terça-feira, novembro 30, 2021

Dizem que é uma celebração do amor.
Mas, cá para mim, isto das joalharias faz-me é lembrar aquela história do Cesariny...

 


Que o vídeo é uma alegria e uma explosão de movimento envolta no mais luminoso rubro lá isso é verdade. Mas o que é que isso tem a ver com a celebração do amor não sei. 

Se calhar, para os cavalheiros que vão à Place Vendôme escolher uma jóia para a sua bem amada, isso é um sinal de amor. Não digo que não. Claro que é para quem pode mas, enfim, não é por poder que tem menos sentimentos. E, nestas coisas, cada um é como cada qual. 

Agora uma coisa eu sei: se eu não fosse eu mas alguém estupidamente apaixonado por mim e, ao mesmo tempo, estupidamente rico não sei se, para celebrar o amor, a primeira coisa que me ocorreria seria gastar uma fortuna numa gargantilha cravada a diamantes. 

Gosto de jóias. Sim, gosto. Mas o meu gosto tem mudado. Se alturas houve em que me deslumbrava com um clássico ornado com umas belas esmeraldas, safiras, rubis ou, mesmo, diamantes, mais tarde evoluí para a simplicidade, mas uma simplicidade com arrojo. Peças modernas com um design elegante mas algo inesperado. 

Ultimamente já era a simplicidade em absoluto. 

Mais até do que simplicidade: peças com alguma piada a nível estético mas baratas. Por exemplo, algumas peças da Parfois fazem maravilhas numa toilette.

E, como já tenho que chegue para esta vida e para a outra, evoluí para o estadio limite: zero aquisições. Nem jóias nem social-jóias, nem Parfois nem coisa nenhuma. 

Tinha uma pulseira de ouro com um belo design urbano. Pesada, muito bonita, um fecho muito original. Gostava imenso de senti-la no pulso. Era uma peça e tanto. Até que um dia à noite, ao chegar a casa, não a tinha. Fiquei para morrer. Não era apenas o prejuízo mas a pena por ter perdido uma joia tão especial. Voltei atrás e, à noite, percorri a pé o último percurso. Andei dias a perguntar se alguém a tinha visto. Deixei o meu contacto em todas as lojas possíveis e imaginárias. Nada, claro. 

Serviu-me de emenda: usar peças assim no dia a dia nunca mais. 

O que uso -- e uso sempre, fazem parte de mim -- são dois fiozinhos muito fininhos. Tenho-os, como integrantes da minha pele, há décadas.

Quando, no verão, fiquei no hospital em observação de um dia para o outro, tive que os tirar. Coloquei-os na carteira. Quando a minha filha lá conseguiu entrar, pedi-lhe que a entregasse ao meu marido. Tinha ideia que os tinha posto de lado, numa bolsa sem fecho. Quando a dei, esqueci-me de avisar que ele não virasse a carteira. No dia seguinte,  pedi ao meu marido para ver se lá estavam. Não estavam. Ia-me dando uma coisinha má (em cima da que tinha tido). Perguntei se tinha tido cuidado. Enervado, sabia lá ele como é que tinha pegado na carteira. 

Em cima da preocupação pelo estado do meu coração, ainda mais o desgosto por ter ficado sem os meus inseparáveis fiozinhos. 

Quando nesse dia tive alta e cheguei a casa, com a pressão arterial altíssima e sem saber se devia voltar para o hospital, arranjei disponibilidade mental para fazer um break para ir vasculhar a carteira na esperança que o meu marido, pura e simplesmente, não os tivesse visto. Nada. Então, de súbito tive um lampejo e lembrei-me que, na véspera, no hospital, ao tirá-los e guardá-los tinha pensado que tinha que os pôr a bom recato, num separador com fecho, na carteira. Salve.

Quanto a jóias, recordo também sempre o primeiro desgosto que o meu marido me deu, revelando a sua maneira de ser. Tínhamos casado há poucos meses e eu tinha visto numa montra na Rua Augusta um anel de ouro muito fininho com dois pequenos corações em que um se sobrepunha ligeiramente ao outro. Eram de marfim com um aro fininho também de outro. Super discreto, mimoso. Descrevi-o com pormenor. Quando recebi o presente, nem queria acreditar. Um anel em ouro branco e com um lustroso rubi. Um anel descarado. De facto, lindo mas que não passava despercebido. Nada do que eu queria. Tinha vinte anos, vestia-me como as adolescentes se vestiam naquela altura. Não podia imaginar-me com anel tão exuberante. Perguntei porque me tinha oferecido aquele se eu lhe tinha dito tão claramente qual o anel que gostava de ter. Pouco ligou, disse que simplesmente tinha visto aquele anel e tinha achado que me ia ficar bem.

Depois disso fez muitas mais do género, geralmente deixando-me sempre perplexa com o que recebia e que era tão diametralmente oposto em relação ao que lhe tinha sugerido. 

Depois deixei de sugerir o que quer que fosse. Agora, quando quero uma coisa, não peço. Compro. Deixei de esperar o que quer que seja. O que vier está bem. Aliás, estou numa fase em que se não receber nada está também muito bem.

Mas não vou terminar este post natalício sem relembrar uma história, já aqui referida, do Cesariny. Contou ele que estava num alfarrabista ali ao Chiado quando entrou uma madama muito madama, muito sofisticada e cheia de nove horas, e lhe perguntou: Cavalheiro, desculpe-me, isto aqui é uma joalharia? Perante o insólito da pergunta e o ar cagão da baronesa, Cesariny não resistiu e disse: É sim, minha senhora, já aqui fiz muitos broches de joelhos.


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E, conversa à parte, que se entoe o Love is all e que venham as donzelas adornadas a rigor para dançar e celebrar o dito amor e, en passant, para honrar as jóias da Cartier: Monica Bellucci, Khatia Buniatishvili, Lily Collins, Golshifteh Farahani, Willow Smith e outros. Uma festa. E se quem me vê não pode com p pois que não perca tempo nas lastimações. Junte-lhe um h que vai ver que a festa ainda vai ser melhor. 

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E que venha daí um belo smile
Um dia muito bom para todos os que aí, desse lado, fazem o favor de me aturar

segunda-feira, novembro 29, 2021

Kate Middleton, Letizia de Espanha, Ursula von der Leyen -
- feridas, com hematomas, desfiguradas, vítimas de violência conjugal

 


É tema que já aqui veio várias vezes. É daqueles que receio sempre não saber abordar por não ser capaz sequer de imaginar o que é uma mulher viver sempre amedrontada na sua própria casa tendo que conviver com um homem que a mantém em permanente estado de alerta, sempre com medo de lhe provocar alguma reação que o deixe zangado, sempre com receio de que, a partir de uma qualquer insignificância, se gere uma situação de violência, seja ela física seja psicológica.

O que será viver sempre no fio da navalha, sempre com medo de uma agressão? Sempre com receio de que os filhos testemunhem uma situação que forçosamente os marcará, Receio de que alguém testemunhe a humilhação a que está sujeita. Receio pela própria integridade física. Receio pela integridade dos próprios filhos. Receio de não aguentar. Receio de não ser capaz de escapar. Receio. Receio e vergonha. Vergonha de assumir a situação, vergonha de que os outros tenham pena, vergonha.

O que será viver assim? Como se consegue viver assim? Como se consegue sobreviver assim, debaixo de uma ansiedade escondida, de um permanente terror?

Nem imagino o que será o carrossel emocional de viver com um homem que ora se faz de infeliz, que arranja desculpas para as suas reacções, que ainda quer receber apoio e comiseração por parte da sua vítima, que pede desculpas e até chora e que, dias depois, por um nada, se vira do avesso, amua sabe-se lá porquê, amua e não diz porque está amuado, um homem que desconfia de tudo, que se vitimiza, que tem ciúmes de tudo e de todos, que inventa pretextos para violentar e agredir aquela a quem dias antes jurou amar para sempre. Nem imagino.

Nem imagino como se consegue tentar ganhar coragem para denunciar a situação sabendo que ele pode vingar-se, pode fazer mal aos filhos, pode fazer chantagem, pode fazer-lhe ainda pior se souber, pode agredi-la ainda mais ao sentir-se acossado. Nem imagino a coragem que é preciso ter quando ele não quer sair de casa e ela não tem para onde ir. 

Nem imagino como se consegue suportar a proximidade física de alguém de quem se teme que um dia lhe cause uma dor irreversível, fracturas, ferimentos, denunciadores hematomas, de alguém que quem se teme que seja capaz de lhe tirar a própria vida. Como se suporta partilhar a intimidade com alguém que deveria estar preso?

Como se consegue dormir e continuar a trabalhar, fingindo que se leva uma vida normal, quando a angústia é uma garra que aperta o coração e destrói a alma?

Como se consegue sobreviver quando já se ultrapassaram mil barreiras psicológicas e já se denunciou a situação e, no entanto, ninguém levou a sério nem tomou as devidas providências?

Como se consegue arranjar coragem para continuar a descobrir forças para proteger os filhos e a família, para que não sofram, para que não vivam aterrorizados? Como se consegue?

E como se consegue continuar a ter esperança quando há polícias que não agem rapidamente e juízes que desculpabilizam os agressores e ainda fazem recair sobre as mulheres-vítimas parte da responsabilidade pela violência? 

O que devemos fazer para, como sociedade, não aceitarmos mais situações testas? O que devemos fazer para criar condições para que qualquer mulher que tenha sido ou receie ser agredida saiba como agir para viver em paz e sossego, livre de ameaças e maus tratos?

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As fotografias foram editadas por Alexsandro Palombo, ao que parece sem ter pedido autorização às respectivas figuras públicas. No entanto, estou em crer que não se importarão. Kate Middleton, Ursula von der Leyen, Letizia, Kamala Harris, Christine Lagarde e outras aparecem em nome de tantas mulheres anónimas de quem só se ouve falar quando são assassinadas pelos companheiros.

Esta série, 'She reported him,' não é a primeira. Já antes tinha feito uma idêntica cujas fotografias foram afixadas nas ruas para denunciar a indiferença com que deixamos que estes crimes continuem a acontecer entre portas. Angela Merkel, Brigitte Macron e outras apareciam igualmente com os rostos desfigurados. 

Todos os anos várias mulheres morrem às mãos dos seus algozes. Mas as que morrem são os casos limites. Por cada mulher que morre, muitas outras sofrem em silêncio, escondendo as agressões, disfarçando os hematomas, sorrindo como se não fosse nada, apenas uma queda sem importância..

Nesta campanha Alessandro tenta chamar a atenção para que não basta incentivar as mulheres a denunciar a situação: há que garantir que o Estado as consegue proteger, amparar, dar-lhes sustento enquanto viverem sob resguardo.

Para quem esteja interessado, poderá ver o artigo no qual tomei conhecimento desta campanha: Kate Middleton défigurée par des hématomes, l’image choc d’une campagne contre les violences conjugales

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Agora que falo nisto, a quem subscreva a Netflix quero sugerir a Maid. É daquelas séries que quem vê nunca esquecerá.

É uma série curta e excepcional baseada em situações reais vividas pela autora do livro sobre o qual se fez a série. Não é uma série negra, não é escancaradamente dramática. É contida, é terna, transporta esperança e mostra como a coragem é uma coisa cheia de riscos e retrocessos mas na qual brilha, ao fundo, uma luzinha que indica o caminho de saída. 

E Margaret Qualley, como Alex, a jovem mãe que foge a um companheiro violento e com problemas de alcoolismo e que, para sobreviver e pagar o seu sustento e o da filha, suporta, com brio, todas as vicissitudes de um trabalho exigente e mal pago, é verdadeiramente excepcional. 

Maid

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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira

Saúde. Sorte. Boa disposição.

domingo, novembro 28, 2021

Mas alguém com dois dedos de testa* acreditou que o Rangel tinha alguma hipótese?

 



Que o Rangel não tem perfil (e não me refiro ao físico) nem estatura (e não me refiro à física) nem cabedal (e não me refiro ao físico) nem tino para poder vir a ser primeiro-ministro parece-me óbvio.

Que ele, dada a falta de tino, não tenha percebido isso parece-me natural. 

Agora que tanta gente também o não tenha percebido já me parece mais estranho. Seriam agentes infiltrados ao serviço do Chega? 

E que o Expresso e todos os media da Impresa também não o tenham percebido aí já me parece o carimbo que lhes faltava para que seja público e notório que a malta das respectivas direcções nao têm os alqueires bem medidos.

Andaram a levá-lo ao colo, a dar-lhe colinho de todas as maneiras possíveis e imaginárias... sem perceberem que aquilo ali nem para delegado de turma servia? 

Como podemos levá-los a sério quando falarem do que quer que seja, quando fomos testemunhas da flagrante burrice que cometeram ao alavancar de todas as maneiras possíveis e imaginárias um personagem que poderia figurar num romance do Eça mas jamais na vida política real no século XXI?

Nesta coisa da sua derrota perante o Rui Rio é a única coisa que me ocorre e que me parece digna de merecer a nossa atenção: que confiança podemos ter, doravante, na inteligência dos PSDs que o apoiaram (tantos) e dos jornalistas e comentadores que o apaparicaram -- mesmo perante as mais aparatosas evidências que nem para primeiro-ministro de um país inventado numa qualquer comédia amalucada o Rangel serviria?

O seu discurso de derrota não foi digno coisíssima nenhuma como agora os mentecaptos e lambe-cus vão dizer: foi apenas o discurso de quem quer sair de fininho da porcaria que armou, ainda por cima que armou para sair batido e de rabo entre as pernas. É aquela coisa que caracteriza os estúpidos: fazem porcaria que prejudica os outros e que os prejudica a eles próprios. Disse ele que as eleições foram boas para consagrar o vencedor. Conversa de barata tonta. O partido vai continuar como estava, com o Rio à frente e com ele entretido a dizer balelas. O que ele conseguiu foi fazer o partido gastar dinheiro para nada e pôr metade do partido a dizer mal da outra metade.

Claro que agora vai pôr-se em bicos de pés a fingir que é leal e um santo banhado em dignidade. Santo só se for do pau oco (no pun intended). E leal o tanas: quer é pôr-se a jeito para ser convidado pelo Rio para uma coisa qualquer. Rangel é daqueles que anda sempre à babugem. 

É como o Assis. Catatuas falantes, sempre prontas para darem bicadas nos legítimos para mostrarem à comunicação social, ou seja, à opinião pública, que estão vivas e que são alternativas. Como se a opinião pública quisesse saber delas (delas, catatuas) para alguma coisa. 

Não há pachorra.

Quanto ao Rio o que tenho a dizer é que é um burocrata, um fulano que frequentemente se porta como um totó sem sentido de humor em que, ao fazer de conta que o tem, se sai com palermices que não lembram ao diabo. 

Mas, do que lhe tenho visto, parece-me que, em regra, pensa no país antes de pensar no partido, às vezes pode parecer que é um bocado parvo mas, em geral, estou em crer que não é parvo nenhum, e é de boas contas e, por acaso, até acredito que seja bem formado.

Pode faltar-lhe uma certa falta de noção bem como um certo pendor humanista; e acredito que a nível de sentido estético seja um desastre; e, a nível de cultura, em geral, não faço ideia mas, quando estava no Porto, tenho ideia que diziam que era um calhau. Se calhar é.

Não se coloca a questão de se eu votaria nele ou não pois está à frente do PSD e eu não voto em sacos de gatos, ainda por cima gatos que ou são uns oportunistas ou canibais ou autofágicos. Ou seja, gatos que não se recomendam.

Mas uma coisa eu posso dizer. Se o PS tiver que se coligar com alguém, acho que fica melhor servido a entender-se com um Rui Rio do que com uma populista e uma vendida como a Catarina Martins. Quanto ao Jerónimo prefiro nem me alongar muito. Pode ser digno e respeitável mas já por duas vezes se juntou à direita para agradar aos seus mais retrógrados correligionários. Portanto, como não há duas sem três, é melhor não lhe proporcionar essa terceira oportunidade.

Tirando isso, não sei que mais há a dizer sobre o tema.

O que vale é que é domingo. Se estiver frio como neste sábado a ver se acendemos a lareira. 

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* A testa a que no título me refiro também não é física

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Pode muito bem acontecer que alguns de vocês que, aí desse lado, me acompanham achem que a pintura de Carl Heinrich Bloch (1834 - 1890) e a Humoresque de Dvořák não estão aqui a fazer nada. Pode ser. Mas a minha opinião não é bem essa: se calhar o Rangel é que está a mais. O Rangel, o Assis e mais o que não estão aqui no post mas estão por aí -- o Chicão, o Ventura, o trio Mortáguas & CMartins e toda essa gente que apenas polui o ambiente.

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Desejo-vos um belo dia de domingo

sábado, novembro 27, 2021

Ah, que boas que eram aquelas intermináveis e abafadas festinhas de Natal das crianças...

 



Mais uma semana e quase mais um mês. O tempo desaparece-me das mãos. esta sexta-feira foi de tal maneira que, quando chegou ao fim e me meti no carro para ir tratar de umas coisas, mal me lembrava de tudo o que se tinha passado. Um pouco inquietante. Por muito que tente deixar intervalos entre reuniões, não estou a conseguir. Mal consigo respirar. Tenho uma coisa que não sei se é só minha se é comum a toda a gente: preciso de não fazer nada a seguir a algumas situações para que elas assentem. Pode ser uns cinco minutos. Chega. Ora, como não estou a conseguir, sinto que, por vezes, as próprias situações se evolam, pelo menos do meu radar.

Hoje de tarde aconteceu-me uma coisa que me incomodou muito. Tive uma reunião com uma pessoa a seu pedido. Como é uma pessoa com muita autonomia, boa cabeça e que não dá problemas, no meio de tudo o resto, acabo por me esquecer dela. De cada vez que ele me liga a pedir uma reunião, penitencio-me. Hoje, ao fazermos o ponto de situação, ele quis dar-me conta do andamento de dois trabalhos que eu lhe tinha pedido. E, quando ele disse isso, eu vi à minha frente uma parede escura, sem princípio nem fim. Não tinha a mínima ideia do que lhe tinha pedido. E, no entanto, quando ele descreveu o ponto em que estava, a parede iluminou-se. Eram trabalhos importantes, críticos. E eu tinha-me esquecido.

De que serve sentir-me mal com isso se não é voluntário, se tenho consciência de que isto acontece porque sou humana, tenho os meus limites? Mas, para as outras pessoas, cumpridoras, responsáveis, como é que é entendido eu não andar em cima? Provavelmente pensam ser desinteresse. E não é, é apenas excesso de trabalho.

Depois, já de noite, ia no carro e ouvia os mails a chegarem. E pedidos para mais reuniões. 

O cardiologista disse-me que, para além da medicação, o que há a ter em atenção: uma vida normal, saudável. Faça exercício, evite o stress, tenha uma alimentação saudável. Contei-lhe das reuniões sucessivas, dias inteiros, tantas vezes para resolver problemas ou para tomar decisões difíceis. Ele disse: pois, já sabe, isso não dá saúde a ninguém. 

Há uns meses, decidi: vou mudar completamente de vida. Fixei um prazo limite. Não iria prosseguir neste ritmo. Mas estou a chegar a esse limite e o limite voltou a deslizar. Não sei como evitá-lo.

Mas, entre outras cosas, fomos comprar uma caminha maior para o urso peludo que já tem quatro meses e começa a estar grande. Ia morar na rua, não era? Lembram-se? Mas pensámos logo que a casinha de cimento do jardim era grande e inóspita. Por isso, arranjámos-lhe uma casinha mais pequena para ficar no pátio abrigado, junto à cozinha. Ao fim do segundo dia, achámos que estava frio. Coitadinho. Ingressou no bem bom e passou a dormir numa caminha almofadada na cozinha. Agora, quando podemos supervisionar, ou seja, ao fim do dia, pode circular pela casa. E vai experimentando: a chaise longue, o sofá em frente da lareira, o cadeirão de orelhas, a bergère em ouro velho. Quando o vejo, pergunto-lhe: então? estás bem? Olha-me e é como se me respondesse: Tá-se.

Digo-lhe. Quer um biscoitinho? Vem a correr, a saltar, a dar ao rabinho. Digo-lhe: senta. Ele senta-se. Digo: a patinha. Ele levanta a patinha peluda. Digo: a outra. Trapalhão, ele pousa a primeira e levanta a segunda. Dou-lhe, então, o biscoitinho que parece um feijaozinho. É um educ e dizem que é pouco calórico. Adora. Então, volta e meia, chega-se ao pé de mim a andar desengonçado e com uma patinha no ar e outra no ar, um mini cavalinho de cortesias, peludo, cabeludo, maluco. Pergunto se quer um biscoitinho e todo se derrete, de alegria, a andar à minha volta, aos saltos. Uma graça.

O pior é que me arranha com as suas unhinhas afiadas e os seus dentinhos sem noção. Agarra-se a mim, quer brincar. Digo-lhe: só beijinhos, com a língua. Mas acho que é vocabulário que ainda não conhece. Espero que lá chegue para ver se deixo de andar toda marcada nas mãos e nas pernas.

Agora aqui no sofá, ensonada, só a adormecer, abri o youtube e apareceram-me vídeos que me fizeram lembrar as festinhas de natal de quando os meus filhos eram pequenos. Eram sessões que duravam longas horas. Geralmente estava muito calor, estava muita gente. O ginásio transformado em sala de espectáculos. Aguardava pacientemente ao princípio mas, por fim, já muito impacientemente. O meu marido geralmente também ia. Mas ele, em situações destas, não é apenas impaciente: fica verdadeiramente desesperado, incapaz de estar quieto. Mexe-se, bufa, pragueja em voz baixa, ameaça ir-se embora. Fica em estado de absoluto sofrimento. Mas nem pensar sairmos nem que fosse apenas para apanhar ar. E se chegasse a vez de um dos nossos actuar? Então, aguentávamos estoicamente. Com a minha filha havia também os saraus musicais. Ela andava no piano e, por esta altura, cada menino da escola tinha o seu momento de glória. Horas. Uns era flauta, outros piano, outros violino. Um suplício. 

Mas depois, quando actuava qualquer deles, passava-me toda a impaciência. Adorava.

A minha filha vibrava com isto. Para ela era uma excitação, uma alegria. Preparava-se, antecipava o momento, fazia questão de estar bem. O meu filho era o oposto. No primeiro ano, aos três anos, recusou-se a participar. E nos outros anos, era sempre com alguma aversão que aceitava integrar-se. 

Fosse como fosse, nunca falhei uma única festa da escola. Por muito pincel que fosse aguentar a longa duração daquilo e o calor abafado que me fazia baixar a pressão, sempre lá estive para aplaudir e para me encantar com eles.

Também já fui a algumas festinhas na escola dos meus netos. O meu marido acho que só foi duas vezes. É que uma coisa é uma pessoa sair mais cedo para ir à festa de Natal do filho ou da filha. Outra é uma pessoa baldar-se cinco vezes para ir à festinha de cada neto. E, no entanto, como eles ficam contentes quando nós vamos. 

Agora, com esta porcaria do corona, já nem devem fazer aqueles ajuntamentos em ambientes fechados, verdadeiras incubadoras de vírus. 

Mas, ao ver alguns dos vídeos que o meu amigo algoritmo tinha para me mostrar, já me fartei de rir e de me enternecer. Só aqui partilho dois mas o Youtube tem vários, presumo que por upload por parte dos pais orgulhosos.




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As fotografias foram obtidas por aí e desconheço a sua autoria

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Desejo-vos um sábado feliz
Tudo à maneira. 

sexta-feira, novembro 26, 2021

Um Pai Natal gay...?

 

E as reticências seguidas de um ponto de interrogação, calma aí, devem-se apenas à minha admiração. 

E devo esclarecer que, num primeiro momento, o significado da palavra admiração foi 'espanto'. 

Depois li a explicação. Os Correios noruegueses, com este postal de Natal, pretendem evocar os 50 anos da despenalização da homossexualidade na Noruega.

Digamos que é um vídeo inesperado. Inusitado. Vivendo eu numa sociedade como a nossa em que a homossexualidade, em muitos meios, ainda é encarada como uma aberração ou uma deformação digna de gozação, um cartão de Natal em que o tema é a atracção entre homens e em que um deles é nada mais, nada menos que o Pai Natal, não escondo que, enquanto via, me interrogava: '... mas a que propósito vem isto...? que coisa disparatada...'

Mas, depois, sabendo qual a inspiração e sabendo que tudo o que se faça é pouco para que todos aceitemos os homossexuais como iguais, o significado da palavra admiração converteu-se em 'respeito'.

Harry, o habitante da casa, deixa um cartão a dizer que «Tudo o que eu quero para o Natal és tu, Santa» e o Pai Natal, já retirado, envia os presentes pelo Correio mas comparece para encontrar o seu amor. E beijam-se. 

Que melhor presente de Natal se pode ter do que a confirmação e a consumação do amor, em especial quando o amor era, antes, clandestino e, por isso, indefinidamente adiado, negado?

Quantos homens, pais de filhos, casados numa relação hetero, vivem uma vida de negação e encenação, recalcando em silêncio a sua atração e amor por outro homem? E, quem diz homem, diz mulher no caso da homossexualidade feminina.

Uma sociedade não será humana, inclusiva, progressista, civilizada, capaz de evoluir de forma saudável enquanto uma parte rejeitar outra parte, mesmo que a parte rejeitada seja uma minoria.

Por isso, que o Pai Natal seja hetero ou gay, real ou inventado, alpinista ou limpa-chaminés, magro ou gordo, barbudo ou cabeludo, sonhador ou comerciante, tanto faz. Que seja o que cada um quiser que ele seja.

E que o Harry e todos os Harrys desta vida encontrem o Pai Natal que desejam. E, se não for este ano, que seja quando puder ser. Mas que seja.


Em tempos tão difíceis, a braços com uma pandemia que não dá tréguas, no meio de incertezas terríveis como as que advêm da emergência climática, com tanta gente a sofrer angústias, ansiedades, medos, tanta gente aprisionada na mais triste solidão... eu desejo que saibamos passar por cima do que nos divide e nos juntemos em torno do que nos une. 

Lirismo, claro, mas, ainda assim, um sincero desejo. 

Lutemos pelos nossos ideais, procuremos o que nos faz felizes, deixemos de lado o que não interessa, afastemo-nos do que e de quem nos faz infelizes, compreendamos o quão efémera é a nossa passagem pela terra e não desperdicemos o tempo que nos coube em sorte com o que não empolga ou enternece o nosso coração. 

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Be happy

quinta-feira, novembro 25, 2021

Fxxx adiada é fxxx perdida...?
E o bom humor é mais importante do que o amor...?

 


Pode parecer exagero mas acreditem que não é. Nunca tive tanto trabalho como agora. Tento e tento e tento entrar num regime de lento phasing out. Mas parece que o trabalho me cai em cima vindo de todos os lados. Parece que atraio. Não sei como, juro que não, mas não apenas o trabalho vem ter comigo como não sei como sacudi-lo ou, pelo menos, passar de fininho entre os pepinos que me chovem no colo a toda a hora.

Por uma bizarra coincidência, o meu marido está na mesma. Supostamente iria iniciar uma nova fase da sua vida profissional, esperando ele que mais calma do que a anterior. Afinal, sem se perceber como, agora acumula as anteriores com as novas funções. Não sabe para onde se virar. Portanto, os dois assim, sem um minuto livre, e com um cachorro desembolado cá em casa... De loucos.

Mas como não há duas sem três -- e isto é um axioma, não carece de demonstração pois é de óbvia constatação --, os pequenos arranjos no jardim pelos quais desesperávamos por arranjar quem os fizesse, agora também caíram do céu. Mas caíram do nada e com uma particularidade: para ser já. Já= Agora. Ainda sem haver os materiais. Portanto, agora tenho dois ou três homens no jardim e temos que arranjar, à pressão, materiais para eles trabalharem. 

Acontece ainda outra: para os homens conseguirem trabalhar, a pequena fera tem que estar confinada. Mas a pequena fera odeia estar confinada. Não apenas volta e meia ladra, gane, geme, implora por libertação, nomeadamente para vir para o pé de mim, como chega ao fim do dia capaz de correr quilómetros em segundos, capaz de nos saltar para cima e para cima dos sofás, roer-nos as pernas e os pés e as pernas das cadeiras e das mesas, desancar almofadas, arrancar-nos as meias dos pés. Tudo a um ritmo alucinado.

E o telefone sempre, sempre, sempre a tocar. Ou é do trabalho, ou do trabalho, ou da casa dos materiais, ou do trabalho, ou o empreiteiro, ou do trabalho, ou do operador de comunicações, ou do trabalho. E assim sucessivamente. Ter reuniões neste clima é de dar comigo em maluca. 

Pelo meio foi preciso ir com o big baby bear às vacinas e outras questões médicas não do animal de quatro patas mas dos de duas. De loucos.

Com tudo isto, ando a levantar-me cedíssimo e a deitar-me tardíssimo. E sei que não pode ser. Mas a vida está repleta de coisas que não podem ser. É o que é.

Com isto, notícias só de raspão. Comentários nem pensar, dizem que comida processada não faz bem à saúde. Da CNN da Cristina Ferreira ainda apenas vi o visual da Judite e um breve relance sobre o déjà vu que aquilo me pareceu. É a TVI disfarçada de sucursal da reboleira da CNN, como apresentadores vintage. Não dou para peditórios desses. Temos pena.

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Posto isto, chego aqui e procuro distração. E não há como testemunhar a alegria e a irreverência das três amigas que, com as suas provectas idades, revelam mais lucidez e abertura de espírito do que muita menina emproada que por aí anda.

No primeiro vídeo respondem à questão: deve ou não a mulher ceder aos chamamentos do corpo logo no primeiro encontro? Se for sim, não se espantará o cavalheiro, fugindo a sete pés? Mas, se for não, não se entediará o cavalheiro julgando que dali só há a esperar a monotonia da prosa, jamais os encantos da poesia?

Cada uma das avós disserta mas, resumindo, a resposta é que para a frente é que é caminho. Apetece? Então, força. O cavalheiro acha demais? Paciência. Não quer mais, não queira. Mas, pelo menos, já se experimentou.

E é também o que eu penso. Quando se é muito jovenzinha e com a vida inteira pela frente, ainda se pode desbaratar oportunidades. Agora quando já se está quase a meio ou a meio ou bem depois do meio da vida, se são ambos maiores e vacinados, se são gente de bem, civilizados, limpinhos e bem educados e se estão mesmo afim, se a coisa pinta, então, caraças, que role. 

Mas uma coisa é fundamental. Incontornável. Insubstituível. A outra pessoa tem que tem um verdadeiro sentido de humor.

Homem (ou mulher) sem sentido de humor não está com nada. Falo por mim. Jamais me poderia relacionar por alguém que não me fizesse rir. Amor é fundamental, ter uma 'boa pegada' também. Mas ter sentido de humor é daquelas cuja falta faz todas as outras caírem por terra. Até pode acontecer que, ao princípio, uma pessoa, encantada com a situação, nem repare logo que o sujeito é um sapato torto, uma mala pesada, um atraso de vida. Só que, ao fim de algum tempo, quando desaparecer a ilusão que dourava e embelezava o coisa-pouca, vai saltar à vista que dali não nasce gargalhada, não nasce sequer um sorriso. Sujeitinho que não traga gargalhada à nossa vida não está com nada. Já era. Byezinho.

E é também isto que as meninas, no segundo vídeo, também dizem. É claro. Não tem que enganar.

E que entrem, então, as Avós da Razão.

Dar ou não dar - eis a questão

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O bom humor é mais importante que o amor


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As fotografias mostram cenas de Sunday in the Park With George de Stephen Sondheim e James Lapine, 
maridoinspirado por Georges Seurat

Sem mais nem menos, Juleny Favela interpreta Nunca es suficiente

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Desejo-vos um dia feliz, tranquilo.

quarta-feira, novembro 24, 2021

Estes nossos queridos tabus

 

Quando eu era pequena a minha mãe gozava com um perfume chamado Tabu. Dizia que era intenso, vulgar. Na minha cabeça um tabu era isso, uma coisa vulgar mas, porque intensa, algo violenta. 

Aos poucos fui reconhecendo alguns. Não saberia definir: talvez preconceitos que nos tolhiam. 

A primeira vez que o senti e me fez sentir muito revoltada aconteceu teria eu uns quinze anos, por aí. 

Tinha um namorado e tinha um grupo de amigos de quem era inseparável. Por vezes, quando tinha aulas de manhã, almoçava e depois voltava ao convívio. Podíamos passear, ir para o parque da cidade, voltar ao recreio do liceu caso houvesse jogo de futebol a que assistir ou podíamos ir para a beira mar. Sempre fui chegada a água, mar ou rio. Mas, na altura, era mais o ambiente de largueza e a tranquilidade. 

Nada de mais. Conviver e descobrir o prazer da amizade eram coisas boas e inocentes. 

Até que um dia a minha mãe chegou ao pé de mim, toda cheia de censura, ares de recriminação, e disse que lhe tinham contado que eu ia passear para a beira-mar. E disse-o como se a beira-mar fosse lugar de perdição e como se, por eu lá andar, estivesse a conspurcar-me. Aquilo ofendeu-me de uma maneira profunda. Em especial não consegui aceitar que a minha mãe desse ouvidos a quem lhe foi contar isso e viesse acusar-me nem eu sei bem de quê. Lembro-me que chorei de fúria. Queria que ela me dissesse quem tinha ido denunciar-me por coisa tão absurda. Não disse. Não sou, nunca fui, de armar zaragatas. Mas sou de tomar decisões irrevogáveis. 

Passear à beira-mar era um tabu. E eu e os tabus nunca convivemos amistosamente. 

Quando acabei o liceu, tornou-se muito claro para mim que tinha que sair de sob o jugo dos tabus. Resolvi que iria ficar numa residência de estudantes. Foi uma luta. Os meus pais não percebiam tal obstinação. Desculpei-me com o tempo que perderia em transportes e que seriam preciosos para estudar. Foi muito difícil. Mas consegui. Tinha dezassete anos acabados de fazer. Voltava a casa à sexta-feira e saía à segunda. O doce sabor da liberdade sempre foi imprescindível para mim.

Também quando deixei um namorado e comecei a namorar outro, a minha mãe preocupava-se com o que as pessoas iriam dizer. Outro tabu. Uma rapariga não podia ter mais do que um namorado e, muito menos, ser adepta do lema de rei morto, rei posto

E eu sempre me estive nas tintas para o que pensavam ou deixavam de pensar. A opinião censora e preconceituosa dos outros nunca foi coisa que entrasse nas minhas equações. Nunca me ocorre sequer recear o que pensem. Visto-me, penteio-me, faço o que quero, como quero, quando quero, com quem quero. Não tenho que dar satisfações a quem quer que seja sobre coisas que apenas a mim dizem respeito.

Ou, já quando trabalhava, ainda novinha, quando tinha que ir apresentar projectos à sala de direcção (com acetatos que se colocavam num retroprojector) e me recomendavam que fosse vestida de uma forma mais austera. Era coisa que, obviamente, me entrava por um ouvido e saía por outro. Nunca achei que uma mulher tivesse que se tornar menos feminina para progredir num mundo de homens. Nunca alterei a forma como me vestia, calçava, penteava, falava ou comportava. A toilette de fato completo cinzento com camisa branca nunca fez o meu género. Pelo contrário, vestia-me como me sentisse simultaneamente mais bonita e mais confortável. 

Uma vez uma colega mais velha disse-me: uma mulher aqui só progride na horizontal. Primeiro, nem percebi. Depois quis que me explicassem: porque dizia isso se não havia uma única mulher na direcção, muito menos na administração. Explicou-me que nem como chefe de secção. Disse-lhe que ela deveria passar a dizer: aqui, nem na horizontal, uma mulher consegue progredir. 

Quando tinha que ir a outros locais da empresa, ia muitas vezes com algum colega. Só tinha colegas homens pelo que só ia com homens. Mesmo ao estrangeiro. Uma vez, tínhamos ido a Zurique, o meu director da altura disse que a mulher lhe tinha dito para ele se portar bem. Fiquei espantada. Mas com quem poderia ele portar-se mal? Comigo não era com certeza. 

Progredi e nunca tive que me colocar na horizontal. Se calhar quebrei um tabu. Mas, se calhar, foi-me fácil porque sempre me marimbei para tabus. Não me esforcei, não alterei um milímetro da minha conduta. Simplesmente, não me intimidei. 

Os tabus são grilhetas que acorrentam a força de vontade das pessoas. Só que o mais dramático é que são grilhetas invisíveis, muitas vezes apenas existentes na cabeça das pessoas. Muitas vezes são as próprias pessoas que se acorrentam. E fazem-no apenas por medo. Medo da opinião dos outros, medo da rejeição, medo de não suportarem os olhares alheios, medo de não saberem o que fazer com a sua própria liberdade. 

Nas mulheres, medo de beber em público, medo de beijar um homem em público, medo de cortar ou pintar o cabelo de uma certa maneira, medo de receber certas pessoas em casa, medo de que não a achem um modelo de virtudes. Nos homens, medo de chorar em público, medo de receber um não, medo de errar, medo de terem que reconhecer que erraram, medo de precisarem de ajuda, medo que percebam que precisam de ajuda. 

Medos. Tabus. Barreiras intransponíveis ainda que invisíveis.

Para mim apenas desafios. Acho que o meu pequeno urso cabeludo também é assim. Se lhe digo que 'aqui não' ele faz de tudo para chegar ali, para pegar aquilo, para o arrastar para onde ele quer. Pode ser uma almofada, um soutien, uma meia, um sapato, o comando da televisão. Ultimamente é uma chávena que está na parte da vitrine que não tem porta. Eu zango-me, eu ameaço, eu digo: aqui não. E ele não desiste até levar a dele avante. É cá dos meus.

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Mas ninguém melhor do que as desempoeiradas e jovens Avós da Razão para dizerem o que fazer com os tabus. 

E para explicarem a relação entre os tabus e os sete pecados capitais (quiçá com os dez mandamentos).

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Desejo-vos uma boa quarta-feira -- sem tabus.

E com saúde, ânimo, boa disposição. Força aí.

terça-feira, novembro 23, 2021

Pinto da Costa -- Jorge Nuno e Alexandre Jorge -- , FCP, SAD, Pedro Pinho, Bruno Macedo - o que os une?
Será que declamam poesia tão bem como o Papa?

 

Devo dizer que de futebol percebo zero. Das SAD menos ainda e, aí, está bom de ver, já estou no negativo. Conselheiros, ajudantes, assessores e etc ainda menos. Vê se pode. Negativíssimo, portanto. 

Isso não quer dizer que não me faça um bocadinho de impressão a movimentação de milhões de que sempre se fala quando se fala de comprar e vender jogadores, direitos disto e daquilo. Mas faz-me impressão se calhar por, nestas coisas, ser muito labrega. Assumo. Sempre me mantive à margem. Não conheço nem de factos nem de leituras. Zero. Bola. Não me assiste.

De um lado da balança está a imensa mole humana que vive do salário mínimo e, portanto, não paga impostos e, no extremo oposto, estão os que ganham mais por dia do que os outros em vários meses. Se calhar estes pagam impostos que compensam o que os outros não pagam. Mas não sei pois também se ouve falar em offshores ou jogadas de branqueamento ou lavagem. Por isso não sei se pagam o que devem, se declaram o que recebem, se recebem às claras ou por baixo da mesa. Não sei. E, como não sei, não opino. 

Imagino que por trás de cada milhão que se movimente neste ofuscante mundo do futebol estejam advogados que zelam para que a coisa seja bem feita. Optimização fiscal, chamam-lhe. Fiscalistas. Gosto de falar com fiscalistas. Sabem tudo. Conhecem cada buraquinho na redação das leis, sabem como ir atrás da aberta que aqui e ali foi deixada. São prudentes, não gostam de pontas soltas.

Mas, ao que se diz -- mas lá está, isto é a gíria, vox populi, o diz-que-diz-que -- a coisa não se fica pelas transferências. Estender-se-á a favorecimentos, a arbitragens, a comissões, à raia miúda. Falava-se em fruta mas fruta era apenas metáfora pouco erudita, em esquemas que metiam frequentadores de bares de alterne, coisa já ao nível do bas fond. 

Se era só fumo ou se havia fogo isso não sei, nunca acompanhei. O mundo real às vezes é destituído de embalo poético. A sua rudeza cansa-me. Desligo-me e não quero saber se as notícias são fake ou apenas bem temperadas de imaginação.

E agora é o grande Jorge Nuno, o Papa da coisa, mas ainda está fresco o cheirinho a barracada da grossa com o Vieira do Benfica. Cara e coroa da mesma moeda, dizem. Só que enquanto o Vieira é pouco escolado e de origens plebeias e, sentimentalmente, homem de uma só mulher, o grande Jorge Nuno, berço bem enxovaladado, de estudos e, para coroar, é de amores flutuantes. Já teve várias mulheres, algumas das quais por duas vezes intercaladas. E há aquilo de saber poemas de cor e de gostar de declamá-los. Consta que, no intervalo das Manuelas, Fernandas, Filomenas ou Carolinas, há as Elisas e outras que tendo ouvido o desfiar de poemas sobre jantares bem regados, se renderam, coração amolecido, corpo indefeso.

Claro que isso não virá ao caso pois consta que o Rosarinho Teixeira é mais dado a um thriller bem empecilhado do que a uma bem dita tirada poética. 

Ou seja, vou ficar-me por aqui pois não sei o que se pode dizer sobre este caso. 

Só espero é que, se houver coisa, o dito Rosarinho, abençoado pelo Super-Judge Alex, não embrulhem o Vieira no Pinto da Costa, Apito Dourado, Caso Marquês, Miríade, e-Toupeira e Face Oculta tudo metido ao barulho, e os vouchers recebidos por um com os relógios de ouro do outro, as alternadeiras pagas por um com as meias cosidas pela mulher do outro, os copos pagos ao árbitro por um com os rolos postos na mise pela mulher de outro. Milhares de folhas de um enredo em que já ninguém percebe onde é que a coisa começa e onde é que acaba e em que pelo meio uns vão ficando doentes do corpo, outros dementes da alma, outros falecendo, outros deslavando-se em lágrimas. E os anos passando. Ámen.

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Já agora, que nem de propósito, umas dicas para a malta da sacanagem do futebol

Comparando preço - Porta dos Fundos

NB: As criancinhas e os portadores de ouvidinhos sensíveis deverão mantê-los bem tapadinhos. Avisei.


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E que esta terça-feira seja um dia bom
Saúde. Ânimo. Alegria.

segunda-feira, novembro 22, 2021

Saudosista eu...? Ná...

 





Não tenho propriamente saudades. Tenho recordações. Saudades no sentido de querer voltar a viver, isso não tenho. Nem há nada que gostasse de voltar a viver para fazer o que na altura não fiz ou para repetir o momento. 

Se, agora que escrevo, tentar pensar em momentos bons que gostasse de reviver apenas me ocorrem instantes. Mas não seria bem reviver o que eu gostaria, seria mais estar de novo dentro daquele momento, agora que sei que aquele momento ficou retido no passado.

Por exemplo, eu teria uns catorze anos e houve uma gincana num fim de semana. Éramos pares e a prova incluía percurso de carro, depois eu saía e tinha que fazer tiro ao alvo, depois no carro aos esses, depois andar com um ovo numa colher, depois no carro a fazer peões. E o meu par, no carro, era um jovem bem mais velho que eu (na altura eu achava que ele era bem mais velho mas se calhar tinha uns vinte ou vinte e poucos) e eu achava-o um ás do volante e aquilo era muito renhido e nós estávamos empenhados em vencer e estava a correr-nos bem, eu entrava e saía do carro quase em andamento e era muito emocionante, ouvia gritar por nós e, no fim, ganhámos. E lembro-me de ter os cabelos compridos, soltos, e lembro-me que tinhas uns calções curtinhos e uma blusinha em azul turquesa com o desenho de malmequeres. E estava sol e eu lembro-me que, naquele instante, estava tão feliz e que pensei que ia sempre lembrar-me daquele momento.

Também me lembro do dia em que já era de noite, no inverno, os dias eram curtos, e estava um nevoeiro cerrado. Teria uns quinze ou dezasseis anos, estava sozinha, devia ter vindo daquela casa onde supostamente ir ter explicações mas em que, na realidade, ia pela tertúlia, pelo ambiente de liberdade e alguma clandestinidade que ali se vivia, e ia para a paragem de autocarro, apenas se viam vultos, eu estava um pouco assustada. E, então, um vulto cruzou-se comigo e disse o meu nome mas no diminutivo. E eu olhei e já não vi ninguém. E fiquei arrepiada, trémula, no frio e nevoeiro. E não me importava de voltar a estar ali para tentar perceber quem era aquele homem. Só por isso. E também pelo ambiente cinéfilo, um suspense materializado.

Lembro-me daqueles dias em Angola, tanto calor, tanta humidade, os meus cabelos fartos e compridos ao fim do dia sempre ainda mais pesados e húmidos. Ansiava pelo banho para poder limpar aquela humidade que se colava à pele e aos cabelos. Usava blusinhas cai-cai, quanto muito com uma fita que se atava atrás do pescoço. E ele -- que tinha um perfume que, na sua pele, se tornava afrodisíaco em contacto com aquele calor africano -- a olhar-me fixamente e a dizer que os meus ombros o deixavam maluco. E eu ria e dizia que ele tivesse juízo mas, lembro-me bem, o que eu queria mesmo é que ele não tivesse juízo nenhum. Ele tinha namorada em Portugal e eu também.  Talvez fosse bom voltar a esses dias. Mas seria só para observar melhor aqueles momentos em que, de verdade, senti o que era ser mulher e como era bom estar com um homem. Não quereria voltar a revivê-los nem daria largas à vontade forte que sentia de deixar correr sem qualquer preocupação pois sei que se isso tivesse acontecido talvez a minha vida tivesse seguido outro rumo e eu gosto muito do rumo que ela seguiu. Mas não me importava nada de nos ver naqueles longos e maravilhosos dias.

E lembro-me da manhã de um dia 10 de Dezembro, dia também húmido, Lisboa branca, envolta em neblina. O primeiro dia do resto da minha vida. Não queria reviver mas fotografá-lo, fotografar-nos, aos dois, envoltos num tule branco e molhado, naquele dia em que não conseguíamos parar a torrente de beijos nem separar-nos. Gostava de saber como nos viam aqueles que se cruzavam connosco porque nós não víamos nada, apenas tínhamos olhos e mãos e bocas um para o outro.

E, claro, lembro-me de mil instantes de mil ternuras, eu e os meus filhos, bebés, depois mais crescidos, depois adolescentes, depois adultos, depois a viverem as suas vidas, a terem os seus filhos, mil momentos de amor. Mas revivê-los não, apenas revê-los. Sonho é com os momentos que estão por vir.

Não sinto, pois, vontade de regressar ao passado para o reviver. Não. Só o futuro me interessa. Tenho é muita vontade de ser surpreendida pelos momentos que o acaso e a sorte têm para me oferecer. Que nunca me faltem os bons momentos para relembrar. Gostava de ter pela frente mais muitos mil instantes luminosos cintilando na minha memória.


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E que entrem as Avós da Razão para dizerem de sua justiça sobre o Saudosismo


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Fotografias feitas este domingo aqui em casa ao som de Autumn Leaves com o Chet Baker

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Desejo-vos uma semana feliz a começar já por esta segunda-feira

domingo, novembro 21, 2021

Estes hiperactivos que nos rodeiam

 


Bem. Dormi que nem uma pedra. Sono e cansaço à mistura com um relaxante muscular é cocktail dos bons. Devo ter dormido oito horas e tal sem interrupção. Acordei com uma boa disposição de dar gosto. O dia foi bom, tranquilo, parte em casa da minha mãe com a minha filha e sua trupe. E, claro está, a pequena fera.

Como não dormiu a sesta, o baby dog não esteve com as pilhas ao máximo. Ainda assim, pôs um dos meninos a choramingar, já sem saber como se ver livre dele, já assustado com a brincadeira que o maluco tem de mordiscar os pés. Felizmente o irmão foi em seu socorro. Ao princípio não percebemos e acho que a mãe ainda se zangou com ele. Só quando ele disse que o pequeno urso cabeludo estava a fazer bullying ao irmão é que reparámos. Não é por mal, é pura brincadeira, quer tirar-nos as meias, quer chamar a atenção, quer levar a dele avante. Como é teimoso e ainda bebé não percebe quando deve parar. Está-lhe na massa do sangue. A necessidade de muito exercício e a teimosia são características dos Serra de Aires. Isso e o serem muito inteligentes.

Mas, pronto, é o que é.

A minha mãe preparou o lanche do costume que faz com que os meninos, quaisquer que sejam, fiquem esfomeados mal poem o pé dentro de casa. Cheira a bolos, a crepes, a coisas boas. Tem uma vitalidade invejável a minha mãe. Faz um bolo de cenoura coberto de chocolate que é uma maravilha. E uns crepes que não lhe ficam atrás. Costuma fazer um creme de chocolate para barrar. Outras vezes faz também um doce de ovos que sabe a torta de Azeitão. Também me desforro. Um dia não são dias. Mas estou a comer aquelas gordices e a pensar como hei-de compensar. O pior é que tenho bom apetite, sou um bom garfo. 

Vai fazer um colete de malha, sem mangas, branquinho, para a minha filha. 

Anda sempre activa: aulas na univerdidade sénior, ginástica, fisioterapia, compras, tricots e crochet, leituras, tratar da casa, receber a família, fazer caminhadas. Queixa-se que não lhe sobra tempo para descansar. Por isso, está como está, jovem de espírito e, fisicamente, elegante e, salvo as coisecas da idade, de boa saúde. 

Quando chegámos a casa, como seria de esperar, o little baby bear caiu a dormir. Ficou na sala da lareira que foi onde aterrou. 

Quando acordou, largou a correr e entrou aqui na sala da televisão como um touro desembolado. O que ele para aqui fez nem sei explicar. Espalha-brasas, foguete canino. Hiperactivo.

Agora que escrevo isto, hiperactivo, lembrei-me do filho de uma rapariga que conheço. Ela é obesa. E quando digo obesa não quero dizer muito gorda. Não, quero mesmo dizer obesa. Gordura, se moderada, pode ser considerada formosura. Mas gordura excessiva, daquelas que sobrecarrega o coração e o esqueleto, não pode ser saudável. Já foi operada, salvo erro aquilo da banda gástrica, e ficou um pouco melhor. Mas acho que já voltou ao estado anterior. Uma bolinha. Quando vi as fotografias dos filhos percebi que eram umas amostras dela. Duas bolinhas em ponto pequeno. Uma vez vi-a com um saco com umas quantas embalagens de pão bimbo. Disse-me que os miúdos só comem desse pão, por ser fofinho e sem côdea. Disse-lhe que pão muito refinado não é lá grande coisa para miúdos. Disse que também acha mas que é o único pão que comem.

Uma vez vi-os ao vivo. Tinha levado para o lanche dos filhos: pacotes de sumo, pacotes de bolachas e de guloseimas. Voltei a alertar para o elevado poder calórico de tudo aquilo. A resposta foi a mesma: que quer que eu faça? já não sei que lhes dê, não querem outra coisa. 

Entretanto, o miúdo andava a tratar-se numa psicóloga por ser hiperactivo. Inclusivamente tomava a célebre ritalina. Quando ela me contava sobre o rebuliço que o miúdo causava quando estava na sala a ver televisão ou na sala de aulas, eu dizia-lhe: mas será que não tem a ver com comerem calorias a mais ou alimentos com cafeína? Ela dizia que não, que era dele. E vá de ritalina.

Não sou entendida e, se calhar, o problema da hiperactividade dos miúdos é coisa deles e nada a ver com o exagero que ingerem. 

Mas uma coisa é certa: não sei o que sentem os hiperactivos mas uma coisa deve ser certa: conviver com um ser hiperactivo é muito cansativa para os outros. Pelo menos nós dois, quando ao fim do dia o little baby bear desata a saltar, a querer atacar-nos, a pucxar almofadas, a fazer toda a espécie de disparates, ficamos a ponto de rifá-lo. Bem tento puxá-lo para o meu colo para ver se nos meus quentinhos se deixa contagiar pelo mimo. Mas é sol de pouca dura.

Mas ainda não consegui ser bem sucedida de forma sustentada. E, agora que ele já adormeceu, estou aqui só a cair para o lado. Portanto, assim sendo e nada mais havendo a acrescentar, o que eu estimo é o que eu desejo.

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E, já agora, por falar em hiperactividade, "Make 'Em Laugh" pelo hiperactivo  Donald O'Connor


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Desejo-vos um belo dia de domino