o coração não se invertem, outra vez, deixando-o a modos que de pantanas.

Pelo meio, ouvi a porta do meu escritório doméstico a abrir-se. Era o mais novo. Pensei que ia apenas dizer-me qualquer coisa pacífica como na reunião anterior, menos crítica e menos formal, em que entrou várias vezes. Mas não. Disse: Quero fazer cocó. Certifiquei-me que estava sem som e disse-lhe: Vai dizer ao o avô. Ele saiu. Passado um bocado apareceu o meu marido à porta. Fiz-lhe sinal com a mão que se fosse embora. De volta, fez-me ele sinal com as mãos, a pedir acho que é time out, aquele gesto que em alguns deportos se usa para pedir ao árbitro um tempo de intervalo. Acho que era quando o meu filho fazia andebol que eu via isso. O meu marido também praticou pelo que lhe deve ter ficado. Fiz-lhe sinal que saísse. Disse: 'Ele quer fazer cocó'. E eu, com a mão à frente da boca a ver se ninguém percebia a situação: 'Não posso sair. Limpa-lhe tu o rabo'. E ele, ar aflito: 'Pá, interrompe por um minuto, eu o rabo dele não limpo'. Tenho ideia que nunca limpou o rabo dos filhos. Ou se o fez foi debaixo de necessidade extrema. Santa paciência. Sem olhar para ele, mão em frente da boca: 'Não posso sair daqui. Limpa-lhe o rabo. Fecha a porta'. 

Lá foi. Certamente irritado comigo, certamente apreensivo com o que o esperava.

De notar que ele já estava de férias, eu é que não. E se fosse ao contrário, jamais me passaria pela cabeça interromper-lhe uma reunião para lhe pedir que fosse limpar o rabo a um neto. Só visto.

Quando a reunião acabou, perguntei se tinha cumprido a missão. Disse que cumprir, tinha cumprido, não sabia era se bem. 

Depois da minha nora ter ido buscar o meu menino mais querido, estando eu já despachada das minhas meetings, mudei de roupa, apanhei o cabelo, fui regar as flores de trás enquanto o meu marido regava as do lado. Fiz piza para o almoço mas quem a comeu foi sobretudo ele pois eu preferi complementar a minha fatia com um resto das ervilhas com ovos do outro dia.

A seguir, pegámos na trouxa e viemos para o campo. De caminho, parámos no supermercado e abastecemo-nos. A frequência e os carregos que de lá trazemos dia sim, dia não, são do além. 

Quando cá chegámos ainda cá andavam os senhores das janelas. Pelo meio, fui vendo mails, atendendo chamadas. Quando se foram embora, a casinha toda ela mais iluminada e clara, partimos para as limpezas. Nada a ver com o estrafego das pinturas. Agora foi tudo mais civilizado. Ainda assim, aspirámos, varremos e lavámos toda a casa. Pusemos também o tapete novo na zona das bergères ao pé da lareira e, mal o pusemos, logo constatei que vai ser um forrobodó. Branquinho demais. Bonito e mesmo a condizer com a mancha cromática da zona das refeições mas no campo não se têm os pés muito limpos, especialmente com entrar e sair a todo o momento. Mas se verá. Cada coisa a seu tempo.

O meu marido voltou a pendurar os cortinados pesados que estes das janelas voltaram a retirar. Chegaram, entretanto, as cadeiras brancas que tinham ficado a estofar (de bege clarinho).

Depois dos banhos tomados, fomos jantar um gyros no prato que trouxemos.  Bem bom. Já estávamos a caminho das onze da noite. 

Ao jantar reparei que o cabelo do meu marido estava com uns apontamentos de absurdo. Todo rapado mas alguns cabelos mais compridos de lado, nas frontes, ou em baixo, na nuca. Uns cabelos desfasados da realidade. Chamei-lhe a atenção. Perguntou: Sabes o que é, não sabes? Respondi: Sei. Queres ser auto-suficiente mas não tens competência para isso. Ele corrigiu-me: Não. É que um gajo nem para cortar o cabelo tem tempo, é sempre tudo a correr para aproveitar uma aberta que não dura muito tempo. Está bem, está.  Espero que tenha trazido a máquina ou que a que cá está ainda funcione para ver se lhe aparo aquela deselegância capilar.

Amanhã de manhã a ver se faço logo uma máquina de roupa e se coloco aqui no sofá uma coberta bege clarinha que deixei ao ar. Tenho também que ir ver se desencanto um ou outro bibelot para a mesa de cabeceira do quarto que era do meu filho. E tenho que limpar melhor alguns espelhos. Com as luzes acesas reparei que alguns não estão imaculados.

E tenho dois tapetes que lavei e estão a secar lá fora, um de pano bordado e outro de pasta de lã com o abecedário bordado. Gosto especialmente deste. É um tapete afegão, artesanato puro. Comprei-o em Londres, há mais de mil anos, num dia de feira afegã. Mas com tanto uso, está já com bocados a menos. Precisa de um restauro. Tenho que pensar o que faço.

E escuso de dizer que já não estou na posição inicial. Já me doía tudo. Agora estou outra vez toda na descontra, meio estendida no sofá, a ver se não deixo o post a meio e se o meu marido não vem aqui dar comigo a meio da noite. Portanto, vou mas é já dizer um ciao e vou arrastar-me até aos meus aposentos.

Com vossa licença, estou a ir.

_______________________________________________

Imagens da Exposição sobre Alice no País das Maravilhas (Alice: Curiouser and Curiouser) no V&A até final do ano ao som de Angelina Jordan a interpretar Bohemian Rhapsody

___________________________________________________

Já não é 6ª feira mas é como se fosse:

___________________________________________

Desejo-vos um belo sábado.
Sejam felizes.
(Pelo menos, tentem, está bem?)

sexta-feira, agosto 27, 2021

Pode um simples bouquet...?

 



Mais um daqueles dias com (quase) tudo lá dentro. Preciso desesperadamente de férias. Esta sexta-feira vai ser obra. Queria estar já numa de zero reuniões, reuniões free, mas não consegui. Não me dão tréguas. E mandam-me documentos para aprovar e eu não consigo aprovar o que quer que seja sem ler atentamente. E tem sido com cada um.... Dose. Portanto, há dias em que é praticamente non stop. E isso, nesta altura do campeonato, pesa a dobrar.

Trabalho à parte, a mesa de que eu gostava tanto e que se desconjuntou foi considerada um caso perdido. Mas o tampo é muito bonito e estava bom pelo que o meu marido se lembrou de lhe arranjar uns pés de tipo cavalete que tinha visto no Leroy. Assim, ficamos com a mesa suplementar de que temos falta para refeições de grande ajuntamento. A mesa nova creio que não acomodará mais do que 10 pessoas o que é curto. Além do mais, em tempos covid, não é de bom tom estarmos todos de boca aberta, sem máscara e colados uns aos outros. Portanto, a solução do tampo e dos cavaletes que se fecham e arrumam é uma boa. 

Aproveitei para trazer do Leroy uma latinha de dourado. Acho que alguns dos móveis pintados vão ficar uma belezura com um filet em dourado.

Ao lado do aparador, a minha filha fez uma mistura de mesas e de cores e numa jarra que está sobre o dito aparador, achou que ficaria bem umas flores no tom. Então, já que tínhamos que ir também comprar uma cafeteira (até a máquina do café se avariou) e uma box para a tdt (que se avariou), resolvi ir num pulo ao Gato Preto. Será escusado dizer que, em pleno Gato Preto, tive que me chatear pois, mal entrei, já ele estava passado. Detesta compras. Detesta. Sempre detestou. Quando eu não estava em teletrabalho, jardinava e passarinhava à vontade sem andar com ele. Agora, trabalhando em casa, aproveitamos os fins de dia para estas incursões em conjunto. Mas nunca correm bem. Ver flores no Gato Preto é porem-no a andar descalço sobre brasas: só quer correr dali para fora. Tive que lhe dizer, com maus modos, que parasse de me perseguir, loja fora, a dizer que não estava para aquilo. Ficou ainda mais bravo. A empregada vinha perguntar se precisávamos de alguma coisa mas deve ter percebido que havia raios e coriscos entre nós e arrepiou caminho. 

Portanto, lá escolhi apressadamente um little bouquet e lá nos viemos embora. Mas deve ter percebido que exagerou na birra pois no parque de estacionamento já vinha todo simpático a perguntar se não seria melhor irmos comprar comida para não ser preciso cozinhar quando chegássemos a casa. 

Felizmente a minha mãe não estava connosco senão punha-se logo do lado dele. Habituada a que o meu pai pusesse e dispusesse, condicionando-a nas suas vontades, faz-lhe muita impressão que o meu marido se mostre abertamente contrariado por fazer algumas coisas e que eu não acate cegamente a vontade dele. Eu digo que ele tem bom remédio: não vir comigo. Mas ele acha que eu sou despistada, me perco ou me distraio a ver isto e aquilo e nunca mais apareço em casa e, portanto, contrariado, vem. Mas vem mais numa de me controlar e obrigar a despachar. E isso irrita-me. Em contrapartida, há vantagens. 

Como estamos numa de, in heaven, tornar o ambiente mais claro, as carpetes da sala da lareira, que eram de tons mais intensos (Arraiolos feitos por mim respeitando as cores originais), foram para a zona mais antiga da casa e, para ali, a sala estava precisada de umas mais suaves. Portanto, hoje, a seguir aos pequenos electrodomésticos e às florzinhas fomos comprar uma carpete. Ou seja, um rolo bem gigante e bem pesadão. Poderia ter encomendado online? Poderia. Mas não seria a mesma coisa. Escolher um tapetão é daquelas que só mesmo ao vivo. E é também daquelas que eu não teria conseguido trazer sozinha.

Portanto, a ver se ele não se enfurecia mais e me dizia que carregasse eu com a carpete, calei-me caladinha. A vida de casada, quando a gente se gosta e se conhece, tem disto: um jogo de equilíbrios em que o deve e haver se misturam, se confundem, perdem o sentido. E, além disso, as pequenas quezílias evaporam-se instantaneamente (pelo menos connosco, é o que acontece).

Quando chegámos a casa, perto das nove da noite, fui ainda fazer uma proeza: pintar as raízes com tinta comprada no Lidl. Já o contei: na linha lateral de contorno do rosto, entre as orelhas e as laterias da testa, tenho já alguns cabelos brancos. Aliás, em meu entender, bastantes. Se usar o cabelo caído, mal se vêem. Mas, se o apanhar como gosto de fazer no verão, vêem-se bem. Também podiam ficar assim mas parece que não gosto ou, pelo menos, ainda não me habituei a gostar. Segui todas as instruções. Vinte minutos nas raízes e depois dez no resto para não ficar um contraste grande. Agora ainda o tenho um pouco húmido mas parece que ficou bom. Creio que até está igual à cor original. A ver se amanhã, sequinho e ao sol, está como deve ser. Acredito que sim. Jantei ao lado do meu marido e ele não disse nada. Acho que nem reparou. Ora isso significa que nada a reportar, que é o que importa.

Pelo caminho, encomendámos comida num restaurante e pouco depois estávamos lá a buscar a encomenda. Rolinhos de porco no forno com champignons, batatas em mil folhas, trufas e mais não sei o quê. Bons.... de comer e chorar por mais. Souberam-nos que nem ginjas boas, boas. Também... com a fome com que estávamos...

Com tudo isto, cheguei aqui e, como sempre, não apenas me constatei sem assunto como, para mal dos meus pecados, foi logo tiro e queda. Portanto, vou mas é pregar para outra freguesia que aqui, por hoje, parece que isto já deu o que tinha a dar. Sorry.

_________________________________________

Fotografias (lindas) da autoria de Nick Knight enquanto Roo Panes interpreta Childhood

PS: Se o que escrevi estiver pejadinho de gralhas, peço o favor de que relevem. Ou me corrijam, Please.

______________________________________

Desejo-vos uma bela sexta-feira. 

E, se não for pedir demais à suprema entidade reguladora, desejo que todo o fim-de-semana e toda a próxima semana sejam bons a valer para todos quantos estiverem a ter a paciência de aí estar, desse lado, a fazer-me companhia.

quinta-feira, agosto 26, 2021

A alternativa é ficar com os pés no ar

 



Tenho uma confissão a fazer. 

O sofá que tínhamos na sala da televisão, in heaven, era antigo e já afundava. Eu virava as almofadas do assento para ver a sensação de afundanço diminuía mas a idade não perdoa em todas as raças e géneros, incluindo sofás. Portanto, resolvemos trocá-lo. 

Tratámos disso num dia em que andávamos a ver se encontrávamos uma mesa que estendesse até mais de três metros de comprido. Mas as poucas que faziam a proeza, partindo de um tamanho discreto, eram mal jeitosas. Por isso, quando fomos em demanda do sofá já o meu marido tinha esgotado a paciência. Qualquer um lhe parecia bem desde que se livrasse daquilo. Fico aborrecida pois não há vez em que a gente tenha que tomar uma decisão relevante que ele não esteja já numa impaciência que não consegue controlar.

Às tantas, vimos um que era da cor, do material e com o tamanho e tipo desejável: lavável, clarinho, largo e com dois assentos com sistema de relax. Ou seja, cabendo três pessoas à vontade, quando estamos aqui os dois, cada um pode rebater o seu lugar como quiser que amigo não empata amigo. O meu marido disse: é isto, está resolvido. E eu sentei-me nele para experimentar. A senhora fez a demonstração e achei o máximo. Pedi que ele testasse. Recusou-se. Disse-lhe: mas vamos comprar um sofá sem veres se achas confortável? Ele disse que não precisava de testar, que com certeza que era bom, que servia. Fiquei chateada. Entretanto, no meio da contrariedade, reparei que, quando em posição normal, eu não chegava com os pés ao chão. Disse-lhe isso. Não ligou patavina. Acho que disse que se arranjava um banco para eu pôr os pés. A empregada disse que não era preciso banco pois o sofá levanta a parte de baixo. Tentei perceber como me adaptaria mas o meu marido já queria tratar da encomenda, pagar o sinal, raspar-se dali para fora. O costume. 

O sofá já cá está. Se me encosto atrás não chego com os pés ao chão. O meu marido desata-se a rir. 
No outro dia, um conhecido nosso, ao almoço, falou do dono de uma empresa que conhecemos, uma empresa que tem dois nomes. Não vou dizer o nome tal e qual mas imaginem que é Rocha & Bela. Contava ele que Rocha era o nome do dono. E acrescentou que o Rocha casou com uma mulher muito baixa, dizia que era pouco mais que uma anã. O meu marido disse: 'A Bela'. O nosso interlocutor confirmou: 'A Bela'. 
Pois bem. Agora, ao ver-me com os pés no ar, o meu marido diz que não tem culpa que eu seja do tamanho da Bela.

Se o reclino fico óptima, o sofá transforma-se numa confortável chaise-longue. Só que, mal isto se estica, logo eu me deixo dormir. Uma luta para estar aqui, reclinada, e a escrever... não vos digo nada. 

E tenho outra questão. Em situação social, uma pessoa não se vai pôr toda esparramada no sofá. Nas, aí, fico como? A fazer sala e com os pés no ar...? O meu marido, disfarçando o ar de gozo, diz: 'Eu não tenho problema'. Caraças. Tenho eu. Se eu ainda tivesse esperança de crescer... agora assim... 

Só tenho coisas que me ralem.

Tirando isso, a televisão também deixou de apanhar sinal, ou seja, não há televisão. Não sei se a caixinha da TDT se estragou ou o quê. Presumo que a tenham tratado mal durante o processo das pinturas. 

O termos optado por pintar a casa toda, por dentro e por fora, cá para mim está ao nível da minha decisão de fazer artroscopia aos dois joelhos ao mesmo tempo. Tinha problema num deles e, convencida que aquilo era só fazer uns furinhos para espreitar lá para dentro, embora do segundo praticamente não tivesse queixas, assim como assim, já que tinha que ser anestesiada, viam-se logo os dois. Tudo na boa, sem pensar nas consequências. Quando acordei e vi que tinha um saco com sangue que escorria de um dreno em cada joelho e quando percebi que, para me pôr de pé, não havia um em bom estado em que me pudesse apoiar, é que percebi a burra que tinha sido.

Assim com isto. Parte das coisas fomos nós que retirámos para o estúdio e o que ficou os pintores encarregaram-se de mudar de sítio. Portanto, primeiro que tudo volte ao devido lugar tem sido o fim da picada. Agora a seguir vêm os das janelas. Portanto, toca a retirar tudo o que esteja perto. E a seguir toca a limpar tudo, outra vez.

Mas, trabalhos esforçados à parte, a casa está uma graça. Mais clara, mais luminosa, aspecto mais arejado. A minha filha está cá a fazer as suas decorações. Ela e os meninos também andaram nas pinturas. Subsistem na cor original da madeira os móveis mais antigos mas o aspecto geral é de leveza. Acho que com as janelas brancas ainda melhor vai ficar.

Como estou a trabalhar ao mesmo tempo, ainda não tive tempo de ir passear lá por baixo. E estou cansada. Mas quem corre de gosto não cansa. E fico feliz da vida por ver como os meninos também gostam de cá estar e como hoje gostaram de andar a lixar e pintar móveis.

O pior mesmo é o sono e, aqui no sofá, não ter posição. Ou me reclino e deixo-me dormir ou me sento normalmente e fico com os pés no ar. Sou eu e a Bela.

__________________________________________________

Fotografias de Guy Bourdin

__________________________________________________

Um dia feliz.

Divirtam-se. Descansem. Descontraiam.

quarta-feira, agosto 25, 2021

O medo de se ficar sozinho

 


Nunca vivi sozinha. Enquanto pequena vivi com os meus pais, ficando, por vezes, em casa dos meus avós. 

Quando acabei o liceu fui em passeio com sete ou oito conhecidos e mais uns trinta desconhecidos passar um mês num país africano. 

Namorava nessa altura. Lembro-me do meu namorado muito emocionado no aeroporto e eu já toda entusiasmada com a aventura que se perspectivava. Foi um mês de múltiplas revelações. Acho que nem por um dia senti saudades do namorado. E não sei se isso diz muito sobre o que eu sentia por ele ou se diz da minha natureza. O que for.

Quando regressei, fui viver para uma residência de estudantes. Apesar de me dar bem com os meus pais, continuar a viver permanentemente com eles afigurava-se-me fora de questão. Tinha acabado de fazer dezassete anos. O ambiente de bairro e o controlo que a comunidade exercia nos seus membros e o receio que os meus pais tinham de que eu me tornasse objecto de falatório era-me insuportável. Ansiava por liberdade. Depois, por razões diversas, saí da residência e fui para um quarto. O namorado e os amigos eram uma presença constante com a graça adicional de que, entretanto, me tinha apaixonado por um desconhecido que me trazia de coração alvoroçado. Pouco depos, durante uns meses, vivi uma vida dupla. Nuns dias namorava com um, noutros andava inseparavelmente com outro.

Já o contei várias vezes pelo que abrevio.

Quando se tornou impossível gerir a situação, acabei com o namorado e caí nos braços do desconhecido. Algum tempo depois casei-me com ele. Tinha vinte anos. E algum tempo depois veio uma filha e algum tempo depois um filho. E vieram os primos dos filhos e os filhos dos amigos. A casa estava sempre cheia. E o tempo passou a correr e a filha arranjou um namorado e o meu filho uma namorada. E os namorados vieram cá a casa. E algum tempo depois a minha filha saiu para ir viver com o namorado e depois foi o meu filho que saiu para ir viver com a namorada. Entretanto casaram-se e começaram a chegar os filhos deles. Cinco. A casa foi-se enchendo.

E tal como os meus filhos vieram com os seus companheiros, um dia destes hão-de os meus netos começar a trazer os seus próprios companheiros e serão muito bem vindos.

A preocupação é o tamanho da mesa ou haver mesas adicionais que se juntem. E cadeiras. E bancos adicionais.

Por isso, viver sozinha nunca vivi. Nunca fui sozinha à praia ou ao cinema. Nunca levei o carro a lavar. Nunca usei um berbequim. 

Mas uso este 'nunca' com a convicção que, no dia em que precisar, irei, farei. É assim porque aconteceu assim. Calhou ter tido a sorte do desconhecido me ter saído melhor do que a encomenda e de ter nele o companheiro presente, atento e dedicado, compreensivo e amoroso, bem humorado, culto, bom pai e bom avô, bom genro e bom amigo que justifica a sua presença ao meu lado há tantos anos. Se o não fosse já o teria rifado há séculos. Não suportaria ter dentro de casa alguém que não fosse o meu homem, sendo que, para ser o meu homem, tem que ter tudo o que acho fundamental e não apenas uma parte. Nestas coisas não se podem fazer concessões: ou se é tudo ou não se é nada. Não tem que ser perfeito ou não tem que ser um santo: tem é que ser o nosso homem. Isto no meu caso que sou hetero. Se fosse homo, seria a minha mulher mas teria que ser identicamente completa. Um meio homem, um meio companheiro, uma mariazinha que uns dias sim mas outros não, um zé cueca que põe a sua agenda à frente da vida a dois, um coiseca que se acha o máximo descurando a atenção e mimo que eu acho que mereço, eu e qualquer mulher ou qualquer homem, seria rifado de imediato. Santa paciência.

Teria que ir à praia sozinha, teria que atinar com o berbequim ou teria que ir sozinha ao restaurante. Acredito que não seja a melhor coisa do mundo mas é certamente melhor do que uma pessoa anular a  sua autoestima para fazer de conta que tolera ou que aprecia a pouca coisa que o pouca-coisa tem para dar. 

E depois há a família e os amigos para fazerem companhia. E há as oportunidades que estão sempre a aparecer, assim a gente esteja disponível para as perceber e aproveitar.

Não posso falar de experiências que não tive. Posso apenas imaginar.

Se vivesse sozinha não teria a quem me encostar nas noites frias. Mas, pelo contrário, não teria um corpo quente a encostar-se a mim nas noites de calor. Há sempre um lado bom em tudo.

Sinceramente, não sei como seria comigo se me visse sozinha, sem companheiro. Se me puser a pensar nisso, acho que depois da estranheza de ter que me virar sozinha em coisas com que hoje não tenho que me preocupar (colocar pesados varões para cortinados, pintar muros, andar com uma roçadora a cortar mato ou coisas afins), me sentiria como me senti quando, adolescente, estive um mês num país africano que não conhecia, maioritariamente rodeada de desconhecidos, a viver situações até então desconhecidas... e feliz, feliz da vida, cada dia uma descoberta, cada dia um imenso sentimento de liberdade. À distância de algumas décadas penso que foi pena foi não ter aproveitado ainda mais. Se fosse hoje, com as facilidades que hoje há, provavelmente teria ido viver (fosse para estudar, fosse para trabalhar), nem que fosse durante uns meses ou um ano, num país desconhecido. Gosto do desconhecido.

Mas, na altura, com a cultura e os hábitos de então e porque o lado familiar sempre esteve muito presente em mim, foi como foi e ainda bem que assim foi. Mas sei bem que há muitas maneiras de uma pessoa se sentir realizada e feliz e muitas delas não passam por um casamento de longa duração como o meu.

E vem isto a propósito de um vídeo que hoje me apareceu: The high price we pay for our fear of loneliness

Ainda hei-de perceber o racional do algoritmo do YouTube. Creio que muitas vezes atira o barro à parede e, a partir dos vídeos que despertam o meu interesse, levando-me a abri-los e vê-los até ao fim, vai desenhando o meu mindset: Esta gosta de macacada, de arte, de arquitectura, de decoração, de política, de jardinagem, de música, de dança, de psicologia, de poesia... e, portanto, deixa cá ver o que é que se arranja para aqui a ver se ela morde o isco.

Quando eu partilho alguns vídeos deve ser a apoteose algorítmica e, portanto, a partir daí é iguaria que não falha no menu.

E estava a ver o vídeo acima referido e, a seguir, apareceu um outro que também me pareceu relevante. The fear of being alone and narcissistic relationships. Muito interessante e, creio, muito esclarecedor.

Pode a maioria das pessoas andar preocupada com matérias mais filosóficas ou mais prementes na actualidade e toda esta conversa soar a nonsense típico da silly season. Talvez. Mas acredito que, para além do eu-social ou do eu-político, há em todos nós o eu-eu que dá atenção a temas que têm a ver com assuntos mais pessoais. Por isso, tenho esperança que o tema deste post seja útil para alguns de vós que, aí desse lado, me ouvem a respirar.

________________________________________________

The High Price We Pay for Our Fear of Loneliness

We often make some very peculiar and regrettable choices on the basis of a hidden and unmentioned fear: that of being alone. But once we realise that there isn't, in fact, anything to fear about being on our own, we'll be liberated to make some far healthier decisions.


The fear of being alone and narcissistic relationships



__________________________

Fotografias de Niki Colemont photoshopada por Necromechanimal ao som de Max Richter em Flowers Of Herself

Nota: Tive dúvidas no título. Deverá ser como escrevi 'O medo de se ficar sozinho' ou 'O medo de se viver sozinho' ou 'medo de se estar sozinho ' ou 'o medo da solidão? Não sei. O que acham?

______________________________________

Desejo-vos um dia bom.
Saúde. Alegria. Confiança. 

terça-feira, agosto 24, 2021

Dar à luz

 



No nascimento de qualquer dos meus filhos houve falsas partidas. Nasceram ambos no limite, às quarenta e duas semanas, de partos induzidos. Antes houve ameaços, contrações, idas ao hospital. No caso da minha filha, cheguei a ficar lá um dia inteiro a parecer que ia mesmo nascer. Mas não nasceu. O médico, pessoa em quem tinha grande confiança, dizia que achava que se deveria deixar a natureza seguir o seu curso. Nada me parecia melhor. 

Portanto, nos dois casos, esperámos até ao limite e, no dia acordado, apresentei-me para que, a bem ou a mal, as crianças saltassem cá para fora. Nos dois casos só soube o sexo depois de terem nascido. Era informação irrelevante. Seriam os meus bebés queridos, fossem o que fossem, fossem como fossem.

Nos dois casos fiz preparação para o parto e, nas duas vezes, fui convencida de que não me ia custar nada. Nem por um instante coloquei a hipótese de que poderia doer. Pelo contrário, o que combinei é que não havia anestesia por qualquer via e que cesariana só em último caso.

Não fui nervosa. Pelo contrário, irritava-me quando me diziam que doía. Achava que a dor era psicológica e que eu, encarando a coisa na boa, não iria senti-las. Mesmo na segunda vez, depois daquilo por que passei na primeira vez, tive exactamente a mesma ideia.

Contudo, as dores que tive, horas e horas de violentas contrações, o organismo em sofrimento absoluto, transpirando em bica, por fim verdadeiramente desesperada de dores, seriam para deixar marca em qualquer animal, humano ou não. 

Lembro-me de estar num estado tal, incapacitada de todo, que, quando se aproximou o momento da expulsão, a enfermeira me ter dito que tinha que me pôr de pé e ir para a marquesa que estava mais além. Eu disse que não conseguia. As dores eram dilacerantes, parecia que alguma força invisível estava a rasgar o meu ventre, a agarrar o meu corpo por dentro, a esmagá-lo. Não sei explicar pois, na verdade, nunca antes tinha vivido uma situação de tal impotência perante o fenómeno que estava a enfrentar. Chegou a um ponto em que notoriamente as dores estavam para além do suportável. Pensei que poderia acontecer qualquer coisa de limite pois o sofrimento que estava a sentir já não era compatível com a natureza humana.

Nessa vez em que a enfermeira me mandou andar e me disse que conseguiria, não sei como mas, na verdade, consegui. Encontramos forças onde não sabemos que existem. Fui, quase inconsciente de tantas dores, o corpo todo tolhido. 

Quem não passou por isso não pode imaginar. Não se comparancom dores musculares, ósseas ou traumáticas. É coisa de outra dimensão, uma violência profunda, um espasmo doloroso, visceral, integral, o corpo em carne viva.

Acresce que, por características de família, criança não queria descer.  Melhor: não conseguia descer. No meu nascimento aconteceu o mesmo, no da minha mãe idem. Já mão me lembro mas tenho ideia que são os ossos da bacia que, na altura devida, não dão o espaço devido. Não sei. 

O médico fez de tudo para evitar a cesariana, conforme eu lhe tinha pedido. Saiu com ferros, o médico a puxar para a frente, o meu marido e a parteira a puxarem-me para trás. Não sei como resisti, não sei como não desmaiei. Mal a minha filha chegou cá fora e ma puseram em cima dizendo-me que era uma menina, apaguei. Mas apaguei condicionalmente pois vinha a mim para perguntar se a menina estava bem. Diziam-me que sim, eu caía no vazio para logo de seguida voltar a mim e perguntar pela menina. Até que cheguei ao quarto e foi como todas as dores se tivessem evaporado e se iniciasse uma nova fase em que me ia entregar a ela, dando-lhe o meu leite, alimentando-a e enchendo-a de amor. 

Fui para o segundo parto com a descontração e inconsciência da primeira vez. Contudo, foi pior. Ele era enorme. No momento do parto, sentia-me como se estivesse a rebentar, dores insanas. O médico tentou convencer-me a ser anestesiada. Não quis. O médico disse que deveria ser cesariana. Não quis. Gritavam-me para eu não fazer força pois poderia rasgar o útero mas não era eu que fazia força, devia ser ele. Ou era todo o organismo, não sei. Dores, dores, dores.

Daria a minha vida por eles.

Achava que ao natural, sem anestesias, sem artificialismos, as crianças seriam mais saudáveis. E, por isso, por elas, eu deixar-me-ia despedaçar se necessário fosse. 

Hoje pensaria de uma forma menos linear: tantas horas de dores, de contrações, de brutal sofrimento, afectarão de alguma forma a criança? Sofre também? Estará num sufoco, apertada, quase sem respirar, quase asfixiada durante as contrações? Se a resposta fosse positiva, isto é, que sim, que a criança também sofre e que tanto sofrimento seria escusado se a mãe aceitasse abreviar e atenuar o sofrimento, certamente pensaria melhor. Na altura não me ocorreu nem ninguém me falou de tal hipótese.

Também não me ocorria que uma criança, mesmo que com meses ou escassos anos, tinha sentimentos e pensamentos como qualquer ser humano. Na altura, preocupava-me sobretudo que fossem bem alimentadas, bem higienizadas, bem tratadas, acarinhadas, as suas necessidades compreendidas e atendidas. Se interpretavam bem ou mal os meus gestos ou se sofriam psicologicamente com alguns dos meus actos isso não me ocorria. Tantas vezes debaixo da pressão de trabalhar e deslocar-me e atender as suas necessidades, quantas vezes terei deixado os meus bebés sem perceberem bem as minhas opções? Terão ficado neles marcas de que nem eles próprios suspeitam?

Não sei. 

Sei que queria (e quero e sempre quererei) que sejam felizes e saudáveis. Mas será que há um ponto de equilíbrio entre o que queremos a nível de saúde e a nível de felicidade e que, muitas vezes sem querer, sem nos darmos conta, estamos a desbalancear num ou noutro sentido?

E estes são apenas exemplos de uma coisa. Conheço algumas pessoas que dizem que, se fossem hoje fazer uma coisa, fariam exactamente da mesma maneira. Acham que isso é sinal de coerência. Eu sou o contrário. Talvez seja inconsciente, incoerente. Mas mudo, penso segundo outras perspectivas. Hoje talvez os meus filhos tivessem nascido mais cedo, de cesariana. Pelo menos não teria sido tão irredutível e não pensaria tanto no lado físico, dedicando mais atenção ao seu lado psicológico. A ciência avança e, o que parece de uma maneira, rapidamente deixa de sê-lo pouco tempo depois. Temos que ter a humildade de reconhecer que, por vezes, julgando que estamos a fazer o melhor possível, estamos a errar.

--------------------------------------------

E já não sei bem a que propósito vinha isto. Caí aqui no sofá e o torpor do cansaço tomou conta de mim. Adormeci várias vezes ao escrever. Estou in heaven. Viemos ao fim do dia, depois de reuniões que demoraram mais do que se tinha previsto. Depois, parámos ainda no supermercado. Pelo meio, consegui convencer o meu marido a desviar-se para irmos aos gelados. À chegada, tivemos que arrumar as coisas. Jantámos às dez e tal. A seguir não se encontravam os cabos da televisão. E não sabíamos onde estavam os lençóis. Tivemos que fazer a cama.

Com tudo isto a pesar-me, comecei a escrever com um objectivo mas, pelo meio, perdi-o e agora, depois das duas e meia da manhã, já não consigo pensar. Portanto, fica assim. Pode ser que alguém consiga descortinar onde é que isto ia levar ou se o texto, tal como está, pode existir por si mesmo. 

--------------------------------------

As imagens são da autoria de Adrian Murray que, de forma tão terna, sabe fotografar os seus filhos. 

Bob Marley interpreta Three little birds

__________________________________

Desejo-vos um dia feliz.