sábado, novembro 30, 2019

Só se for um hipopótamo...


Não sou dada a black fridays. Esta sexta-feira fugi do comércio e até, para almoçar, fui a um sítio em que não há lojas ou, se as há, são tão discretas que nem por elas dou. Não que não goste de pechinchas. Gosto. Mas incomoda-me muito a confusão. Se pudesse ter as lojas à minha disposição sem ter que me desviar para não levar encontrões, sem ter que esperar para entrar para provar alguma coisa, sem ter que estar na fila para pagar, ainda vá que não vá. Mas isso não existe.

Por isso, vade retro black friday, fui mas foi almoçar tranquilamente e, a seguir, fui à livraria onde há que tempos tinha encomendado o livro que a JV me recomendou: da Herta Müller, O rei faz vénia e mata. Tanto tempo já tinha decorrido que já daí tinha tirado o sentido. Afinal, a semana passada recebi uma sms a informar que estava disponível mas que, se não o levantasse até meio da semana, o poriam à venda. Ora como desde a semana passada os meus dias têm estado indisponíveis para mim, hoje ia preparada para que a ameaça se tivesse concretizado. Mas não. Por isso gosto tanto desta pequena livraria: a livreira é civilizada e simpática e tudo tem dimensão humana, ainda não excessivamente mercantilizada. O livro lá estava. Quando o paguei, percebi que o desconto era de 20% e que, portanto, a friday estava a passar por ali mas em versão soft.


Quando estava a sair, reparei num livrinho pequeno, de capa discreta e cujo título me fez parar para o descortinar. Depois reparei que era do Mexia, Pedro Mexia. O último. Achava graça aos blogs do Mexia, gosto das suas crónicas no Expresso e felizmente nunca vejo o Governo Sombra pelo que as suas intervenções certamente contaminadas pela parvoíce sempre ali reinante não anulam a boa ideia que tenho da sua escrita. Voltei atrás e fui pagar. Reparei, então, nuns pequenos caleidoscópios. Espreitei e recordei o que eles sempre me intrigaram e encantaram. Trouxe dois, um para cada grupo de pimentinhas. Habituados a toda a espécie de tudo, na volta não acham piada nenhuma a uma coisa tão simples. Mas trouxe. E quando fui pagar surpreendi-me outra vez pois também tiveram os 20% de desconto. Portanto, em consciência não posso dizer que não tenha ido aos saldos. 

Ah, e, com a velocidade a que isto corre, já estamos outra vez, como dizia certo caleidoscópico Leitor, na feliz quadra consumícia.

Nem consigo pensar em ter que entrar outra vez na maluquice das compras de natal. Que suplício. Mesmo aos miúdos já me custa encher de coisas. Têm coisas a mais. Parece que acabam por não se ligar a nada. Gostam de brincar uns com os outros, gostam de jogar à bola, gostam de ler. Tralha a mais é contraproducente. Mesmo que os pais peçam para não os encherem de brinquedos, como as famílias são grandes, acaba sempre por se encher a casa de tralha nova. Tem que se arranjar uma alternativa a este consumismo.

Eu, então, quando me perguntam o que quero, digo que nada. Nada. Só se for também um daqueles pequenos caleidoscópios. Hoje ia a pensar nisto. Quando eu era pequena, numa era em que não havia excessos, era bom receber aquelas bonecas lindas ou aqueles livros que me encantavam. Depois, na era adulta, quando ainda queria qualquer coisa pelo Natal, tive que aprender a lidar com a decepção que quase sempre sentia. Se falava num anel de ouro com dois pequenos corações em marfim, o que recebia era um anel em ouro branco e com um rubi. Se pedia uma moldura de vidro, clássica, o que recebia era uma prateada, moderna. Sempre tudo ao lado. Até que me habituei a não querer nada e a ficar contente com tudo. 

De resto, Natal à parte, estou numa fase em que só me apetece é desfazer do que tenho a mais. Roupa que não me serve e relativamente à qual já perdi a esperança de lá conseguir voltar a enfiar-me, tenho dado à minha filha. E não vejo a hora de ter tempo para uma reformulação profunda de tudo. Nunca serei uma minimalista pois isso não está na minha natureza. Mas incomoda-me o que me parece um excesso. Tal como também não vejo a hora de ter a gaveta das echarpes arrumadinha à maneira da Kondo. Ou o armário onde há dossiers cheios nem sei de quê ou gavetas cheias de papéis que não faço ideia o que sejam, tudo isso está mesmo a pedir reciclagem. Mas como não vou deitar fora à toa, terei que arranjar tempo para ver tudo com cuidado e esse tempo não sei quando será. Mas há-de ser.

Mas, voltando ao tema dos presentes: como presente de Natal, só mesmo se for um hipopótamo. Ou isso ou qualquer outra coisa de inesperado. 



E um bom sábado.

sexta-feira, novembro 29, 2019

Transformar água salgada em água potável, transformar luz do sol em energia. Nada de mais.
[E um breve esclarecimento sobre doutoramentos]


Não é que já esteja tão flexível como antes do mau jeito mas acho que já estou um pouco melhor. Não sei se foi do ben-u-ron, se do brufen, se do omega 3, se de tudo junto que eu, se posso evitar andar empanada, não facilito. Ben-u-ron de madrugada, que nem conseguia mexer-me ou, quase, respirar, duas balas de omega 3 ao pequeno almoço, brufen ao almoço e, agora ao jantar, mais duas balas do omega 3. E a coisa parece que já está a resultar. Se mais daqui a nada perceber que subsiste algum ensarilhamento muscular, vai outro ben-u-ron e, expectavelmente, a coisa ficará resolvida. Talvez amanhã já possa voltar a fazer a minha caminhada e isto já para não falar nas minhas piruetas acrobáticas.

Tenho ideia de que quando apanho uma constipação (como apanhei na sexta-feira da semana passada, depois de ter passado o dia com os pés gelados), tendo a ficar com alguma debilidade que leva a que os músculos se mostrem mais sensíveis a coisas pesadas ou a movimentos invulgares. Nem sei se também não fico mais atreita a tendinites ou contracturas quando ando mais cansada. 

A minha mãe preocupa-se, não gosta que eu tome medicamentos, tem medo que me façam mal. Digo-lhe que os tomo porque tem que ser e que é só por um ou dois ou, vá lá, três dias. Não se deixa convencer. Sugere que eu passe a beber chá de gengibre ou de curcuma, a comer maçãs e outras coisas que ajudem a reduzir inflamações e a tornar mais resistente o sistema imunitário.

Por isso, quando cheguei, fui ao supermercado e comprei um bocado de gengibre e uma caixinha de saquetas de chá também de gengibre. Também já o bebi. Não encontrei foi curcuma. Tenho que ver no Celeiro. Nem sei se curcuma é para fazer chá ou para temperar a comida. Tenho que me informar. E, por via das dúvidas, antes de jantar comi um bravo de esmolfe. Acredito muito nos saberes da minha mãe.

Bem, não interessa, até porque isto de ter uma dor aqui e outra acolá é tudo menos original. De resto, nem é bem nas costas.
Tirando isso, estou como a Ana: também não tenho adidas, não faço ideia se tenho ou não cento e vinte canais de têvê pois se vejo uma meia dúzia já é muito, não estou inscrita num ginásio, não tenho qualquer bicho de superior estimação, não tenho mau dormir, não tenho o sonho de uma viagem sem retorno, credo, cruzes, nem pensar, claro que quererei sempre voltar, não tenho suspeita de ser diferente, nem pensar, nem isso nem pitada de jeitinho para poeta, felizmente não tenho um rol de incompetentes e invejosos ao redor, nunca me passou pela cabeça aquilo de um ou dois mortos queridos merecerem mais a vida do que os outros, nem nenhuma culpa abandonada no altar, nem tenho quaisquer nobilíssimas intenções nem baú de rancores lá no fundo, muito fundo, do armário. 
Pronto, adiante, já chega destes trololós.

E a ver se hoje, que já não tenho aquele ferrete aqui espetado a doer-me para escambau e a tirar-me do sério, não me dá para provocar de novo uma certa pessoa com mais uma inocente private joke, já que ontem acabei foi a desencadear justas perplexidades junto dos demais Leitores. Portanto, dentro do género, acho que já bastou o que escrevi ontem.


E, falando muito a sério, claro que acho bem que as pessoas estudem, investiguem, se tornem doutoras. Claro que sim. Só se fosse burra de todo é que acharia que não; e posso ser burra mas, na minha inocência e auto-caridade, acho que não de todo. E claro que acredito que não é por serem estudiosas, especializadas num assunto e sabedoras a sério, que vão deixar de usar perfume. Ora essa, que é uma coisa tem a ver com a outra? Sou maluca mas não sou parva (acho eu). Mas é que há quem, à conta de se doutorar, deixe de viver, quem se esqueça de que há outros assuntos que também interessam, de que há dias com luz do sol, quem se esqueça de apanhar ar, de conviver e dar uso aos sentidos, etc. -- e o que escrevi foi, em especial, para uma pessoa assim. Uma pessoa, de facto, especial.

Mas adiante que o tema que aqui quero trazer também não é nada disto, é completamente outro.

...   &   ...   Mudança de agulha   ...   &   ...


No outro dia, ao ver o mapa das regiões de Portugal que estarão alagadas no prazo de trinta anos, involuntariamente dei por mim a pensar que idade terei se viver até lá. Pensei que, se fosse com outra coisa, era capaz de pensar que até lá não me doa a mim a cabeça. Mas esta não é uma coisa qualquer.

E tomara que não aconteça senão no prazo de décadas. O que se passa é que há fenómenos que desencadeiam outros e aquilo para que os cientistas cada vez mais chamam a atenção é que várias linhas vermelhas foram já ultrapassadas e que a emergência pode chegar mais cedo do que se pensava. E pode ser horrível.

Mas não penso apenas em mim. Tenho que pensar os meus filhos, nos meus netos e nos meus bisnetos, chegue eu a conhecê-los ou não. E penso não apenas neles mas em toda a gente. 

Sempre pensei, a propósito de tudo, que tenho como que a obrigação de deixar as coisas melhores do que as encontrei. No trabalho, por exemplo, penso isso frequentemente.

E, nisto do planeta, sinto que não vou cumprir. Aliás, acho que, colectivamente, estamos a caminho de falhar. E isso frustra-me. E preocupa-me, dá-me medo.

Mas é bairrista pensar apenas no que nos rodeia e esquecer os que já vivem com as dificuldades com que provavelmente nos vamos deparar daqui por uns anos. A falta de água potável é fatal. Nada medra: nem plantas, nem animais, nem gente. 

Por isso, conseguir que as populações tenham água limpa e energia é vital. E tudo o que possamos fazer para divulgar iniciativas como as que hoje aqui mostro ou, mesmo, para ajudá-las é pouco.


Permitam, pois, que divulgue o vídeo abaixo. Não o faço pela organização em si mas, em geral, pela necessidade de haver quem o faça. Um dia pode acontecer que sejamos nós a precisar de transformar água salgada em água potável.


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E, por ora, é isto.

A todos uma bela e white friday

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quinta-feira, novembro 28, 2019

Cores, perfumes, sentidos, burnouts, pedras em equilíbrio, banho no gelo, coisas assim


by Tim Wlaker


No outro dia uma menina do escritório cruzou-se comigo, apressada, e eu também apressada, de entrada para uma reunião, e disse-me: a Cláudia tem uma pergunta para lhe fazer. De passagem pela secretária da Cláudia, abrandei o passo e perguntei-lhe o que era. Estava sentada mas rodou na minha direcção, chegando-se à frente para me segurar nos braços e perguntar: 'Cheira sempre tão bem... Mas ontem, então, deixou um cheirinho tão bom... Mesmo. Quando entrei na sala onde tinha estado, senti aquele cheirinho que pensei logo que tinha que ganhar coragem para lhe perguntar qual era o perfume'. Pensei um bocado e disse-lhe. Pela expressão, vi que nunca de tal tinha ouvido falar. De facto, é pouco divulgado.

Sou incapaz de sair de casa para o trabalho sem me perfumar. Que me lembre, nunca me esqueço. Dos brincos já me esqueci. Ainda no outro dia. Estava carregada de coisas e, ainda por cima, com sombrinha. Tinha umas calças pretas e uma camisa também preta com flores azuis. Levava uma écharpe também preta e também com flores azuis mas num azul mais forte que o da camisa. Olhei para mim no elevador e reparei que me tinha esquecido dos brincos. Olhei para o relógio. Ficaria apertado se voltasse a casa. Consolei-me: não tenho brincos mas tenho o piercing, sempre dá um ar de sua graça, e, além disso, o contraste das flores azuis sobre fundo preto talvez seja motivo suficiente para disfarçar. Quando cheguei à rua, ao fazer o movimento de passar o casaco de um braço para o outro, on the fly (como soi dizer-se), reparei que o colar que tinha posto puxava para o turquesa e não para o alfazema como o azul das flores da camisa. Foi um sobressalto. Impossível ir assim. Se há coisa a que sou excessivamente sensível é à harmonia cromática. Furiosa, dei meia volta e voltei a casa. A luz artificial é traiçoeira para estas nuances. A correr, mudei de colar e, claro está, aproveitei para resolver a outra lacuna: coloquei uns brinquinhos mínimos, duas bolinhas de azulinho transparente.

Coisas que acontecem. Pode parecer que são coisas que não interessam para nada mas é ilusão: interessam e muito. Se vou com alguma coisa que não me parece bem, é razão suficiente para ficar a tender para o indisposto e, com isso, o dia pode ficar irreversivelmente toldado e, lá está, pode até haver o risco de, com a minha indisposição, toldar o dia a quem não tem nada a ver com o assunto. É, em ponto pequeno, aquilo da borboleta que espirra na China e o gato no Chile, sem saber por quê, ficar com o pelo eriçado. 


E também escolho o perfume em função do dia, de como vai ser o programa de festas, da roupa que visto, da disposição que antecipo: o perfume é uma peça relevante do cenário que monto em mim. 

Aos poucos, tenho-me vindo a transformar. Depois da extrema lealdade, agora vario completamente. O Nº 5 continua o ser o special one até porque, em mim, se transforma de uma maneira que me agrada muito. Não é pesado, não é quente, não é cansativo. Pelo contrário, é leve, subtil, íntimo. Tenho lido muito sobre perfumes e sei que os perfumes são diferentes, ou melhor, evoluem diferentemente ao longo do dia, consoante a pele em que pousam. Mas a partir do momento em que comecei a ousar, primeiro dentro dos Chanel, depois com um que consumi com o maior prazer e que infelizmente deixou de ser comercializado (pelo menos nas perfumarias que costumo frequentar), o She Wood da DSquared2, fui-me libertando.

for Bulgari

Creio que já contei: no outro dia, deixei-me tentar por um da Elizabeth Arden: figo e chá verde. Uma coisa... Invulgar e, no entanto, de tal maneira cativante... 

Reza assim a sua descrição: 
Inspired by the lusciously sweet fruit, Elizabeth Arden Green Tea Fig takes you to a rustic countryside full of sparkle, warmth and laughter. A burst of Clementine, Green Tea Accord, Kadota Fig, Violet Leaf and Musk wrap you in the refreshing simplicity of this musky fruity floral. Green Tea Fig. Delight your senses.
E só estas palavras já contêm, em si, o perfume de todo um bouquet de emoções. Isto dos perfumes é uma arte. Cada vez mais acho isso.
Penso que é por descender dos bichos do interior da terra que tenho os sentidos todos muito activos. 
Nunca me deu para me doutorar e acho que nunca dará. Não teria paciência para perseguir um tema, um único tema, e aprofundá-lo, dissecá-lo, mumificá-lo, transpô-lo para um texto encavalitado por números e deitado sobre um rodapé sempre pejado de anotações que não são senão a ferramentaria transformada em bibelot. Coisa boa para gente paciente e muito dada ao intelecto, coisa que duplamente não sou. Eu é mais sentidos. Os seis.
© Gabriella for Vogue IT

Há bocado vi um artigo que pensei que me ia interessar: Il rapporto fra profumi, libri e letteratura. Mas não, nada do que eu pensaria. Estabelecer uma relação entre literatura e perfumes parece-me uma boa ideia mas uma coisa mais na base de um quizz. A gente dizia os livros de que gosta e um algoritmo adivinhava qual a fragrância que melhor nos assenta. Fiz agora uma pesquisa e há vários quizz para identificar a fragrância que melhor nos assenta mas tudo na base da banalidade, nada na base das preferências literárias. Portanto, o artigo desiludiu-me: é chato e não me traz dicas interessantes. 

Um blog que gosto de espreitar é o Bois de Jasmin. Tudo ali é de bom gosto. E depois há muita gente a comentar, com conversas curiosas, todo um mundo. 

Há muitos mundos paralelos. A todo o momento me apercebo disto. Habitamos o mesmo planeta, um planeta em exaustão, mas, sabe-se lá como, ainda assim conseguimos habitar mundos diferentes, mundos que se ignoram e que, na maior parte das vezes, se excluem mutuamente. Eu não sei bem qual o meu mundo. Talvez um limbo resultante da intersecção de vários outros mundos. 

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Hoje estou assim, sem energia. Durante estes dias, muita gente enervada à minha volta,  embora alguns negando-o, dizendo que estão tranquilos,  um ou outro provavelmente naquilo que dantes se dizia que era esgotamento -- e que agora se internacionalizou para burnout -- a chorar compulsivamente à minha frente, e, em cima disso, muita decisão para tomar, muitas vezes ter que fechar os olhos para não arranjar chatice e bola para a frente, e, ao mesmo tempo, em alguns aspectos, muita indefinição, muita procrastinação -- ou seja, alguma canseira. 

by Tim Wlaker

E, para ajudar à festa, um mau jeito que me traz dores. Ontem à noite, ao preparar-me para sair do carro, já a segurar na tralha que ia transportar, toca-me o telefone. E que é dele? Estiquei-me para o lado, para baixo e para o lado, para trás, em diagonal, toda esticada a apalpar até onde o braço atingia. Até que o telefone se calou. Felizmente, a seguir veio nova chamada e baixando-me mais, para perceber de onde vinha o toque, lá o descobri. A seguir a esses alongamentos forçados, foi vir carregada para casa. Conclusão: algum dos músculos que se esticou não gostou da ginástica. 

Vou tomar um ben-u-ron e vou dormir a ver se, durante o sono, os músculos de desensarilham. Hoje não estou nos meus dias. Que me desculpem os autores dos comentários mas hoje não vai dar. Logo hoje que são tantos e tão bons, tão sumarentos. Mas, para mal dos meus pecados, hoje não dá mesmo.

Mas, para que não sintam que aqui vieram para nada, permitam que partilhe convosco dois vídeos de Jonna Jinton, aquela jovem que vive uma vida que deve ser uma maravilha, num lugar fantástico. Este de colocar as pedras (que me faz lembrar aquele senhor que está ali no Terreiro do Paço, à beira de água) dá-me vontade de, lá in heaven, ir experimentar. Parece-me uma coisa muito interessante.



E este do banho no gelo também me parece uma boa coisa, bonito, embora não me imagine a ter tal coragem. Fogo...

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E é isto. Peace and love, minha gente.

quarta-feira, novembro 27, 2019

Joacine, a putativa diva que se desloca dentro da Assembleia com Assessor e Segurança e que está a dar um nó cego no Livre.
Maria Teresa, a madre-superiora que se apaixonou perdidamente e não foi por Deus.
E Kris que foi encontrar-se com Caitlyn, o seu ex-marido, que agora tem um belo par de mamocas e faz boquinhas por todo o lado.


Depois de um assunto sério, preocupante e triste, apetece-me aligeirar para que o novo dia não comece sob o peso das tragédias.

Por isso, se me permitem, volto-me para as comédias, para os romances, para os fait-divers ou whatever

Há pouco vi na televisão uma cena do mais hilário que existe: Joacine, a neo-diva, sem se dignar dar bola aos jornalistas, avançando pelos corredores da Assembleia com o seu Assessor pela trela e vigiada de perto por um Segurança. Sim: por um Segurança. Sentindo-se a nova Lady Di e não querendo correr risco de se prejudicar por via dos paparazzis que pululam à sua volta, chamou um Segurança. Pimbas. Para a próxima vai com um rottweiler. Sobre o ter-se esquecido do projecto sobre a Lei da Nacionalidade nem uma palavrinha que a menina não está ali para prestar contas. Em contrapartida,  a senhora doutora -- através do seu Gabinete (que gente importante é assim, só comunica através do seu Gabinete ou do seu Assessor) -- atira publicamente todo o seu fel, ressabiamento e deslealdade contra o partido que a acolheu. Um espectáculo digno de novela de quinta categoria. 

Mas, calma, não é só ela a má da fita. É um facto que anda armada em ursa a ver se trama o cordeirinho do Tavares mas, calma, o Tavares não fica menos mal na fotografia. Que inteligência, que perspicácia lhe poderemos, a partir de agora, atribuir se, em todo o tempo que já conviveu com ela, não foi capaz de perceber de que material é feita a menina? Ná. Quando uma pessoa escolhe alguém para a sua equipa e a escolha sai furada, quem meteu água e fez a escolha errada tem que assumir a responsabilidade e resolver a situação.

A Joacine, em uma ou duas semanas, já arrasou quase completamente o Livre. Se o Rui Tavares não quer que o Livre tenha um fim triste, tem que correr rapidamente com a menina. Claro que a neo diva ficará na Assembleia por sua conta e risco, a meter água por tudo o que é canto e esquina, sem saber em que votar, esquecendo-se de trabalhar ou de cumprir compromissos -- e o Livre ficará sem ninguém na Assembleia. E os fiéis e crédulos que acreditaram na madame e votaram no Livre ficarão a chuchar no dedo, sem ninguém que os represente. Mas azarinho, nada mais há a fazer. Que fique como lição aprendida.

Tirando isso, tenho que falar de uma notícia que, apesar de triste para a própria, acho linda. Parece ser a sina das Maria Teresas: são dadas a êxtases mal compreendidos. 

A madre-superiora do belíssimo convento dos Padres Cappuccini, em Sansepolcro, Itália, mulher activíssima e bem disposta, toda empreendedora, apaixonou-se por um homem da terra. Mas não deve ter sabido fazê-la direitinha pois foi mandada borda fora e o convento encerrado. Poderia, como a outra, converter a paixão em delíquio literário e dizer que a espada do anjinho a tinha penetrado até às entranhas uma e outra vez. Toda a gente levava a coisa à conta de delírio e maluqueira e com meia dúzia de avé-marias ficava o assunto encerrado. Não. Enérgica e franca, a Madre-Superiora Maria Teresa deve tê-la feito às claras: e deu nisto. E o convento tão lindo. Devia ser tão bom rezar ali à sombra das belas árvores da Toscânia. Ou rezar no escurinho da cela, um belo toscano a despi-la devagarinho. Mas pronto, foi mais um êxtase que correu mal. Uma tinha feito com que a tomassem por doida e esta agora fez com que a tomassem por libertina. Ainda não foi desta que apareceu uma Maria Teresa santinha a sério.

Para terminar, numa de conclusão, só posso agora falar de um assunto que não tem nada a ver.

Kris Jenner, a madre superiora do quartel das Kardashians, encontrou pela primeira vez Caitlyn Jenner, mulher grandona de voz grossa, o seu ex-marido durante mais de vinte anos que, na altura, dava pelo nome de Bruce, era um calmeirão e um garanhão que fez nada menos que seis filhos. 

Do que se vê, a Kris ainda está que não pode, sem saber como lidar com a situação. Olha-a de soslaio, queixa-se, choraminga. Aliás, choram as duas, muito emotivas e, no fim, para rematar, fazem uma selfie. Uma graça.



E, pronto, ficamos assim.

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E se há outros assuntos que interessem para além destes, escaparam-se-me.

E uma boa quarta-feira para si, para si em especial.

Sandrine Bonnaire perdeu a inocência


Há trinta anos Sandrine já era reconhecida pelo seu talento. 

Lembro-me bem de a ver, rosto de menina, radiosa, cativante. 
A sua beleza inocente -- que poderia, sem esforço, deslizar para a malícia --- encantava quem a via. Era de uma ingénua joie de vivre combinada com uma ambiguidade que fazia prever a capacidade de pecar sem culpa, encarnando aquela duplicidade encantadora que prenunciam o incomparável prazer de seduzir. 
Nessa altura ela ainda não sabia o que haveria de lhe acontecer uns anos mais tarde.

Uma década depois, aquele que foi o seu companheiro e que nos primeiros anos sempre lhe pareceu atencioso, amoroso, uma simpatia, viria a revelar-se possuidor de um amor tóxico, perigoso. Como infelizmente acontece neste tipo de relações, há um dia em que a coisa descamba. E descambou. Veio a violência doméstica. Com os ossos do rosto partidos, oito dentes destruídos, a língua rasgada, toda ela desfigurada, Sandrine desceu ao inferno.

Felizmente, os amigos apoiaram-na e não apenas o criminoso esteve preso como ela se submeteu a cirurgias, ganhando coragem para se reconstituir como mulher e como atriz. Lamenta, claro, que a condenação não fosse senão de dois anos e de uma indemnização para pagar os custos das cirurgias e da terapia. Mas, enfim, pelo menos foi condenado.

No dia 23 de Novembro, em que se gritou o não à violência doméstica e aos assassinatos (em França, os números de mulheres assassinadas também são assustadores), Sandrine desceu à rua e, ao lado das outras mulheres e homens, gritou contra a violência.

É agora uma mulher com cinquenta e dois anos e um rosto que mostra que a vida não lhe foi fácil. Mas está inteira, a trabalhar, a testemunhar a dor e a coragem, a servir de exemplo para que outras, em situações idênticas, não deixem chegar as coisas ao ponto a que com ela chegarem. Sobreviveu e está cá para contar mas poderia ter sido mais uma das muitas mulheres que se entregam e que, acreditando numa ilusão que só existe na sua cabeça, acabam por se ir anulando até que um dia a sua vida pode ser definitivamente aniquilada,

Assim era Sandrine Bonnaire em 1989.


E assim é Sandrine agora, recordando o que lhe aconteceu, numa gravação que dura escassos segundos (e que não sei como pôr em ponto maior). Obtive o vídeo no artigo "J’ai eu tous les os du visage cassés" : Sandrine Bonnaire détaille l'agression de son ex, na Madame le Figaro.



Não fui a nenhuma manifestação mas, uma vez mais, aqui estou a, na fraca medida das minhas possibilidades, pedir às mulheres que me lêem e que não são inteiramente felizes no seu relacionamento e que suspeitam, mesmo que seja uma suspeição que não querem ouvir, que não é um amor totalmente retribuído e de que há alguma tendência para uma agressividade num nível difícil de explicar, ou que, numa fase posterior, já são vítimas de violência psicológica ou física, que não aceitem perder anos de vida a troco de coisa nenhuma. Afastem-se ou, se já for caso disso, denunciem o agressor. Nunca é cedo demais. Pode é ser tarde demais.

Vejam o vídeo até ao fim, por favor. Não é importante apenas para quem vive ou suspeita que pode vir a viver uma situação assim mas também para os outros, para que todos aprendamos a conhecer os sinais e possamos ajudar quem precisa de ajuda mesmo que não saiba que precisa ou não queira assumi-lo.

A história de amor de Jessica


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A bem da felicidade e da paz de espírito.

terça-feira, novembro 26, 2019

O que é boa arte?




Fiz uma pergunta no título mas não tenho resposta para ela. Gosta-se porque se gosta e não me parece que seja fácil explicar porquê. Na arte, como na literatura ou no amor deve seguir-se aquele princípio que o Mr. X nos ensinou: Julio Ramón 'Ribeyro propôs ter em mente que um bom trabalho não tem explicação, um mau trabalho não tem desculpa e um trabalho medíocre não tem qualquer interesse.'. Tal e qual. 


Se desde pequena convivi com livros, já o mesmo não posso dizer da arte. Até certa altura tenho ideia de apenas ter conhecimento de pintura 'clássica'. Havia em casa dos meus pais alguns quadros mas daquele género que considero trivial. Nem sei se era bonito ou bem feitinho, se calhar até era. Lembro-me apenas de que nada me diziam. Teria eu uns onze ou doze anos, a sala da televisão foi redecorada e lembro-me de ter ido com a minha mãe escolher um quadro. Provavelmente o meu pai também terá ido até porque o quadro era grande e só pode ter ido de carro para casa. Era um óleo que, do que me lembro, já tendia para o impressionista, senão para o quase abstracto. Era uma tela muito comprida e tinha um barco e todo ele continha cores solares, luminosas. Pela primeira vez eu via uma pintura de que gostava. Uma vez, foi parar lá a casa um livro de pintura e eu descobri um mundo novo. Apaixonei-me de tal forma por um do Paul Klee que convenci a minha mãe a deixar-me arrancar aquela folha e emoldurá-la. O que eu gostava daquela cara colorida, abstracta, circunspecta, o que eu gostava. Lembro-me de as minhas avós terem ficado admiradas com aquele quadrinho no fundo do corredor, não percebendo a graça que eu achava a tal desconformidade. 


Nas casas dos meus amigos ou dos amigos dos meus pais eu não via nada que me despertasse atenção. E quando íamos visitar museus, só me lembro de ver arte sacra, arte muito realista, muito naturalista, tudo coisas que nada me diziam. Uma reprodução da realidade, tal e qual o pintor a viu, a mim não me desperta interesse. Não quero saber tal e qual o que ele viu. Porque haveria de me interessar isso? Quanto muito interessa-me a impressão que a coisa lhe causou ou o ângulo diferente e imprevisto que torna a visão especial. Agora anjinhos suspensos em nuvens, cristos escanzelados, camponeses muito factuais, naturezas mortas completamente maçadoras, nada disso me parecia estimulante.

Por isso, quando me vi por minha conta, aos dezassete anos, sozinha em Lisboa, um dos lugares que, desde logo, mais me atraíu foi a Gulbenkian e não tanto o museu que já conhecia razoavelmente mas com as exposições temporárias, artistas modernos que traziam o ilógico, o inexplicável, a graça inocente, as cores e os traços quase infantis, as cores abertas, desprendidas do seu contexto.  A partir daí passei a procurar galerias, livros, exposições e quanto maior a abstracção, quanto mais surpreendente e provocador, mais eu queria ver.

Em algumas peças não encontrava 'arte' e não gostava mas, ao longo do tempo, o meu conceito de arte foi adquirindo matizes, foi sofrendo transmutações. Ainda não gosto de muita coisa, coisas que me parecem de mau gosto ou chachada pura, mas há outras que agora me agradam e que antes achava autênticos disparates.


De Lisboa passei para Madrid e para a grande curiosidade de tudo o que era novo, incluindo os pintores de rua. E também para Paris. Não o Louvre que sempre achei fora da minha escala, grande demais, gente a mais, demasiadas obras demasiado clássicas. Nem tanto o Pompidou, muito experimental, muito neutro. Em Paris, sim, o Jeu de Paume e, depois, o maravilhoso museu do Quai d'Orsay, lugar mágico, lugar de eterno retorno, lugar onde, por muitas vezes que o visite, sempre me emocionará, por vezes quase até às lágrimas. 

E daí para todos os outros. E a inexplicável sedução que Rothko exerce em mim? Ou Chagall? 

E, uma vez a mente bem aberta a todas as diferenças a todas as surpresas, o deslumbramento com as grandes telas de Caravaggio. Deus meu. Que carnalidade, que vida ali condensada, que materialidade. Que tormento não poder estar em silêncio, sozinha, diante daquelas telas, horas, horas a fio.

Ou a luz de Vermeer. Olhar e tentar perceber como é possível uma coisa assim, tentar perceber se foi um homem normal que fez aquilo. Ah, os grandes mistérios.


Um dia, há muitos anos, uma prima minha dada às artes perguntou se eu já tinha ido ver a exposição da Paula Rêgo. Fui taxativa: não, nem iria porque me parecia tudo muito disforme, forçadamente repelente. Ela sorriu, disse: 'Olha que não, olha que não. Vai ver e vai com a mente aberta. Sei que vais gostar'. Hesitei. Ao fim de algum tempo, fui. E rendi-me. De repente nem percebia como tinha sido possível não gostar. De facto, gostava, gostava muito. Olhava para aquela outra que não gostava sem a identificar comigo, como se tivesse sido outra pessoa, uma estranha, uma rude criatura. E Graça Morais. A Graça Morais no casa-musei da Vieira da Silva. Que maravilha. E Pomar.  E tantos outros. 

Porque gosto de uns e não gosto de outros? Se calhar pela mesma razão que me leva a gostar de uns escritores e não de outros, a gostar de umas pessoas e não de outras. 


E ocorreu-me pensar nisto pois, há bocado, ao abrir o YouTube, o meu amigo algoritmo tinha um vídeo que, segundo ele, era recomendado para mim. Marc Jacobs: between collections. Fui ver. E gostei. Caraças, gostei mesmo. Estupor do algoritmo que sabe levar-me na boazinha, que me conhece mesmo, que adivinha os meus gostos. A casa e as obras de arte de Marc Jacobs. Nem comento a graça que é ouvir conversar uma bicha dada às artes. E que não me venham com tretas de preconceitos: não sou homofóbica. Nem pouco mais ou menos. Convivo assiduamente com uma e, lá está, se a minha filha me diz que não percebe como tenho paciência para me dar com a bicha eu nem tento explicar. Sim porque sim. Mas, à parte esse suplemento de graça, as obras que ele ali tem. Que casa bonita a dele. Como eu gostaria de visitá-lo. O que eu gostaria de ser aquela ali, a conversar com ele sobre obras de arte, sobre moda, sobre modelos, sobre fofocas, sobre costura, sobre o seu processo criativo, sobre as cidades onde tem lojas.


E ocorreu-me também o vídeo abaixo (Why is modern art so bad?) que Leitor, a quem agradeço, me enviou e que me levou a dizer-lhe que o que Robert Florczak ali diz são banalidades sobre extremos, sobre caricaturas, obras que não representam o que globalmente se pode designar por arte moderna. E ele já me respondeu dizendo que não tenho razão, que o pintor o professor Robert Florczak é objectivo e que há arte e arte. Seja. Cada um pensa conforme sabe ou pode. Eu gosto de várias obras que Marc Jacobs tem em casa e, se calhar, não gostaria de ter nenhuma das pintadas por Florczak (e digo isto por dizer pois, na verdade, ainda não pesquisei para ver como é a arte que ele produz).

Mas fazer o quê? São os nossos genes, as nossas circunstâncias, o ar que respiramos, a nossa pele, o nosso olhar, afinidades que jamais saberemos explicar. Gosta-se porque se gosta. E é bom gostar.

Mas, então, cá está o anti-vídeo de Florczak, um genuíno anti-Jacobs.


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As fotografias que usei para ilustrar o post foram feitas este domingo no Ginjal e eu olho aquelas paredes como uma galeria de boa arte a céu aberto. Quando falo no Ginjal invariavelmente as pessoas dizem que não se percebe como é que nunca mais aquilo é arranjado, que aquilo é uma decadência de dar dó. E eu penso que tomara que qualquer obra nova ou de reabilitação que ali façam saiba preservar a beleza extrema e fatal daquelas paredes sobre as quais todos os dias alguém escreve ou pinta uma coisa diferente. Mas, lá está, gostos não se discutem.

A primeira fotografia, a dos ramos da árvore, e a última, a da gaivota, levaram um banho de cor -- e ainda bem que vocês não são curiosos e não me perguntam porque as tingi daquela maneira porque não saberia responder. Ou melhor, talvez pudesse tentar mas, tenho a certeza, soar-vos-ia a conversa de maluca.


Desejo-lhe a si, a si em especial, uma boa terça-feira.

segunda-feira, novembro 25, 2019

Podia ficar-me pelo meu encantamento in heaven ou pela maravilhosa decadência do Ginjal.
Mas prefiro chamar a vossa atenção para aquilo que sabem.





Fim de semana tranquilo. Mas não estive na melhor forma, estive um pouco adoentada. Resfriei-me na sexta-feira e mais do que pensava. 

No sábado estive no campo. De tarde, pensei que estava melhor, pus-me a passear por entre as árvores, andei nas minhas deambulações, nem dei pelo frio. 

Voltaram a aparecer as pegadas de bicho grande, a terra escavada. Eu estava longe mas pareceu-me o meu nome chamado pelo meu marido. Era ele mesmo: tinha visto aquelas marcas, quis alertar-me não fosse haver javalis por ali. Mas não. Provavelmente só por ali andam à noite. Pelo menos, assim o espero.


O que é curioso é que aparentemente andam a lavrar a terra com o focinho ou com as patas exactamente nos mesmos sítios onde andaram antes. A minha mãe no outro dia, quando lhe mostrei fotografias de tantos cogumelos, disse: 'Se calhar, também por lá tens trufas'. Não sei, não faço ideia. Mas, ao ver como a terra está, fico com a ideia de que há animais por ali a quererem encontrar alguma coisa. Será mesmo trufas? Nem sei como descobri-las. Sei que se parecem com torrões de terra pelo que não faço ideia de como procurá-las. E há também muitos cogumelos arrancados, meio comidos.


O campo está verde, lindo. Tudo se cobre de musgos, de líquenes. Não consigo olhar para os campos e ver ali o ocaso de nada. Pelo contrário, o próprio processo de transformação das folhas rubras em nada, misturando-se e preparando-se para a a dissolução final, tudo me parece um fenómeno maravilhoso, de uma beleza difícil de reproduzir ou descrever, como se tudo estivesse a nascer, a acontecer.


As cores e os perfumes e as aragens enchem o espaço bem como o canto dos pássaros que parecem andar mais felizes e livres do que nunca. 

Fotografo, fotografo. Parece que nunca vi tamanha beleza, parece que é um milagre que estou a testemunhar pela primeira e única vez, parece que é uma bênção de que me é dado fazer parte.


O sentimento de pertença que ali sinto envolve-me toda, todas as células do meu corpo. Uma paz, uma felicidade, uma harmonia tão absoluta, uma total fusão com a terra, com o ar que transporta cheiros e cantos, com a magia da luz cuja cor muda os cenários em minha volta. Um estado de encantamento, de puro e agradecido encantamento. Não sei dizer de outra forma.


Convencida de que já estava bem, fui à noite a casa dos meus pais. Por precaução, levei a echarpe em volta do pescoço, a tapar-me a boca. Embora um resfriado não seja contagioso, não quero que haja o risco de lhes passar alguma coisa.

Mas talvez tenha voltado a apanhar frio. Este domingo de manhã estava outra vez um pouco congestionada mas, como não tenho paciência para estar fechada e me apetecia ir a um sítio onde não ia há algum tempo, fomos ao Ginjal.


E, de novo, aquela sensação de alegria pela descoberta. A cada vez que lá volto as paredes estão diferentes. Como um ser vivo que se transmuta, assim aquelas velhas e decadentes paredes: sempre novas, cada vez mais belas. 


Fotografei, fotografei. Como é possível um lugar assim?

Lisboa vista dali é bela, magnífica. Tão bonito tudo. E tão bom andar por ali. A maré muito cheia, as águas muito perto, aquela frescura boa, molhada, aquele cheiro a beira do rio, aquela vastidão, aquela perfeição que as paredes grafitadas, tingidas, devastadas pelo tempo apenas complementam. E o rio, largo, imenso. E os barcos e as gaivotas e as pessoas. Tudo tão bom, tão bonito.


E, de novo, devo ter apanhado algum frio pois voltei a sentir-me pior. Felizmente a mim o chá quente e uma sesta fazem milagres e voltei a sentir-me boa. 

Estive a ler. Cercada de livros, no conforto desta minha sala tão acolhedora, com um chá quente, com uma luz a incidir nas páginas e pouco mais, eu estou nas minhas sete quintas.

O meu marido antecipou-se-me e está ele com o Augustus do Stoner. Não faz mal, leio-o a seguir. Estive com aqueles livros em que os arquitectos falam das suas casas, mostrando como é o lugar onde vivem. Gosto do que dizem os arquitectos (alguns arquitectos). Casas, objectos, memórias, o espaço, a luz, o interior e o exterior, o conforto, a simplicidade, a história das suas vidas, a partilha -- uma maneira interessante de falar das coisas.

E agora que aqui estou, depois de há bocado ter escrito sobre a Joacine e o Livre, estou a ouvir a chuva, a ouvir música, sons bons que se misturam, feliz e tranquila, sentindo o conforto bom da minha casa.

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Antes de começar a escrever vinha com a ideia de falar um pouco mais sobre como é impossível romper com o sistema (seja lá o que isso, na realidade, significa) estando dentro do sistema como, por vezes, ingenuamente parecem acreditar os que se deixam encantar por falas aparentemente rebeldes como as do Livre (e digo isto simpatizando com o Rui Tavares a quem acho um homem genuinamente bem intencionado).

E tinha a ideia de mostrar um vídeo que me impressiona bastante. E impressiona-me não apenas pelo vídeo em si mas porque fico a pensar que o mundo poderia ser um lugar menos perigoso se mais pessoas, em lugares de decisão e poder, pensassem e agissem como parece que o protagonista deste vídeo, Feike Sijbesma, CEO da DSM, pensa. Mas não sou ingénua. As disparidades são tão abissais, o mal feito ao planeta é tamanho, a estupidez intrínseca dos humanos é tão destruidora que não é a visão solidária e inclusiva de uma pessoa, ou de cem pessoas que sejam, mesmo de mil pessoas, mesmo de cem mil pessoas que vão fazer a diferença.

Ou talvez seja. Talvez.

Talvez se muitas vozes se levantarem, talvez se, em vez de se propagarem mentiras, intrigas, futilidades e disparates nas redes sociais e na comunicação social, se difundirem bons exemplos, gritos de alerta, passos no caminho certo, talvez progressivamente haja uma leve inflexão no sentido da destruição, talvez nos desviemos da rota para o abismo que temos vindo a trilhar. Talvez. 

You know


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Sergei Polunin está lá em cima no lugar das bandas sonoras mas, obviamente, é mais, muito, muito mais que isso. Não deixem, por favor, de ver como ele voa.

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E uma boa semana a todos a começar já por esta segunda-feira.

Rui Tavares está perplexo com a Joacine? Eu não estou.
[Aliás, aproveito para dizer porque não votei no Livre]



Claro que poderia fazer um post a explicar porque não votei em cada um dos partidos que não mereceram o meu voto mas vou centrar-me no Livre, dada a comédia a que assistimos, uma paródia digna de rábula dos saudosos Gato Fedorento. 
Joacine diz que se absteve porque não percebeu como é que o Livre queria que ela votasse (e isto, em si, já é extraordinário pois como é que se explica que ela não tivesse a sua própria ideia sobre o assunto?) e o Livre diz que não percebe aquela inexplicável abstenção, já que o programa do Partido é claro e que, para mais, ela nunca tentou aconselhar-se. Depois foi ela que, baixando ainda mais o nível, veio dizer que foi ela que ganhou o lugar na Assembleia e não o Livre. E agora é o Rui Tavares que vem dizer que percebe que os portugueses estejam perplexos porque ele também está. 
Tudo isto parece uma brincadeira, uma infantilidade, um perfeito nonsense.
Os ideais do Livre não me parecem mal. São boas orientações, bons princípios. Defendem valores que, em abstracto e de forma geral, me parecem globalmente correctos. 

Só que nestas coisas, entre os ideais e o ser capaz de os sustentar e ser capaz de identificar o trilho certo para lá chegar -- e ser capaz de se manter no trilho -- é outra conversa. Como agora toda a gente diz: são outros quinhentos. Em tempos dizia-se de outra maneira: que de boas intenções está o inferno cheio. E admito que sim. 

Estar na Assembleia da República a representar o povo, defender os seus interesses, saber discernir a linha de rumo através de um orçamento, saber avaliar propostas ou saber elaborar outras, perceber a essência dos temas em sede de comissões, saber interpretar os 'jogos' e ter o 'calo' para afirmar a sua posição sem se deixar levar, etc, etc, etc, requer mais do que o enunciado abstracto de boas intenções mesmo que a espuma mediática lhes empreste o aspecto de sabedoria e determinação.

Ser contra o sistema é coisa bonita de se dizer mas quase impossível de concretizar estando dentro do sistema. Pode parecer pessimismo ou cinismo. Mas é o que, na verdade, penso.

O mais que pode acontecer para mudar o sistema (e será sempre um mudar muito relativo: será sempre um percurso lento, errático, de pára-arranca, erros e breves sobressaltos) é haver quem, de forma lúcida e clara, interprete a evidência dos factos de forma a tentar conduzir a consciência colectiva a ir mais para um lado ou para outro. 
Por exemplo: 
  • As crises financeiras -- que deixaram à vista o que os fundos abutres e toda a especulação desregulada, a fuga ao fisco e a lavagem de dinheiro, os offshores e tudo o que rodeia tudo isso, provocaram na economia real: descalabro de muitas empresas, explosão do desemprego, corte de rendimentos e etc, -- fizeram inflectir ligeiramente a opinião das pessoas. 
  • Identicamente, haver quem prove que, para ultrapassar as crises, o melhor é reforçar a liquidez circulante, aumentar a confiança, e animar a economia e não secar tudo isso, é também uma forma de 'abrir' as mentes a um sistema mais desempoeirado. 
  • Ou ir, inteligentemente, tentando provocar consciências através da evidência de que a pobreza ou as desigualdades mesmo que longínquas acabam por vir bater à porta de todos nós.
Se o Rui Tavares é uma pessoa que se percebe ser culta e séria, já muito do que o envolve parece ser puro idealismo, qualquer coisa de adolescência tardia, alguma vacuidade disfarçada de desalinhamento -- e isto à custa de alguma encenação acarinhada pela comunicação social. E, não sei bem porquê, parece que isto continua a ser música para os ouvidos de uma certa intelectualidade que ainda sonha com uns vagos amanhãs que cantam.

No entanto, a verdade é aquela que, ao fim de um mês, já está bem à vista. Tudo espremido é capaz de não ser muito mais que zero.


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As fotografias foram feitas hoje no Ginjal e estão aqui não para ilustrar o texto mas apenas porque foram feitas num dos lugares mais lindos do mundo

domingo, novembro 24, 2019

Eu, guardadora de segredos
[Quando em meu mudo e doce pensamento chamo à lembrança as coisas que passaram]





Uma Leitora enviou-me um mail para me dizer aquilo para que outros já antes já me tinham alertado: o fundo colorido que o blog tinha dificultava a leitura. Eu via bem mas, provavelmente, em alguns computadores ou telemóveis via-se mal. Várias vezes antes tentei perder a cor e outras tantas voltei atrás, involuntariamente deixando que a paleta inteira se vertesse sobre a superfície sobre a qual as minhas palavras, que geralmente nascem adormecidas, ganham vida. 

Ontem decidi-me: hei-de ser capaz de ser mais forte do que eu. Hei-de ser capaz de me despir de cores e ruído, de me desnudar de tudo -- de veludos, rendas e folhos, de flores, de luz colorida, de brilhos -- e assim permanecer. E tentei. Mas pode alguém ser quem não é? Comecei com a página em branco e, mal dei por mim, já tudo estava tingido de mil cores. Recuei, tentei moderar-me. Por fim, deixei-o como agora o têm. Mas não estou convencida. Não sei por quanto tempo conseguirei ver as palavras deitadas em lençol branco.

Enquanto o mudava, olhei para mim. Tinha chegado a casa tarde, cansada, muitos quilómetros em mim sob chuva intensa, e, como sempre faço, tinha-me lavado, apanhado o cabelo, despido. Depois tinha vestido uma roupa confortável: umas calças de veludo macio, preto, uma blusa de manga curta, justa, decote em bico, em cinzento clarinho, umas meias quentinhas às risquinhas de vários tons de cinza. E, até ver, tudo sob controlo, ton sur ton em discreto. Mas estava com frio. Vesti, então, um casaquinho fininho em verde relva, com fecho eclair à frente e capuz. Só que, durante o dia, tinha estado durante horas num solar apalaçado requintadamente decorado, pé direito altíssimo -- mas frio, frio, frio. Ou melhor, tinha aquecimento mas o calor, como todos os calores, subiu, deixando-me com os pés gelados. E eu suporto bem o frio em todo o lado excepto nos pés. Resfriei-me. Então, aqui no sofá, continuei a sentir-me com frio. Fui escolher um agasalho e peguei num casaquinho em lã macia, fúcsia. Pareceu-me bem. Mas depois, ao olhar para mim, constatei como, até à noite, cansada, resfriada, me sabia bem sentir sobre o corpo a vibração das cores.

Enfim.

E, no entanto, como gosto de sobriedade, planura, limpidez.

É um caminho que tenho que percorrer: ir deixando para trás as camadas de pele carregadas de cor até conseguir estar nua, envolta apenas em luz, até me esquecer da gramática, das leis do mundo, até conseguir escrever palavras destiladas, puras, palavras que contenham apenas a música natural que as habita -- palavras puras escritas sobre a superfície transparente do vasto espaço.

Mas adiante.

Durante o dia de sexta-feira muitas coisas se passaram, algumas delas bem interessantes e que dariam belos títulos em primeiras páginas. Mas a mais curiosa de todas foi a que se passou no carro, quase à chegada. A outra pessoa que estava no carro, justamente a que estava a conduzir, recebeu uma chamada. Como estava com o telefone passado para o carro, em alta voz, e não teve o sangue-frio para dizer que estava acompanhado, a outra pessoa falou à vontade. Vi-o a ficar consternado com o que estava a ouvir, estranhamente apreensivo, depois atrapalhado, atarantado por eu estar a ouvir. No fim, depois da chamada ter terminado, inventou uma explicação mal alinhavada que me deixou ainda mais intrigada.

Ontem à noite mal pude esperar por googlar o nome da pessoa referida na chamada e confirmei: aquilo que a pessoa que fez a chamada dizia que ia acontecer, de facto, já estava confirmado. Vários jornais online o referiam. Fiquei espantada: porque é que isso incomodou tanto a pessoa que estava comigo e a que lhe ligou? Não sei e isso deixa-me muito desconfiada, muito mesmo.

E, no entanto, estou convencida que mais vale nem tentar descobrir até porque tenho a intuição que será preferível nem o saber.

A vida é uma tapeçaria sem plano ou guião cujos pontos e cores vão nascendo de acasos e opções que, a cada momento, vão acontecendo. Quem me diz que se eu desse um passo, um só -- e sei bem qual seria --  não mudaria para sempre a vida das duas pessoas cujo telefonema acidentalmente ouvi? Mas não o darei e, portanto, o que vier a acontecer não terá a minha influência.

(E intuo que o fim de semana dessas duas pessoas está a ser duplamente intranquilo: primeiro, pelo assunto do telefonema e, segundo, por o telefonema ter sido testemunhado).

Agora que escrevo isto lembro-me de um mail que um dia recebi. Era de um blogger que acompanho, com quem simpatizo, e com quem, na altura, já tinha trocado alguns mails. Nesse mail, ele confessava a sua paixão. Logo percebi que a destinatária era outra que não eu pois não apenas continha o nome da sua amada como dava para perceber que se tratava de um amor clandestino,  alguém a quem ia ver dentro de poucas horas, provavelmente disfarçando o laço que os unia para que os colegas não percebessem. Pouco depois recebi outro mail pedindo desculpa pelo equívoco. Descansei-o, que não se preocupasse. E apaguei o mail. Mas que problemas ele poderia ter arranjado se eu não fosse como sou, uma guardadora de segredos?

E quantos mais segredos tenho guardado ao longo de toda a minha vida? Tantos, tantos. Por vezes penso que um dia deveria escrevê-los para que nunca deles me esqueça e para que um dia, mais tarde, se para isso me der, possa escrever um livro de segredos. Sem nomes, sem qualquer informação que permita identificar os seus intervenientes. Despi-los da realidade que um dia tiveram como se de um processo de ecdise se tratasse. Segredos abstractos, reduzidos à sua essência.


Outra coisa que eu gostava seria de, um dia, recolher todos os poemas que me têm oferecido. Ou no blog ou por mail ou de outras maneiras. Por vezes, poemas ditos. Fico sempre tão sensibilizada. Não há dádiva mais sentida, presente que eu receba com maior emoção.

Devia recolhê-los, juntá-los, guardá-los numa caixinha preciosa e um dia oferecê-la ao mundo como prova de agradecimento a todos quantos me têm trazido momentos tão felizes.



E porque me está a apetecer ouvir um poema:


ou desta forma:


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As fotografias são da autoria de Nick Knight.

No título deste post, entre parêntesis, um pequeno excerto do soneto 30 de Shakespeare na tradução de Vasco Graça Moura

PS: E depois de ter escrito este post, voltei a mudar o aspecto do blog, já retirei o preto do exterior e já mudei o lençol que era branco e agora é cor de baunilha. E já mudei todas as demais cores e a imagem do início. Ou seja, já mudei outra vez de pele. Sou uma ecdísia, uma stripper.

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E a todos desejo um belo dia de domingo