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quinta-feira, dezembro 13, 2012

De que serve a beleza? De que serve a juventude? De que serve a inocência perante o fingimento e a lisonja? (E deixo uma adivinha, a ver se alguém descobre)







E, no entanto, fui, ah se fui, tão requisitada, tão admirada. A minha pele, os meus olhos, a minha boca. Toda eu. O meu corpo.

Deixa-me ver as tuas pernas e eu ria, fazia de conta que me envergonhava e, depois, como se estivesse distraída, mostrava-as. Mas havia em mim sempre um pudor que, de tão bonita que eu era, quase parecia artificial.

Deixa-me fotografar-te. E eu deixava. Não sorrias. E eu não sorria. Sorri apenas com os olhos e eu sorria só com os olhos. Ah que bonita que és. E, tantas vezes o ouvi, que imaginei que assim o seria para sempre.




Senta-te nessa cadeira, ao contrário, apoia os braços nas costas, espreita. Espreita como se me quisesses seduzir. E eu espreitava, sedutora.

Veste agora outra blusa que essa é muito fechada. E eu vestia. Deixa ver os ombros, deixa ver as pernas, deixa antever os seios. E eu, submissa, deslumbrada, a vida inteira pela frente e ainda tantos elogios por vir, tão bons, tanta ternura para receber, tão boa a ternura. 

Cada sorriso que recebia, cada pequena palavra, cada sugestão de prazer era sempre uma promessa de amor eterno, tão ingénua eu. Era uma dádiva, um presente que recebia agradecida.

Ficava triste, desiludida quando percebia que, afinal, era um plano secundário o que me estava reservado mas acreditava que, um dia, iria passar para primeiro plano. Queria tanto, tanto, tanto. Merecia tanto, esforçava-me tanto, fazia tudo o que me pediam.

Vamos ao cinema, e eu toda feliz. Depois do cinema podíamos ir jantar fora e eu agradecida, sim, sim, vamos, mas e se nos vêem? sempre eu com medo. Não vêem porque vamos para um sítio onde ninguém nos vê. E eu ria, sempre agradecida, sempre crédula, sempre submissa.

És a mulher mais bonita que já conheci, apetecia-me ficar a vida toda a olhar para ti, tão linda, tão linda, e eu lisonjeada, inocente, a alma acariciada. E essas palavras valiam por mil alianças, por mil papéis passados. As outras têm o resto, eu tenho o amor verdadeiro, a paixão, pensava eu.  Elas não são exigentes, contentam-se com tudo. Eu não, eu tenho a melhor parte. E iludia-me, iludia-me sempre.




Eu tinha, então, vinte anos e a minha pele era luminosa, os meus olhos sorriam, o meu corpo resplandecia.




Depois, eu tinha trinta anos um corpo firme, um ventre liso, uns seios firmes, uns lábios sorridentes, um cabelo brilhante. E tantos sonhos. Um grande amor, uma casa, uma família, sonhava eu. Mãe, vais ver, vou ter tudo, viagens, um jardim, uma laranjeira. E filhos também, mãe. Tantos sonhos.




Depois, eu tinha quarenta, uma pele mais espessa mas ainda macia, uns seios cheios, umas curvas mais pronunciadas, o cabelo ainda sedoso, com um suave ondulado, uns olhos que às vezes já se assustavam. Tão bonita que és, as mulheres mais maduras são melhores. E eu acrescentava, e tolerantes, e pacientes e o telefone tantas vezes sem tocar e o sofá tão frio e o espelho a começar a revelar as marcas do tempo. Vamos passar o fim de semana fora, tenho que ir em serviço. Clandestinos sempre, mas tão excitante isso, e tenho o melhor, tenho a vitalidade, o arrojo, o grão de loucura e um dia terá coragem e um dia será meu. E depois que já não podia ser, que aquilo não estava certo, que a mulher e os filhos e a família e tudo. E outra despedida. Tantas despedidas, tantas desilusões.




E depois eu já tinha cinquenta e quase já não conseguia sonhar e o cabelo tão sem vida e o olhar tão sem brilho e os lábios tão já sem sorrisos e os seios já tão inúteis e as pernas tão já sem graça. Tens um charme especial, não há outra como tu, e eu ainda a tentar acreditar, e, depois, nova desilusão, e tanto cansaço já, tanta descrença. E a casa tão vazia, sempre tão vazia, e os meus ombros tão abandonados, e eu tão já afastada de tudo, de todos. 

Passaram os anos. E o tempo, como um mar forte e desatento, foi deixando as suas terríveis marcas. Onde está aquela que fui, tão bela, tão desejada? Onde estão os que me cortejaram, agraciaram, amaram, os que percorreram o meu corpo? Onde estão? Onde estão que me deixaram aqui sozinha?

Desloco-me até à janela, escondo-me atrás da cortina, espreito a rua. Protegida da luz fria, coberta pela penumbra que me acolhe, digo em voz baixa as palavras que, antes, a brincar, dizia como se ensinasse aqueles que diziam amar-me:


Tens de fazer o papel de quem ama e aparentar, por palavras, que estás ferido;
    procura ser convincente, seja de que modo for;
não é custoso acreditar em ti; qualquer uma se julga merecedora de amor;
    por má que seja, não há nenhuma a quem não agrade a sua beleza.
Muitas vezes começa, porém, o fingidor a amar de verdade;
     muitas vezes, aquilo que no começo, simulara ser, veio a sê-lo mesmo.
Mais ainda por isso, ó mulheres, tornai-vos fáceis àqueles que fingem!
    Há-de transformar-se em amor autêntico o que era, ainda agora, simulação.
É, então, hora de cativar o coração, sorrateiramente, com palavras meigas,
    tal como galga a água corrente a ladeira da margem;
não hesites em louvar-lhe o rosto, os cabelos
    e os dedos esguios e o pé delicado;
dá deleite, mesmo às mais castas, o pregão da sua beleza;
    as donzelas cuidam da figura e ela dá-lhes prazer.


Sei bem de cor estas palavras, sei bem, tantas vezes as disse. Ensinava a arte de amar, eu, eu que julgava saber a arte de amar, eu tão ingénua, tão afinal sem nada saber, sem nada ter. De que vale a beleza do corpo quando ela é tanta que ofusca tudo o resto? De que vale a juventude quando é tão efémera? De que vale a esperança quando é tão perecível?

Quase sem querer, como um autómato demente, continuo em surdina,


Se me perguntas quanto tempo deve ela queixar-se, magoada, pois que seja curto,
    não vá a raiva reunir forças, à custa da demora excessiva;
que os teus braços lhe envolvam, de pronto, a alvura do colo,
    e acolhe o seu pranto no teu regaço;
dá-lhe beijos enquanto chora, dá-lhe a experimentar os prazeres...


Mas interrompo-me, ninguém me ouve, nenhuns braços virão para me envolver, nenhuns beijos virão afastar os meus prantos. Tanta a demora, tão excessiva a demora.

Já não tenho a quem ensinar, eu que nada sei. Vazia. Vazia eu numa casa vazia, tão fria, tão escura. Vazia. 

Olho-me no espelho enevoado. Procuro uma companhia nem que seja a companhia daquela que me olha no espelho. 




Choro. E a mulher que me olha chora também. Tem vinte, trinta, quarenta anos, não sei, mas chora como eu. Trazia já a solidão no olhar. A minha vida perdeu-se algures por aí e eu não dei por nada.


*

Este texto é a continuação do que escrevi ontem (e, aos que me preferem num registo mais animado, não sei o que dizer, talvez apenas que isto tem dias...). 

A música é Baby, I'm a fool e é, uma vez mais no Um Jeito Manso, Melody Gardot.

Catherine Deneuve aqui é fotografada por Jeanloup Sieff, Richard Avedon (a antepenúltima) e Helmut Newton (a penúltima). Não conheço a autoria da última.

Não identifico o texto transcrito, a itálico. Deixo para que adivinhem.

*

Como escrevi nos comentários de ontem não me foi possível hoje nem responder aos comentários - e tanto que o queria fazer, tão interessantes e generosos eles são - nem escrever no Ginjal, facto pelo qual me penitencio. Aceitem, por favor, as minhas desculpas. Tentarei fazê-lo amanhã.

E, por hoje, nada mais. Apenas, ainda, desejar-vos um dia muito feliz.

domingo, novembro 04, 2012

Numa noite de chuva, palavras de amor (Cet amour e Pour toi, mon amour de Jacques Prévert) para acompanhar uma mulher nocturna. Jeanloup Sieff fotografa.




Passa das duas da manhã, chove vertiginosamente, a chuva enche de brilhos a vista nocturna a partir da minha janela, mas - vendo bem - as luzes que avisto são as luzes da sala misturadas com as da cidade adormecida. Mundos misturados. Estou aqui sozinha na minha sala, escolho as imagens e as palavras que vos vou mostrar e o meu pensamento mistura-se com o pensamento de quem escreveu as palavras que estou a ouvir..

Estas são as horas mais íntimas, as horas cheias de noite, silêncio, as horas em que as ideias e as palavras voam sem obstáculos, sem lógica, estas são as horas de todas as liberdades.




Não tenho motivo nem pretensão, nem explicação. Nem propósito. Nem malícia ou pudor. Nada.

Só tenho palavras soltas, perdidas. Pura vagabundagem nocturna. 





E, depois, as palavras de amor, o som das palavras, palavras caindo como água numa janela iluminada. Os pássaros ausentes, os sorrisos adormecidos, os barcos recolhidos, apenas silêncio. E eu, aqui, delirando numa sala embalada pela chuva forte na janela, o rio enegrecido, o farol sem luz, a cidade longínqua, dormente. E eu aqui.




Chamaram-me Artemes. Artemisa. Escreveu-me o poeta poemas de amor em que eu era Artemes. Deusa eu, inacessível.

Natália também escreveu sobre ela, assim.

Quando a lua se envolve em túnica ligeira
e um alado segredo no ar fragrante ondeia,
de Artemisa é a noite virgem e alta. Suave.
serenamente cheia de intacta novidade.

...

Alta e branca Artemisa entra no mar e desata
a trança. Boiam na água seus cabelos de prata;
e a sombra num odor branco por jasmins a brotar
escorre para os brilhos silenciosos do mar.


Mergulho, pois, na noite, nesta noite que escorre doida de chuva. O silêncio que me envolve escorre na janela. E uma pequena luz aqui ao meu lado, companhia suave, um calor muito doce. E vocês aí.




E eu, meus Caros Leitores - nesta noite sonhada e leve, cheia de chuva, a alma lavada, as flores esmagadas que perfumam o ar que respiro - penso em vós, aí desse lado sem que eu vos possa ver os olhos ou sentir o calor das vossas mãos. E eu aqui, secreta, nocturna, escrevendo-vos palavras soltas, sem tino ou preceito, tão perto de vós, quase vos tocando com a minha respiração, com os meus dedos vadios que escrevem palavras que voam sem dono, que vão sair daqui voando até vós.


*

As fotografias a preto e branco são de Jeanloup Sieff.  

O poema de Jacques Prévert Cet Amour é dito por Jeanne Moreau. 

O poema Pour Toi mon amour, também de Jacques Prévert, é dito por Gilles-Claude Thériault, ouvindo-se Chopin interpretado por John Michel, violoncelista, e Lisa Bergman, pianista.

*

E penso em vós, agora, para vos desejar, meus Caros leitores, um domingo muito bom. 
Saúde, afecto e alguma loucura é o que hoje vos desejo.

sexta-feira, fevereiro 03, 2012

É a economia, estúpido! Manuela Ferreira Leite, Poul Thomsen, Carlo Cottarelli - todos dizem que é preciso abrandar a austeridade e relançar a economia mas Passos Coelho ainda não percebeu. E, para não nos afogarmos em tristezas, Joni Mitchell, a poesia de António Ramos Rosa e as mulheres de Jeanloup Sieff e Robert Mapplethorpe


1. Ar puro, por favor, preciso. Comecemos por ligar a música* para, então, prosseguirmos.



(* Obrigada P. R!)

 de JeanLoup Sieff


                       Mulher, tu cabes num soneto se o fizer perfeito e imperfeito
                       Se o abrir tanto como se abre o teu peito ao respirar
                       Com as tuas ancas balanças inseguras para a dança
                       Mulher tu não tens par para parar contigo
                       A tua dança não nivela entre os teus braços ao alto
                       Mulher amiga eu desisto do soneto não porque não o mereças
                         ....
                       se desisto é porque corres como um rio em raios de música
                       e na caixa simétrica de um soneto serias uma boneca branca fixa 
                                                                                                                     ou uma estampa


[Início de um poema inédito de António Ramos Rosa in Cultura ENTRE Cultura Nº 4, bela revista que recomendo]

..... ..... 

2. Peço agora a vossa licença por ir passar para um outro comprimento de onda. Quase sinto que vou conspurcar a leveza do momento anterior e devo confessar que estou aqui a vacilar sobre se o devo ou não fazer.

Não me apetece nada - mas acho que devo fazê-lo. Todas as vozes que se levantem são poucas e o pouco que faço é nada face ao que sinto que deveria fazer. 

- . -

2.a. É preciso ter muito cuidado com o poder nas mãos de pessoas pouco inteligentes.  

Quando há eleições que não se pense que, com o voto, se está essencialmente a punir o ente indesejado que lá está. Não, não se trata disso – porque o lugar nunca fica vazio. Quando se vota, está a escolher-se quem lá vai ficar.

Por isso, podia não se gostar de Sócrates mas dever-se-ia ter avaliado se Passos Coelho e respectiva turma não seria pior solução. Em meu entender, via-se à vista desarmada que era uma gente sem competência, sem experiência, sem cultura e, mesmo, com uma inteligência algo limitada. Mas agora está à vista o perigo que são.

Com ciência colada a cuspo, sem bases teóricas e sem prática, não fazem ideia do que andam a fazer. Como qualquer mau aluno que se preze limitam-se a copiar por aquele que acham que sabe e, com a espertalhice que aprenderam na Jota, para disfarçar que não sabem nada de coisa nenhuma, querem ainda parecer mais papistas que o papa. Querem que se pense que a troika ou a Merkel é que andam a copiar por eles. E então aplicam a suposta cartilha liberal  à outrance.

O que estão a fazer é a mesma coisa que um doente destituído de inteligência a quem dissessem que, para curarem uma doença, deveria tomar 1 comprimido de 8 em 8 horas e o doente, por sua alta recriação, desatasse a tomar 1 comprimido de 2 em 2 horas para fazer mais efeito e mais depressa. E, burro, ao ver que andava com vómitos, dor de cabeça, a desmaiar 5 vezes por dia, com problemas de visão e queda de cabelo, resolvesse que tinha era que tomar uma dose ainda maior e passasse a tomar de hora em hora, e que, quando já mal se levantasse da cama, concluísse que tinha era que os tomar em contínuo, e pusesse um balde de comprimidos ao lado da cama para engolir um de minuto a minuto. Nem mais. É isto que está a acontecer por cá.

Se tiverem curiosidade, recomendo a leitura integral do texto publicado no blogue do FMI da autoria de Carlo Cottarelli, do Departamento de Fiscal Affairs do FMI. Aqui.


Diz Carlo Cottarelli que os ajustamentos fiscais para combater a crise da dívida pública devem ser graduais e seguros. Querer regularizar a situação num período muito curto vai inibir o crescimento, ou seja, na prática, vai impedir a recuperação. Salienta que os mercados não gostam de dívidas muito elevadas mas ainda menos gostam de fracos crescimentos.

Refere a sua preocupação com o que está a acontecer em alguns países da Europa que não estão a perceber isto. 

Isto mesmo disse Manuela Ferreira Leite. Isso mesmo disse Poul Thomsen que diz que se está a ir depressa demais no ajustamento, que será necessário abrandar. Um pouco por todo o lado, as mais insuspeitas vozes clamam contra o que está a ser feito.

Só Passos Coelho e respectiva entourage não percebem isto. Todos os dias fecham mais empresas, cada vez mais ordenados em atraso, cada vez mais gente sem dinheiro para se tratar, cada vez mais crianças com fome nas escolas, desemprego e mais desemprego - e esta gente persiste. Acham que há é que sangrar ainda mais a população. É demais. É um perigo gente assim à frente do País.

Não vos maço mais com isto mas aconselho a leitura do artigo. Está claro e bem fundamentado.


2.b. Portugal precisa urgentemente de um programa de crescimento.

Um programa de crescimento não é antagónico de austeridade. Deve haver combate ao consumo disparatado, aos gastos desnecessários, ao despesismo, ao investimento em coisas que não servem para nada.

Mas deve haver um programa transeuropeu de crescimento - especializar o desenvolvimento por regiões. Portugal, por exemplo, pode apostar forte nas indústrias ligadas ao mar (com tudo o que isso implica em volta, e a montante e a jusante, desde a formação, investigação, até às indústrias complementares) ou indústrias ligadas a outra coisa qualquer que se identifique como viável e interessante. E, identificando isso, deve começar a atrair e a fomentar a instalação de tudo o que dê corpo a essa estratégia. E deve fazer isso com pés e cabeça numa estratégia consistente ao longo do tempo, dure o tempo que demorar.

Dir-me-ão que não há dinheiro para isso.

Há. Há sempre dinheiro quando se tem um projecto viável. Dinheiro é o que não falta: podem ser investidores não europeus, podem ser fundos que a Europa disponibilize, pode ser uma realocação diferente de recursos públicos (se apostarmos na actual estratégia de miserabilismo, grande parte dos recursos vai para subsídios de desemprego, subsídios de apoio à subsistência; há menos gente a descontar porque há mais gente a ganhar menos e mais gente no desemprego que, em vez de descontar, recebe. Numa estratégia de crescimento os recursos são alocados numa perspectiva multiplicadora.)

E o que se precisa é que a economia funcione. É vital que se volte a ligar o motor económico. 

Ora, uma economia a funcionar passa por um comprar a outro, o que vende recebe dinheiro e vai comprar a outro e assim sucessivamente. Havendo retracção, um não compra, o outro não vende, e o dinheiro deixa de circular, a confiança perde-se, a dívida aumenta. 

Mas quero voltar à minha afirmação ali de cima que vos pode ser soado polémica – a de que dinheiro não falta.

Ora bem. A China, o Brasil, Angola, por exemplo, são casos que conhecemos muito bem de investidores que precisam de ensopar a sua liquidez. Grande parte das nossas maiores empresas já estão na mão deles. E há países pacíficos do médio oriente que também nadam em dinheiro e procuram bons investimentos.

Ora podem consegui-lo por abdicarmos da nossa soberania, vendendo-lhes as nossas empresas estratégicas.

Mas uma outra coisa, bem diferente, é negociar contratos numa outra base e não vou aqui alongar-me a identificar as diversas modalidades. Mas, basicamente, há uma diferença de monta entre mostrar que se está de calças na mão ó tio, ó tio e outra, oposta, é dizer ‘tenho aqui um projecto interessante e andamos à procura de um parceiro’. Read my lips.



Em suma, esta situação que atravessamos, que é errada na teoria e na prática, está a conduzir Portugal ao beco em que a Grécia está metida. Portugal, após alguns meses de governação do bando Passos, Relvas, Gaspar, Moedas está hoje muito pior do que antes. E o grave é que eles ainda não perceberam. 

. &.

3. Nova operação de purificação do ar. Música de novo, por favor.


(Thanks again. P. R.)

Lisa Lyon por Robert Mapplethorpe


                        O poeta que canta a tua graça
                        não poderia chamar-te uma leitora anónima
                        (...) 
                        Se não conhecesse o teu andar
                        e os teus gestos vivos,
                        perdida noutro século
                        azul e cintilante como uma estrela
                        ter-te-ia perdido, minha amiga,
                        nem poderia sonhar contigo!


                       [Excerto de um poema inédito de António Ramos Rosa in Cultura ENTRE Cultura Nº 4]

....

E vocês, meus leitores, alguns anónimos, que estão aí, algures no mundo, não me percam nem deixem que eu vos perca. E permitam que eu sonhe convosco.

E tenham, meus Amigos, uma bela sexta-feira.
  

quarta-feira, janeiro 25, 2012

Moralismos numa hora destas? E outro plano de resgate para Portugal? ... O ano está a começar bem, está... Valha-nos a poesia de Golgona Anghel e a fotografia de Jeanloup Sieff


Andei na catequese até aos 9 anos.

Fiz a primeira comunhão quando devia ter uns 6 anos, aperaltada com um vestidinho curto, rodado, de renda branca e devia ir toda enfeitada de florzinhas (ou, então, era a capela que estava toda enfeitada de florzinhas e cheirava a rosinhas e a velas derretidas e a soalho encerado e eu adorava aquele cheiro).


Depois continuei na catequese até à comunhão solene à qual compareci vestida de freira, uma veste singela de um tecido espesso branco sujo, um cordão à cintura, um véu do mesmo tecido cobrindo o cabelo comprido. Vejo-me numa fotografia tirada por um fotógrafo profissional a olhar para o alto, de lado, aparentemente compenetrada. Mas lembro-me dessa sessão, de como me senti parvinha, a trocar de roupa para a sessão, o fotógrafo a querer que eu me empertigasse, a ajeitar-me pelos ombros para ficar a três quartos, a rodar-me a cabeça, a levantar-me o queixo (e tinha a mão fria, ele), e a minha mãe a observar, a querer que eu ficasse bem.

Enfim, momentos incompreensíveis da nossa existência.

De facto, nunca percebi nada daquela cena. Porque é que para a primeira comunhão ia radiosa, rendinhas brancas, vestidinho curto e para a outra já fui naqueles preparos, armada em ascética freira?

Mas a questão nem é essa, a questão é que nunca me identifiquei com o que lá aprendia. Era pequena e tudo aquilo me parecia forçado, muito drama para ser ensinado a crianças pequenas, muita culpa, muita punição. Já uma vez aqui falei nisso. Todas as sextas feiras íamos à capela (ou seria só em alturas especiais?) e tínhamos que nos confessar. E eu lembro-me de ficar sentada no banco cá atrás a puxar pela cabeça e a ver o que é que, daquilo que eu tinha feito, poderia ser considerado pecado – e achava que tudo era uma coisa pouco natural, sem lógica nenhuma, e depois, como desde pequena que tendo para a criatividade, chateava-me ter que ser repetitiva e, se na semana anterior confessava que tinha feito alguma maldade, na seguinte já me sentia compelida a descobrir algum pecado de natureza diferente. Depois, se tinha aprendido os pecados capitais, sentia-me ridícula por ir maçar o padre com minudências insignificantes em vez de aparecer a confessar coisa que se visse. E, então, ali ficava a dar a vez aos outros, contrariadíssima, a ver se, entretanto, me ocorria alguma coisa de que me sentisse culpada. 

Felizmente sou uma criatura destemperada e esse sentimento de culpa não deixou marcas dentro de mim.

Se tenho dúvidas, sopeso, analiso e aconselho-me antes de agir; se a minha consciência aprova, faço; se a consciência não aprova, não faço – é simples. Se verifico que errei, corrijo, se for caso disso, peço desculpa ao eventual lesado. Não pauto a minha actuação por preceitos radicados na culpa ou na potencial culpa ou no receio do julgamento por parte de terceiros (mesmo que os terceiros sejam Jesus Cristo e a Igreja católica).

Mas encontro sentimentos de culpa a toda a hora nas pessoas mais atiladas, provavelmente naqueles a quem a catequese produziu efeito.

Penso que grande parte do que se está a passar a nível das medidas para ultrapassar a crise radica aí. É como que um package punitivo. 

Quem fez dívida para além da conta tem que amargar de todas as maneiras possíveis e imaginárias: mais impostos, coisas mais caras, menos segurança, ameaças, medos, ou isto ou o apocalipse, arder no fogo eterno, e tem que rezar cem pais nossos e duzentas ave marias, ou seja, pagar mais juros, muito mais juros, e mais comissões à troika, e mais os ordenados de três mil assessores do governo e mais trezentas chibatadas todos os dias (tantas quantas as vezes que somos fustigadas com as aparições da Merkel ou, por cá, do Relvas, do Passos, do Gaspar, do pequeno Álvaro). Um kit punitivo, portanto. 


E as pessoas, coitadas, acríticas, aceitam arrependidas, esperam que após tamanho sofrimento venha o perdão.

Pois eu acho tudo isso uma carnavalada sem sentido. Mas uma carnavalada perigosa - e aí a coisa deixa de ter graça.

Quem pecou não foram os que estão a ser agora tão duramente penalizados. Quem pecou foram os especuladores financeiros, os políticos fracos e incompetentes que ao longo de anos e anos a fio não souberam governar os países, quem pecou foram os gananciosos que usufruíram de lucros fáceis e especulativos, tantas vezes criminosos. Quem pecou foram muitos dos que agora erguem bandeiras a favor dos cortes nos ordenados, nos subsídios, a favor da austeridade, da necessidade de despedir e penalizar os trabalhadores. E se muitos de nós pecámos foi por sermos tão submissos, aceitando ser governados e manipulados por tão fraca gente.

No dia em que a imprensa estrangeira refere que Portugal pode ter que recorrer a novo programa de ajuda, numa altura em que os juros alcançados atingem valores incomportáveis, numa altura em que o serviço da dívida sorve recursos que deveriam ser canalizados para a economia, num dia em que o FMI censura a forma como o Governo está a conduzir este processo mascarando o défice com medidas extraordinárias e pontuais e não efectuando medidas de fundo, num dia em que várias vozes se levantam no sentido de não se insistir numa austeridade que estrangula de morte a economia, transcrevo de um artigo de antes de ontem no Expresso: 

"Christine Lagarde, num discurso no Conselho Alemão de Relações Externas em Berlim, criticou esta segunda-feira 'uma tendência preocupante em diversos meios - de verem a política orçamental como um jogo de moralismo entre liberalidade e responsabilidade'.

Como conclusão, a directora-geral do FMI repete o seu conselho: 'medidas credíveis que impliquem e ancorem poupanças no médio prazo ajudarão a criar espaço para acomodação de crescimento hoje (sublinhado de Lagarde) - permitindo um ritmo mais lento da consolidação'.

Lagarde, num discurso que abordou extensivamente a situação na zona euro, considerada o 'epicentro' dos problemas, bem como o 'resto do mundo', salientou que estava nas mãos dos políticos evitar 'um momento do tipo dos anos 1930'. 'O que temos todos de compreender é que este é um momento de definição. Não se trata de salvar este país ou região. Trata-se de salvar o mundo de uma espiral económica descendente', referiu. 'Podemos evitar um tal cenário. Digo-o por uma razão simples: sabemos o que tem de ser feito', sublinhou ainda. Terminou citando o poeta alemão Goethe: 'Não basta saber, tem de se aplicar. Não basta querer, tem de se fazer'.

Tomara que ainda se vá a tempo.

[Face à gravidade do que está em jogo, não me apetece tecer comentários sobre o que para aí vai à volta dos dislates e da falta de jeito de Cavaco Silva. Não foi ele igual a si próprio? Claro que foi. Sempre foi assim. E quanto ao afastamento do jornalista Pedro Rosa Mendes, ao que por aí corre, a mando do inefável Relvas? Qual o espanto? Não é Relvas igual a si próprio? Quem não votou neles, não se espanta. Quem votou, porque se espanta?]

Adiante, meus amigos.

por Jeanloup Sieff

                                           (...)

                                           Quantas madrugadas,
                                           quantos passos,
                                           quantas vidas,
                                           quantos medos serão ainda precisos
                                           para que estas ruínas acabem de se despedir?


                                          (excerto de poema de Golgona Anghel in Criatura)

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Uma boa quarta-feira, meus Caros! 

E nada de desanimar que isto um dia destes vira ou este não fosse o ano do dragão (e consta que, por cá, o dragão até tem três gargantas: deve ser dos bons!)