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quarta-feira, maio 03, 2023

Os testículos de António Costa, a bicicleta de Marcelo, o SIS, a não demissão de Galamba e a cabeça de Holofernes como compensação aos que tanto salivavam pela cabeça do homem do brinco

 

Há coisas que não percebo, que me parecem altamente questionáveis. Uma delas é uma pessoa com o CV do Frederico Pinheiro ter sido Adjunto de um Ministro. Não vejo no seu percurso nada que o qualifique para tal. Pelo contrário, imagino o sacrifício que gestores experientes e capazes tinham que fazer para lidar com gente com esta inexperiência e desconhecimento do mundo real. É que, do mundo real pelo qual ele passou, o que vejo é que foi empregado de mesa e vagamente jornalista do SOL ou do Record, coisa que, convenhamos, pode ser respeitável mas não é, certamente, um extraordinário cartão de visita para um Adjunto de um Ministro das Infraestruturas. Tirando isso, o que vejo é o percurso da malta que anda de curso em curso, começando na comunicação, passando pela política, investigando coisas de duvidoso interesse, e que assim anda, mestrando-se e doutorando-se e, en passant, assessorando estes e aqueles.

Isto, sim, parece-me muito questionável. Ele e todos os outros e outras que, sendo amigos do BE ou do PS ou do que for, e frequentando os corredores das intrigas partidárias, acabam compensados com lugares bem remunerados como adjuntos e assessores. 

E falo no BE pois é público que  quem deu a mão a Frederico Pinheiro para ele se introduzir nestes meios foi Ana Drago. Transcrevo:

(...) de janeiro de 2013 a março de 2014, tornou-se assessor de Política Económica e Financeira da Assembleia da República, sob o aval de Ana Drago. A deputada assinou uma carta de recomendação onde dizia ter convidado pessoalmente Frederico Pinheiro para trabalhar como colaborador do Bloco de Esquerda. 

Estamos falados.

Além disso, do que vejo, Frederico Pinheiro estava há uns anos naquelas funções de Adjunto de Ministro. Ou seja, trabalharia com Pedro Nuno Santos e terá sido herdado pelo Galamba.

Se agora, por quebra de confiança, Galamba o demitiu, nada a dizer. Terá feito bem. Não se pode ter um Adjunto em que não se confia. E, tal como já o disse, fosse eu ministra, alguma vez quereria ter um Adjunto com um CV como o deste Fred...? É que nem pouco mais ou menos. 

E nem quero saber do folhetim das notas, tretas que são milho para pardais. Falo apenas do CV do amigo 'pessoal' de Ana Drago (sic).

Mais. Ficou agora a saber-se, pela reação do dito Frederico, que emocionalmente não será muito maduro e que, quanto a sentido de Estado, tem sido a tristeza que se tem visto: despeja mensagens e mails para a comunicação social, levou (sem autorização) um computador do ministério com informação classificada, teve reacções violentas, etc. Portanto, face a isto, ainda mais razão há que dar a Galamba. Se o exonerou, se calhar o que há a censurar é que só tenha sido agora.

Volto a dizer que o que me preocupa nisto é, sobretudo, pensar que há gente deste calibre nos ministérios.

De resto, não percebo bem que 'culpas' se atribuem a Galamba. Não pode ser o brinco. Se ele tivesse um piercing num neurónio eu poderia ficar preocupada, talvez lhe afectasse o raciocínio. Agora um piercing na orelha não vejo que isso prejudique o seu trabalho.

Pelo contrário, não tenho ouvido dizer mal a quem tem lidado profissionalmente com ele, em especial quando estava na Energia.

No meio desta catadupa de suspeições e acusações, parece que agora se pede a cabeça dele por supostamente o Ministério ter contactado o SIS. Só que penso que as pessoas pensam que o SIS foi contactado para recuperar um computador roubado quando isso era caso para a PSP.

Ora tenho a dizer que eu, no lugar do Galamba, teria pensado e feito o mesmo que ele. Se um computador com informação classificada e sensível para o Estado está nas mãos de alguém ressabiado que foi demitido, então deve ser dado o alerta ao SIS. 

Se calhar as pessoas pensam que o SIS só deve ser alertado em caso de terrorismo ou coisa do género. Errado. Tanto quanto julgo saber, o SIS deve ser alertado sempre que esteja em causa zelar pelos interesses do País, nomeadamente quando se pensa que informação sensível pode ir parar a mãos que a usarão contra os interesses do país, seja em temas com contornos económicos, estratégicos ou outros.

Já participei em operações de venda de empresas. É sempre um tema sigiloso em que a informação tem que ser restrita e acessível apenas a quem é inequivocamente capaz de guardar segredo seja em que condições forem. Qualquer fuga indesejada de informação prejudica sempre quem vende.

Por exemplo, tendo o Frederico Pinheiro no computador o plano de reestruturação da TAP é certo e sabido que, se alguma informação transpira para os potenciais compradores, logo o que lá consta será sinónimo de um desconto. Se, por exemplo, lá consta que, para modernizar a empresa, se terá que investir 200 milhões de euros, logo qualquer comprador dirá que vai abater essa verba ao valor que ia oferecer. Branco é, galinha o põe.

Escusado será dizer que quaisquer empresas compradoras se 'pelam' por obter informações (e são conhecidas algumas práticas pouco recomendáveis para aliciar interessados em passar essas informações). 

É obrigação do SIS zelar por que os interesses do País sejam acautelados. Não nos esqueçamos que se o negócio correr mal (e não me refiro apenas ao preço de venda) é Portugal que ficará prejudicado. 

Portanto, quem anda por aí na maior histeria por o SIS ter sido alertado só pode ignorar isto.

De resto, gostei da intervenção de António Costa. O meu marido comentou: Tem tomates. Mas eu, que aqui escrevo, porque acho que, sendo ele Primeiro Ministro, devo ter algum tento na língua, digo apenas que acho que ele os tem no sítio, referindo-me naturalmente aos seus respeitáveis testículos.

Não se pode governar em função dos bugalhos desta vida nem dos jornalistas que, esquecidos que a sua missão é informar com isenção, resolveram todos saltar para a ribalta para tomar partido e para defender acerrimamente quem lhes dá na bolha, sem um pigo de racionalidade ou isenção. Não se pode governar indo atrás de bocas ou de humores. Há que ter os pés na terra e agir com objectividade. 

Gostei bastante do ouvir o Costa. Acho que tem coluna vertebral, que tem cabeça, que tem os pés na terra, que não vai em cantigas.

[Que eu gostaria que o Costa conseguisse arregimentar para o seu Governo gente de alto calibre como, no seu tempo, foram Álvaro Barreto ou Nobre da Costa, claro que sim. Mas duvido que, nos tempos de hoje, com a chusma de besouros venenosos e melgas palradoras que enxameiam a comunicação social, pessoas experientes e competentes largassem os seus empregos para se irem sujeitar à vida política de hoje em que meio mundo se acha no direito de enlamear quem ousa afirmar a sua vontade.

Curiosamente, há pouco, ao falar com o meu filho, pessoa competente, experiente e com um trabalho que o motiva, disse-lhe isto e perguntei-lhe se ele, por exemplo, aceitaria ir para ministro, ele disse-me que sim, Fiquei muito admirada. Percebi que gostava de servir o País. Contudo, acrescentou que, não estando ligado a nenhum partido e, portanto, sem ligação a qualquer aparelho, não seria recomendado e, portanto, não seria convidado. E que, portanto, a questão nem se põe.

Não sei se será assim mas, na volta, é mesmo. Não sei como funciona a selecção de nomes ministeriáveis mas, do que se tem visto, de facto António Costa não tem conseguido sair da bolha política do partido.

Mas isto é um tema geral, que transcende o Costa, que transcende o PS, que transcende o PSD. É uma questão de regime. E é um tema sério, basilar. Por isso, tenho falado que este assunto, sim, seria um tema que Marcelo deveria agarrar: como conseguir atrair para a política -- e para a governação, em particular --, gente séria,  experiente e competente?]

Mas, no tema em concreto do Galamba, nas actuais circunstâncias, percebo que António Costa tenha tomado a atitude corajosa que tomou, dando o peito às balas para seguir a sua consciência. Revela sentido de Estado, revela princípios, revela cabeça fria, revela coragem, revela liderança. É o que se espera de um Primeiro-Ministro.

Já o que não percebo é a reacção de Marcelo ao emitir uma Nota em que mostra publicamente o desacordo perante a posição de António Costa. Não percebo mesmo. E não gostei. Fiquei, até, incomodada. Todos os comentadores se agarrarão agora a isto, explorarão este publicitado desacordo ad nauseam. E isso não é saudável para a democracia. Parece-me uma reacção semelhante à do 'puto' Fred que, fulo por ter sido demitido, invadiu o ministério, roubou o computador e, segundo li nas notícias, atirou a bicicleta contra as portas de vidros. 

Falta a Marcelo o que Costa revelou na sua intervenção. Marcelo -- que já se tinha esticado ao deixar que anunciassem publicamente o seu pedido de demissão do Galamba e que tem andado a atear a fogueira da dissolução para gáudio das mediáticas marabuntas --, escusava de ter-se exposto ainda mais com esta Nota. Diminuiu-se publicamente.

Espero que reconsidere e se reposicione pois, em minha opinião, com esta Nota, qual bicicleta atirada contra os vidros de São Bento, prestou um mau serviço ao País (e desgastou, ainda mais, a sua imagem).

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Para os que se sentiram defraudados por Costa não nos ter servido a cabeça do Galamba, para ver se se acalmam, junto várias pinturas que mostram Judite com a cabeça de Holofernes na mão. 

Menina mais castigadora que só visto...! Estava mesmo bem como comentadeira, esta Judite. Era ela e a Moura Guedes. Olha que duas.

(NB: O Holofernes é barbudo e não tem brinco, lamento, mas é o que se arranja).

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Um bom dia

Saúde. Tino. Paz.

quinta-feira, dezembro 06, 2018

Caravaggio alive


Gostos não se discutem, P., é certo. Mas não são exclusivos. Gosto de Paula Rego, tal como gosto de Graça Morais ou Júlio Pomar, tal como de Matisse, Gauguin, Van Gogh, Chagall e, sim, também de Caravaggio. 

Penso que já aqui o referi. Quando vi uma exposição de Caravaggio quase fiquei tolhida pela emoção. Aqueles seres ali retratados pareciam ter vida, pareciam ter aquele sarro, aquela sujidade nas unhas e restos de má vida que se imagina que, na realidade, aquelas pessoas tivessem. Gosto de pintura abstracta mas, se ela nos mostra figuras humanas, então as telas devem impressionar-nos. E as de Caravaggio impressionaram-me muito. Já as conhecia de as ver em livros ou em documentários, nem sei se alguma em algum museu. Mas uma exposição inteira com obras dele, estar perto daquela vida tão carnal, encheu-me de emoção. Há obras ou exposições que nos marcam de forma indelével.

Uma emoção assim, quase paralisante, também a senti perante uma pintura de Rothko. Ou perante um pano de boca de cena de Chagall. 

O Leitor P., a quem muuuuuiiito agradeço, enviou-me o vídeo que aqui partilho convosco e é impressionante.

Caravaggio living paintings by Ludovica Rambelli Theater 



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Para tirar teimas: 79 obras de Caravaggio



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quarta-feira, dezembro 14, 2016

Vagas topologias





Na noite de segunda para terça-feira deitei-me sem estar perdida de sono o que significa que, como sempre que isso acontece, não adormeci de súbito e, portanto, espertei. O tempo a passar e eu a ver que já não tinha tempo de dormir. Por fim, adormeci para logo depois acordar, com medo de que o telemóvel não despertasse. Ou seja, praticamente não dormi.

Quando saí de casa, noite fechada, estava um nevoeiro cerrado, tudo molhado, parecia chover tanta a humidade. A música na rádio era boa e conduzir de noite, sem ninguém mais nas ruas, é bom. 

Contudo, como tinha hora marcada para me encontrar com o colega com quem faria grande parte da viagem, estava com medo de me atrasar. Mal se podia andar, mal se via. Cheguei ao pé dele em cima da hora, ainda de noite.

Nevoeiro pelo caminho. A reunião, a centenas de quilómetros, começava às dez mas, apesar de tudo, como damos folga para todos os imprevistos, chegámos antes. Beijos e abraços, há algum tempo que não via algumas das pessoas. Mais tarde, a seguir ao almoço, veria algumas pessoas pela primeira vez.


Cheguei a casa cedo, antes das oito da noite. Mas estava num tal estado que me deitei no sofá e adormeci profundamente. Despertei cerca de meia hora depois, o meu marido já ao pé de mim, mas eu ainda a precisar de dormir mais. A custo, lá consegui acordar. Passado um bocado, chamou-me para jantar. Quando ia começar, ligou-me a minha filha, admirada por eu não lhe ter ligado. 

Depois de jantar, ligou-me o meu filho. 

Sentei-me agora aqui mas estou com pouca energia. Não é pelo dia, que não foi cansativo, é pela noite passada, não dormida.

Ao começar a escrever pensei que podia fazer dez posts diferentes. Talvez uma credível materialização da topologia possa ser qualquer coisa como esta: uma pessoa passar o dia num sítio e viver ou antever situações tão díspares e de natureza tão distinta que pode parecer que não se tocam, que não aconteceram no mesmo espaço/tempo, como se dentro dele coexistissem diferentes dimensões, realidades que não se intersectam. Uma realidade imaterial de contornos difusos que se desdobra noutras que não se reconhecem entre si.


A dada altura, de tarde, emocionei-me. Disfarcei. Nessa altura, vi um outro também emocionado, identicamente a disfarçar. Ao mesmo tempo, outras pessoas riam abertamente e quase todos batiam palmas, incluindo eu.

Noutra altura, enquanto ao meu lado ouvia conversas sobre negócios em geografias remotas ou projectos inovadores e sustentáveis, actividades com ebitdas periclitantes e outras mais seguras, mantinha eu uma conversa com uma pessoa, magra, cansada, que tem a mãe com Alzeihmer, que já apenas a conhece a ela, dando-lhe, por isso, a responsabilidade adicional de, todos os dias, dê por onde der e custe-lhe o que custar, ir vê-la para que a mãe veja alguém que consiga reconhecer.

Pelo meio, recebo mails e sms e respondo e participo e interesso-me. Mas a verdade é que, frequentemente, sinto a necessidade de me deslocar para as silenciosas e benignas pregas do espaço/tempo onde reconheço traços de humanidade ou onde me parece que as coisas verdadeiramente acontecem.


Não quero nem posso cometer indiscrições pelo que nada posso contar. Mas direi que me aconteceu, como tantas vezes me acontece, sentir um distanciamento que me leva a ver coisas que mais ninguém parece ver.

Quando na viagem de regresso, vimos os dois a comentar o que se passou, muitas vezes parece que estivemos em lugares distintos.

Depois conversamos sobre séries ou filmes, sobre gente conhecida, sobre lugares bons para se passear, sobre a família. De vez em quando dá-me sono, sinto que, se fechar os olhos, adormecerei. Não fecho, prefiro vir acordada e fazer companhia a quem vem a conduzir, tão cansado como eu.

Agora na televisão vejo que Mário Soares, o velho leão, está sem forças. Tenho pena. Mas de nada serve acreditar que a eternidade está ao alcance dos mortais. Não está. Somos frágeis, perecíveis. Sobrevive-nos a memória que de nós conservarão os que um dia nos amaram. Para uma minoria, para os que têm a sorte de ser tocados pelo sopro divino, sobrevive a sua obra. 

Hoje foi a enterrar o irmão de um amigo meu, mais novo que ele, alguém de quem tanto ouvi falar ao longo de anos. Pelo que o meu amigo contava, parecia que o irmão tinha uma vida que jorrava de uma fonte inesgotável. Afinal esgotou-se. Imagino a tristeza do meu amigo. E eu não pude ir dar-lhe um abraço.


Tudo tão relativo, tão frágil. Tudo tão precário.

É um lugar comum, mais do que comum, dizer que não vale a pena gastarmos um minuto da nossa vida com azedumes, a aborrecer os outros ou a deixarmo-nos entristecer com a maldade alheia. Eu tento não fazer mal a ninguém e tento perdoar a todos os que, talvez até involuntariamente, me fazem mal. Nem sempre é fácil. Mas tento. Sabemos lá nós o que a vida guarda para nós...? Não quero desperdiçar um segundo da minha vida com o coração envolto em tristeza, e tomara eu conseguir levar a alegria da generosidade àqueles que parece que têm o coração fechado.

Mas também não era sobre nada disto que eu queria falar. Aliás, não queria falar de nada. Sabe-me bem estar aqui na sala quase às escuras, a escrever sem assunto, alheada de tudo, a ouvir música, em paz.

No outro dia, para acomodar na sala, nomeadamente neste sofá, as numerosas claques que vieram para o futebol, todos os livros que por aqui andavam, foram para outras paragens. E eu gosto de, no meio das palavras que escrevo, de vez em quando abrir um livro e ler o que o acaso me mostra. Agora não os tenho perto de mim. Podia ir buscá-los mas estou assim como me vêem, sem grande energia. Então, abro blogues. Abro ao acaso. Leio palavras limpas, outras imprevistas, outras talvez pensadas, umas talvez com destinatário, outras não, palavras soltas como pássaros livres, num lago, num bosque, voando ou vagueando sem pressa. Ou como flores, quase sem corpo, quase só alma. Ou com saudades. Ou apenas tingidas pelo vazio.


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Todos os dias recebo vários mails. Não consigo responder a todos mas leio-os. Posso não agradecer mas saibam que me sinto agradecida.

Hoje tinha um com um vídeo que, há uns anos, já tinha visto mas que revi com prazer, talvez mais ainda agora do que na primeira vez.

Partilho-o convosco. Parece que as palavras que neste momento estou a escutar de novo me tocam de uma forma especial.

Dignidade e elegância. A importância dos acasos. A beleza da generosidade. As diferentes dimensões da gratidão.

Discurso de Leonard Cohen ao aceitar o Prémio Príncipe das Asturias.




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E dançar no meio da noite.

Beleza e paixão. A pele e o corpo. O toque.

E a tragédia dos fins que não se desejam. O adeus. O sangue sem fim, o lamento sem voz. 

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Aqui já acima, The Borodin Quintet & Alexander Buzlov (violoncelo) interpreta o Adagio do Quinteto de Cordas de Franz Schubert. Polina Semionova e Vladimir Malakhov dançam-no segundo a coreografia Caravaggio de Mauro Bigonzetti¨.

Lá em cima Camille Thomas interpreta El Cants Dells Occels de Casals.

As fotografias são de Zsolt Kudich um dos vencedores do The 2016 National Geographic Nature Photographer Of The Year.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quarta-feira.
Saúde, sorte, afecto, alegria -- para todos.


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segunda-feira, setembro 19, 2016

O que viam os que não viam. Maria Theresia von Paradis e Jorge Luis Borges.
O que viam os que viam todas as cores. Monet e Bukowski.
E um improvável encontro. Polina Semionova, Vladimir Malakhov, Bjork e Caravaggio





Finalmente a aceitar que estou de volta aos dias normais, a mala desfeita, a roupa arrumada, outra a lavar, a sopa feita, escolhida a toilette para a rentrée, as coisas no sítio e os livros amontoados ali a olharem para mim, fazendo-me sentir em porto seguro, em paz comigo e com o mundo, sento-me aqui e de tal forma estou em estado zen que não faço ideia do que hei-de escrever.

Na cozinha, um mistério. Ouve-se um grilo. Se estivessemos no campo seria natural. Aqui é inédito. Já o procurámos e não o descobrimos. Como chegou ele até cá, não sabemos. Terá vindo com os figos?

Parece que estou num hiato, suspensa entre dois mundos. 

Acabei de receber um mail de trabalho. Alguém diz que sabe que estou a regressar de férias e quer lembrar-me um assunto. A minha primeira reacção foi enviar-lhe uma resposta torta. Mas depois deu-me vontade de rir. A isto chama-se não brincar em serviço e já me apetece é enviar um mail irónico. Mas nem para isso agora tenho disposição. Amanhã logo vejo o que lhe digo até porque o interesse em falar com ele também é meu. Mas é quando estiver a trabalhar, não na véspera em que ainda estou aqui a ambientar-me à ideia.

Entretanto, a minha mente vagueia por um mundo suave, habitado por música, cores, flores, águas refletindo imagens gentis, palavras inteligentes e irónicas, vozes que me dizem poemas, corpos que se envolvem entre cores, evocações, acordes e uma voz que canta -- e não consigo preocupar-me em encontrar coerência entre o que me ocorre. Tomara que não haja. Ou que seja tão secreta que ninguém a descubra.

E penso, mas com leveza. Quase como num sonho bom penso, sobretudo, naqueles a quem quero bem. Quero que estejam bem. Gosto de os saber bem. Gostava que estivessem sempre bem. 

Não consigo pensar em frases muito elaboradas ou em raciocínios bem desenhados para agora aqui escrever.

De propósito, nem espreito as notícias não vá alguma despertar-me deste estado de doce encantamento em que me encontro, ouvindo melódicos acordes ou a voz rouca e pesada que diz poesia. Gostava que todos os dias fossem dias bons para todos.


Frases de Borges 
(algumas de entre algumas desconcertantes)


A gente publica para não passar a vida corrigindo o que escreve. A verdade é que se publica para se libertar do livro e pensar em outro. Quanto a mim, reli muito pouco do que escrevi. Ainda que de vez em quando me releiam passagens do que escrevi e às vezes elas me agradam. E digo: de onde tirei tudo isto? Na certa deve ser plágio, porque é bom.

Não releio, esqueço facilmente, mas tudo o que publico supõe dez ou doze versões, sendo que a última acrescendo um descuido evidente para que pareça espontâneo.

Não sou modesto, apenas fico assombrado por ser conhecido. Deixei de ser um homem invisível aos cinquenta anos, e pode-se descobrir a qualquer momento que sou um impostor.

Ulisses: não foi escrito para ser lido, foi escrito para alguma coisa muito superior, foi escrito para que o autor ficasse famoso, fosse analisado, figurasse na história da literatura.

O aborrecimento é mais terrível do que a violência.

Todos falam dos supostos benefícios que a saúde traz ao indivíduo, mas eu acho que a saúde é um estado precário que não pressagia nada de bom.

Ironia: uma coisa que aprecio e reconheço, e de que sou totalmente incapaz.






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Lá em cima, no violoncelo, Lynn Harrell interpreta de Maria Theresia von Paradis a Sicilienne

As imagens mostram pinturas de Claude Monet.

Encontrei as frases de Borges na Revista Bula

Tom O'Bedlam diz Roll the Dice de Charles Bukowski

Polina Semionova e Vladimir Malakhov dançam Caravaggio coreografado por Mauro Bigonzetti, aqui ao som de Prayer Of The Heart numa interpretação de Bjork

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quinta-feira, agosto 25, 2016

"Italianos com 18 anos recebem 500 euros para cultura"
- Isto, sim, é uma medida estruturante que eleva o nível intelectual de um país para um outro patamar







Se há medidas que eu acho que moldam o desenvolvimento de um país, que o tornam mais competitivo, mais rico, mais forte e coeso são as que se relacionam com o ensino, o fomento da capacidade de estudar, de investigar e de ousar inovar, e a defesa intransigente da cultura e de uma visão abrangente e inteligente de tudo o que são valores ou recursos culturais.

Não vejo estas medidas como um custo mas como um investimento. E um investimento de alto e rápido retorno.

Agora -- já aqui aboletada no meu sofá mágico, fresquinho como uma suave barca, apanhando de feição a aragem da noite -- ao folhear os onlines, deparei como uma notícia no DN que instantaneamente me fez ficar rodeada de estrelas. Estrelas virtuais, claro, mas igualmente luminosas e felizes.

Transcrevo, fazendo votos para que Portugal adopte esta ou outra medida semelhante:




Era uma promessa eleitoral de Renzi que, soube-se hoje, começa a tomar forma. 


Foi aprovado o "abono da cultura", isto é, 500 euros que podem ser usados pelos jovens italianos (ou com visto de residência) em atividades e produtos culturais.


Não se trata de um cheque passado em mão a todos os jovens nascidos em 1998, mas de uma aplicação que se descarrega nos telefones móveis, chamada 18app. Uma vez registados, os jovens começa a ter acesso a este plafond. 


O sistema entra em funcionamento no próximo dia 15 de setembro, coincidindo com o regresso às aulas, e é válido até 31 de dezembro de 2017.


Com este fundo de maneio, os jovens poderão aceder a museus, parques arqueológicos, teatros, cinemas, concertos, exposições, mas também livros, segundo o ministério dos Bens Culturais italiano, promotor da iniciativa e, ao mesmo tempo, responsável pela escolha das propostas culturais que farão parte deste pacote.

Dados divulgados pelo ministério da Cultura italiano, a iniciativa deverá abranger 574 593 jovens e corresponde a um investimento de 290 milhões de euros que sairão dos cofres do governo.

O investimento "envia uma mensagem clara: o de uma comunidade que dá as boas-vindas à idade adulta recordando o importante que é o consumo da cultura para o enriquecimento pessoal e para fortalecer o tecido social do país", disse o subsecretário do Conselho de Ministros, Tommaso Nannicini.

No próximo ano, o governo de Matteo Renzi pretende alargar a proposta a todos os professores.


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Ao som do Va pensiero da ópera Nabucco de Verdi (1842), aqui interpretado por Pavarotti e Zucchero, para exemplificar de forma rápida a forma como a cultura abre as mentes para a diversidade e para a aceitação de diferentes visões sobre a mesma realidade, apeteceu-me mostrar o mesmo S. João Baptista respectivamente por:
  • Leonardo da Vinci 1513
  • Caravaggio, 1602
  • Giovanni Francesco Guercino (Barbieri), ~1645
E porque a defesa da cultura nacional não deve ser encarada de forma chauvinista, o mesmo S. João Baptista mas agora segundo um francês
  • Rodin, 1878–1880
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Por isso, alô, alô Tim Tim no Tibete!
Siga o bom exemplo de Renzi e ponha os nossos jovens a apaixonarem-se pela nossa cultura, va bene?

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma saudável, sortuda e alegre quinta-feira.

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quarta-feira, fevereiro 17, 2016

Horácio e Ligurino, o seu último amor
-- chegam pela mão de mestre Rabelais


Dante e Virgilio no Inferno de William-Adolphe Bouguereau (1850)


Quintus Horatius Flaccus (65 BC – 8 BC)

Horácio, o grande autor das Odes, o panegirista de Domiciano, o poeta predilecto do erudito Mr. Walkenaer, que foi o seu melhor biógrafo, o apaixonado amante da bela Gynara, da voluptuosa Lyce, da sedutora Cloé e da irresistível Glycere, havia terminado as suas aventuras amorosas nos braços da lânguida Lyde.

O inspirado poeta sentia-se exausto por uma existência eivada de orgias e prazeres. Os seus cabelos estavam brancos, os lábios descorados, a tez macilenta, o olhar amortecido, e todo o sistema nervoso cansado e gasto por aqueles excessos voluptuosos duma vida desregrada e sensual, deslizada desde a mocidade nos seios brancos e tépidos das mais belas cortesãs romanas.

O seu estro havia cantado todos os gozos e todos os prazeres, todas as sensualidades e deboches, todas as mulheres formosas e atraentes, todos os desregramentos e voluptuosas loucuras.

Desenho de modelo masculino de
William-Adolphe Bouguereau
Desiludido do mundo e das mulheres, farto duma vida repleta de gozos e licenciosidades, o grande poeta, não se podendo substituir à influência desmoralizadora dos costumes do seu século e dominado por uma alta fantasia luxuriosa, apaixonou-se loucamente por Ligurino, jovem efeminado, igual a tantos outros que quase levaram a Roma o esquecimento dos homens pelo belo sexo.

Rapaz com cesto de fruta
de Caravaggio 
Contando apenas xx* anos, Ligurino era o protótipo do homem-mulher, na mais completa acepção deste classificativo termo.

Bem fornido de carnes muito alvas e rosadas, macias e flexíveis, completamente desprovidas de cabelo, arrancado pelos maravilhosos segredos das desconhecidas pomadas depilatórias geralmente usadas entre os romanos, de olhar sensual e terno, lábios vermelhos e húmidos como os de uma mulher bonita, dotado de um temperamento mais espontâneo e lascivo que o de Messalina, este exótico tipo de homem-mulher, sensível aos beijos e às carícias, tendo toda a doce voluptuosidade duma cortesã emérita, constituiu a última depravação do notabilíssimo poeta.

Horácio sentia-se morrer lentamente nos braços lascivos do belo mignon, a sua lira enodoava-se, assim como as suas cãs, com aquele amor repugnante e torpe, mas o ânimo do poeta, prevertido e sensual, extasiava-se na luxúria febricitante que lhe proporcionava aquele debochado indigno.

Esquecido das suas belas tradições apaixonadas com as mais encantadoras cortesãs romanas, olvidando as suas odes, em que tinha cantado os seus amores e as suas vitórias, esquecendo a fama gloriosa que lhe circundava o nome, o velho poeta votou os últimos anos àquela paixão libidinosa e excitante que o acompanhou ao túmulo.


Vamos pois contemplar por um momento o grande poeta romano num dos seus opíparos banquetes, em que a sensualidade tinha à mesa o lugar de honra, e ele alardeava, sem pejo dos homens e das mulheres, a paixão devoradora que alimentava pelo seu amante!

(Tony Curtis e Laurence Olivier)
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Omito a idade xx* referida no conto Ligurino não porque tenha apetências censórias mas para que não venham para aí dizer que aqui se faz a apologia de práticas pouco recomendáveis.

Tal como nos contos anteriores, não vou poder transcrever todo o conto, fiquei-me pelo início. O dito pode ser lido no livrinho que aqui tenho vindo a referir, Aventuras Galantes. De referir que na Fnac aparece erradamente na estante da literatura traduzida - ora este Rabelais não é o outro, o François, este, tal como antes já referi, é o nosso, Alfredo Gallis de seu verdadeiro nome.

Lá em cima Stefano Dionisi interpreta Farinelli (no filme homónimo) mas a voz que se ouve não é a dele mas a mistura de duas: da soprano Ewa Malas-Godlewska e da contratenor Derek Lee Ragin. A voz que resulta pretende ser a de um castrati.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira.

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terça-feira, março 03, 2015

O que é a arte? O que é a beleza? - que questões difíceis me coloca, Rosa Pinto. A verdade é que não lhe sei dizer, posso apenas falar de algumas coisas de que gosto.


Eu não sei o que é arte nem sei o que é belo. Sei apenas o que me toca e, então, eu não sei explicar porquê. O que a mim me parece belo muitas vezes não o é aos olhos de outras pessoas. Não sei o que é mas sei o que não pode ser: não pode ser perfeito. Não gosto do excesso de perfeição. A perfeição absoluta atinge-se com muito esforço, com depuração, com a perda da espontaneidade, e esse esforço, essa depuração, a mim parece-me quase um ornamento e eu não gosto muito de ornamentos. 

Quando eu fazia tapetes de Arraiolos, aquelas complicadas réplicas de tapetes do século XVII que aqui tenho em casa, eu bordava com todo o preceito. Os mais exigentes, ao verem os tapetes, viravam-nos logo porque pelo avesso é que se vê se é um verdadeiro Arraiolos e nunca encontraram defeito nos meus, eram perfeitos. Milhares de pontos e nem um ponto em falso. E, no entanto, não há um único tapete em que eu não tenha deliberadamente trocado um ponto. Tinha que ter um pequeno toque de imperfeição senão não seria meu.

Às pessoas de feições muito perfeitas eu acho monótonas. Às pessoas muito bem comportadas eu acho umas chatas.

Da mesma forma, aquilo que eu acho belo ou que me toca como sendo arte tem que conter assimetria, desconcerto, desequilíbrio, tem que haver algures o chamamento para o abismo.




Emocionei-me uma vez perante uma grande tela de Caravaggio e talvez o que mais me tenha impressionado tenha sido a sujidade das mãos, das unhas. Ou o ar de deboche e de noites mal dormidas dos rapazes que ele pintava.




Ou o excesso de injustificação que existe nas telas de Rothko. A vontade de me misturar nas cores sem motivo, de me perder no azul, de me incendiar com os encarnados cheios de luz. Ou os encarnados densos, sombrios, contendo a perdição da noite mais profunda. Ou o nada banhado de cor, a oração mais sentida.







Ou cavalos azuis. Gosto de cavalos azuis cruzando os espaços que habito, sonho que atravessam a noite transportando sonhos, ouço-os passar sedosos, silenciosos, apenas a sua corrida deixando um rasto de corpos suados no ar. De manhã encontro-os em repouso, passeando tranquilos entre caminhos onde o alecrim floresce.




Ou corpos nus que dançam em roda, e a música une o sangue que neles corre e o coração une-se para que a dança em roda se feche como um anel o desejo que os percorre. E junto-me a eles e festejo os perfumes suaves e o som dos pássaros e o prazer que o meu corpo sente quando dança ou quando vê outros corpos livres, elevando-se em desequilíbrio até onde os deuses permitem.







Na escultura também procuro o imprevisto, a imperfeição dos corpos. Ou a ausência de explicação, o desenho da luz, as sombras, os corpos abandonados, os corpos sem forma, ou a erosão do tempo.

Na música eu gosto do que me transporta nem sei para onde, para o desconhecido, porque o que me atrai é o que não conheço. Ou melodias que me embalem. Ou que me tirem para dançar, ou que me levem até às portas de jardins cheios de perigo.

E na escrita eu gosto que as palavras tenham vida própria e criem histórias impossíveis, teias imprevisíveis onde os corpos não escondam a carne, onde os olhos não escondam as lágrimas, onde os corpos não escondam o riso e o voo, onde os sexos não tenham pudor nem limites. E gosto de cartas e de diários e gosto de sentir que está ali a essência de quem os escreveu, sem véus, sem rodeios. Ou subtilezas que mal se percebam. Ou confissões pagãs, ou segredos sagrados ou a semente da loucura.

E gosto da leveza da poesia. Ou do peso esmagador da poesia. Ou da música da poesia. Ou do sangue quente da poesia. Ou do brilho ardente que se esvai do coração dos apaixonados e se transforma em poesia. Ou das cinzas e sombras que se ocultam na poesia. Ou da terra fértil e húmida que cheira a poesia.




E nas flores eu gosto que elas nasçam e vivam por si, selvagens, livres, delicadas, efémeras. Perfeitas e imperfeitas como o amor, como as palavras não ditas, como o desassossego que se adivinha.




E nas árvores eu gosto de tudo. Do tronco que fica mais largo como o corpo de uma mulher que amadurece, da pele que se solta como memórias perdidas, de como se enlaça em flores e alegrias, dos cheiros que se misturam como seivas, espermas, salivas, beijos.




E na fotografia eu gosto do que não é óbvio, do que se adivinha por detrás do olhar de quem fotografou e gosto de sentir a aragem que fazia flutuar a flor ou o silêncio que envolvia uma orquídea na escuridão, ou um rasgo numa parede ou na pele de um homem.

E...

E podia continuar e estaria de gosto. Ainda não falei de arquitectura, por exemplo. Ainda não falei da representação. Mas a noite já envolve as minhas palavras e eu tenho que me ficar por aqui.




Vou sonhar que sou uma mulher feliz, mergulhada em espantos azuis e vou ouvir o canto dos pássaros e a música do vento nas ramagens e vou esperar que passem os cavalos azuis para eu me misturar com eles e partir à descoberta dos mistérios da noite.

Mulheres correndo, correndo pela noite.
O som de mulheres correndo, lembradas, correndo
como éguas abertas, como sonoras
corredores magnólias.
Mulheres pela noite dentro levando nas patas
grandiosos lenços brancos.
Correndo com lenços muito vivos nas patas
pela noite dentro.

[Herberto Helder]

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Permitam que vos convide a visitar o meu Ginjal e Lisboa. Hoje tentei redimir-me da minha ausência por lá: 

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Por aqui tenho tanto sono que já nem consigo colocar legendas nas imagens. As minhas desculpas.

E permitam ainda que vos convide também a descer até ao post seguinte onde dedico uma música ao láparo: A mula da cooperativa. Ai és tão linda.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça-feira.

quarta-feira, dezembro 31, 2014

Isto é para si aí, longe, e, no entanto, tão próximo de mim. Não quero acabar 2014 nem aproximar-me de 2015 com palavras de pesar ou mágoa. Quero entrar em 2015 cercada de beleza e na vossa companhia.


No post abaixo falei ao de leve naquilo sobre o qual não queria debruçar-me: o BES. A televisão estava a transmitir as gravações do Conselho Superior do GES e, sem querer, dei por mim a ouvir parte da conversa entre aquelas vozes nuas, geladas de angústia. E, mais do que atentar na aflição que transparecia, senti vergonha por estar a ouvir conversas que deveriam ter permanecido reservadas. Quem pegou nas gravações e as ofereceu ou vendeu portou-se como um traidor e isso eu acho uma imperdoável baixeza moral, lama que parece alastrar sobre a frágil sociedade portuguesa.

Mas, enfim, disso falo no post seguinte.

Aqui, agora, a conversa é outra.

Vamos com música, se estiverem de acordo.







E que prossigam os momentos de beleza porque, apesar da compaixão que me merecem os que sofrem e aqueles que vêem sofrem pelos que amam, o ano não pode resumir-se aos que sucumbiram às garras da má sorte, aos que se viram destroçados ou aprisionados, aos que pereceram numa maca de um hospital sobrelotado como cães abandonados numa qualquer escura vereda, ou às estatísticas dos que morreram na estrada, ou aos que, em geral morreram em 2014 (por muita falta que todos os que partiram façam aos que ficaram), nem às falências, às guerras, conflitos, catástrofes naturais, forces majeures, acts of god.

No outro dia ouvi o director do DN, o respeitável André Macedo, a dizer que nesta altura do ano não há notícias pelo que as más notícias são boas notícias para os meios de comunicação social. E, de facto, por esta altura parece que, para consolo dos jornalistas, uma qualquer força centrípeta afasta da superfície da terra aviões e navios que desaparecem ou se incendeiam, ou tsunamis, tremores de terra, vagas de frio, cheias que tudo arrastam, coisas que devoram vidas sem dó nem piedade.

Mas se disso se ocupam ad nauseam os noticiários, não preciso de trazer esses temas para aqui. Não eu.




É que há o que não é notícia.

O que é belo não é notícia. As palavras cuidadosamente cerzidas na intimidade da noite ou ditadas por insones deuses, os acordes experimentados no silêncio dos sonhos, os gestos transformados em cor, os sorrisos e os movimentos fixados em imagens como se o tempo parasse para eternizar o momento, a liberdade dos corpos enquanto anjos de longas e esguias asas, as luminosas descobertas alcançadas depois de horas de intermináveis insucessos, as vozes que atravessam os imensos espaços com a intemporal poesia - nada disso é notícia ou, se o é, dirige-se a minorias. E, no entanto, nisso deveria estar a tónica, nisso e não no fracasso, nos aparentes e efémeros sucessos, na malvadez emergente, na doença sem dono, na morte, no fim da linha.


Tantas vezes aqui tenho vontade de me atirar aos chacais que invadem as ruas, às hienas que riem rodeadas de carniça, aos papagaios que repetem mentiras e ampliam perfídias. Muitas vezes cedo e nisso me desgasto como se das minhas denúncias e revoltas pudesse resultar alguma clarificação. Mas, quando me detenho, acho inútil. Pior: acho que faço mal. Melhor fora que desprezasse os que vivem do lado nefasto da vida e me entregasse ao louvor do que é belo e bom.




E me deixasse estar a escrever. Ou a transcrever as palavras lisas como elegantes linhas. Assim, por exemplo:

Escrevo como se corresse num jardim, ou num deserto iluminado de areias ____

____ escrevo
para que o romance não morra.
Escrevo, para que continue,
mesmo se, para tal, tenha de mudar de forma,
mesmo que se chegue a duvidar se ainda é ele,
mesmo que o faça atravessar territórios desconhecidos,
mesmo que o leve a contemplar paisagens que lhe são tão difíceis
de nomear


Sento-me num tronco nos limites da clareira, fechando os meus olhos fitos no seu centro, deixando que tudo corra, mesmo na sua imobilidade. E dou-me conta de que corre uma aragem pelas árvores da clareira, tal como um murmúrio, que me suscita a palavra murmuragem. A murmuragem das copas das árvores, como digo a murmuragem que sou.

o encontro inesperado do diverso
é assistir ao belo a comunicar com o silêncio;
a fraccionar a imagem nas suas diversas formas;
ajudá-las a levantar o véu para que se mostrem mutuamente
na beleza própria




era uma noite no meio da lavoura
e da tarde

amorosa como um punho fechado
amena como um estudo de noite.

era uma correnteza de aves fundas
a constituir família.
a palavra era branca como só o branco
e o molde dos insectos era branco como ela
o sangue no tear era branco como ela
o pão escuro o homem pela sombra
era branco como ela.

ela e ele brancos como só a palavra.




E tanta a beleza quando os corpos se entregam ao voo e ao aconchego do corpo do outro.


 

___


E tanta a beleza quando as palavras nos chegam dirigidas a nós e nós, de coração, as entregamos àqueles que tão generosamente nos visitam.




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-  A música no início era Anna Prohaska interpretando 'Der Vollmond strahlt auf Bergeshöhn' (de 'Rosamunde', Franz Schubert), com Eric Schneider no piano

-  As fotografias retratam a beleza quase irreal de plantações de arroz e foram obtidas aqui.

-  O primeiro conjunto de poemas/palavras em itálico pertence a Maria Gabriela Llansol e foram extraídos do belo livro 'O encontro inesperado do diverso' com Ilda David e Duarte Belo

-  O segundo conjunto de poemas (2) pertence a 'Marsupial', um livro de Catarina Nunes de Almeida

-  A pintura é de Caravaggio (1602): A Sagrada Família com S. João Baptista

- O bailado mostra Polina Semionova e Vladimir Malakhov em CARAVAGGIO numa coreografia de Mauro Bigonzetti ao som de Prayer Of The Heart de John Tavener numa interpretação de Bjork.

-  Os poemas ditos pelo talentoso Benedict Cumberbatch, senhor de uma voz maravilhosa, são Words for You:
1. The Seven Ages Of Man (também conhecido por The World's A Stage) da peça As You Like It de William Shakespeare
2. Jabberwocky de Lewis Carroll
3. Divine Comedy de Dante Alighieri
4. Ode To A Nightingale de John Keats
5. Kubla Khan de Samuel Taylor Coleridge
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Permitam que relembre: sobre as gravações dos membros da família Espírito Santo e sobre a decadência moral mais do que financeira que rodeia tudo isto, falo no post já a seguir a este.

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E o que vos desejo, meus queridos Leitores, é o mesmo que desejo para mim e para os meus: que 2015 nos deixe crescer, nos deixe ter esperança, nos dê razões para nos sentirmos felizes e que nos deixe espaço para apreciarmos toda a beleza que nos rodeia.


E, claro está, também saúde, sorte e desafogo financeiro. 
E afecto seja lá de que forma for e venha ele de onde vier. 
E que nos vamos encontrando por aqui.

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domingo, agosto 18, 2013

Já que a Anabela Mota Ribeiro não me faz o Questionário Proust, faço-o eu a mim própria. Quer não tem cão, caça com gato. [Mas, depois de ter respondido a tanta pergunta, tenho a dizer que acho isto uma coisa mesmo chata. E será que, depois deste absurdo exercício de narcisismo, alguém vai ficar a conhecer-me melhor? A minha personalidade estará patente no que respondi? Não faço ideia] ---- > texto revisto por causa de uma irrelevância



Usei as perguntas tais como Anabela Mota Ribeiro as fez a Clara de Sousa (peguei nesta entrevista apenas porque foi a última publicada (*), puro comodismo meu, mas as perguntas são sempre as mesmas, o que pode variar são as observações mas, enfim, não alteram o sentido da pergunta).

Já agora, para quem não saiba o que é isto do Proust Quest (Proust Questionnaire), digo muito brevemente que é um conjunto de perguntas que, supostamente, permite que se perceba melhor a personalidade de quem responde. O que isso tem a ver com Marcel Proust e os pormenores da coisa podem ser vistos por exemplo aqui, na Wikipedia



Então, vamos lá a isso.


Proust disse que uma necessidade de ser amado e cuidado era a sua característica mais marcante. Mais do que ser admirado. Qual é a sua?


- Talvez querer fazer tudo o que me apetece enquanto posso. Tenho muito consciente a noção da finitude. Não quero nunca iludir-me: a vida é curta e, por vezes, rasteira-nos. Não sei quanto tempo vou viver, nem sei quanto tempo vou viver sem limitações físicas. Por isso, se me apetece dizer parvoíces, digo, se me apetece passear no campo, entre as árvores escuras, ouvindo os sons da noite, iluminada apenas pelo luar, ando, se me apetece pintar, pinto, se me apetece ser excessiva na demonstração dos meus afectos, sou. São exemplos inócuos, estes que dei, mas são exemplos. No entanto, tenho também sempre muito presente o não fazer nada que prejudique outras pessoas. Mas preconceitos, inibições, receio de ser censurada, hesitações, ou protelar o que me apetece para melhores dias, etc, isso não é comigo. 

Qual é a qualidade que mais aprecia num homem? Proust falou de “charme feminino”...


- Inteligência com humor. Não é apenas nos homens que aprecio isto mas, num homem, então, é fundamental. Não tenho paciência para burros, mas é que não tenho mesmo. Apetece-me ignorá-los, fingir que nem os vejo. (Imaginem o que é para mim viver num País governado por quem o governa. Não vejo noticiários há uns dois dias, pelo que me poupei ao sacrifício de ver aqueles inteligentes que devem andar a desfilar pelo Pontal. Agora que escrevi isto, fiquei na dúvida: aquilo é festa só de um dia ou é o fim de semana todo, uma coisa tipo festa do Avante? Não sei). Adiante. Dizia que não suporto burros. Mas há outra casta de homens para os quais também não tenho paciência: os cepos, sem sentido de humor. Uma pessoa diz uma coisa na maior ironia e eles respondem a sério, não perceberam que era ironia nem têm sentido de humor para encaixar e dar o troco. Uns chatos do piorio. Ou os inteligentes armados em intelectuais, carapaus de corrida, uns chatos de primeira, todos prosa, citações, grandes tiradas.


E numa mulher? Ele mencionou “franqueza na amizade” – golpe baixo para as mulheres ou sagaz comentário?


- Sim, a franqueza. Aprecio mulheres francas. Mas também aprecio a generosidade. Não gosto de mulheres mesquinhas, quezilentas, que infernizam a vida aos outros (aliás não gosto nem de mulheres nem de homens assim - desperdiçam a própria vida e chateiam os outros - e para quê?). Gosto de mulheres que mostram alguma superioridade na capacidade de perdão; ou de aceitação. Não descurando o que pensam, são, no entanto, capazes de aceitar os outros nas suas diferenças.


Ternura, desde que acompanhada de um charme físico..., era o valor mais precioso nas amizades de Proust. E nas suas?


- A intemporalidade. A não necessidade de assiduidade. Não tenho paciência para as amizades que são cheias de 'temos que combinar almoçar', 'temos que combinar isto e aquilo'. A amizade boa é aquela que se manifesta nos momentos certos. Uma palavra dita quando se sente que o outro sente falta dela. Um gesto quando se intui que vai fazer bem. Sair de cena quando não faz falta estar-se. Reaproximarmo-nos quando fizer sentido mesmo que seja anos depois. E o encontro ser tão natural como se tivéssemos estado juntos na véspera. Não fazer perguntas quando o silêncio deve ser respeitado. 


Vontade fraca e incapacidade para entender, foi a resposta que deu quando lhe perguntaram qual era o seu principal defeito. Partilha destes defeitos? E que outros pode apontar?


- O meu maior defeito, segundo os outros me apontam, é a falta de paciência para suportar aquilo de que não gosto. A questão é que nem tenho paciência para disfarçar. Baldo-me imenso a encontros, almoços, festinhas sociais, coisas assim, porque não tenho paciência para conversa mole, trivialidades, gente que fala sem parar, que me cansa de tanta vacuidade, que diz coisas à toa. Ou quando estou em reuniões de trabalho e há gente que fala, fala, sem dizer nada, que empata, enrola, não dança nem sai da pista, fico numa impaciência que geralmente me leva a dizer coisas à bruta. Tenho uma certa fama de, de vez em quando, ser bruta como as casas. Nada a fazer.

Qual é a sua ocupação favorita? Amar, disse ele...


- Viver. Dito assim parece uma resposta estúpida, eu sei. Mas é a verdade. Viver dá-me muito prazer. Viver e fazer a cada momento o que de melhor posso - porque nem sempre posso fazer o que me apetece, claro. Mas agora, por exemplo, depois das 2 da manhã, depois de um dia maravilhoso (in heaven, com os meus amores e amorzinhos), o que me apetece é estar aqui a escrever - e, apesar do sono, é o que estou a fazer. Quando estou no carro, numa fila que não acaba, poderia apetecer-me largar o carro ali mesmo e ir a pé - mas isso não posso. Mas mesmo nessas alturas, ouço música, olho a paisagem, penso em coisas que me agradam. E, por isso, muitas vezes, quando estaciono, não consigo sequer lembrar-me se estava muito trânsito. A cada momento, viver o melhor possível. Caminhando, fotografando, lendo, escrevendo, pintando, cozinhando, nadando, e, claro, claro, amando, amando sempre, amando muito.


Qual é o seu sonho de felicidade? A resposta de Proust é esquiva: não fala de molhar madalenas no chá e diz que não tem coragem de o revelar... Mas que não é grandioso e que se estraga se for posto em palavras. O que é que compõe o seu quadro de felicidade?





- Estar em casa e ver a luz através da janela, estar rodeada pelos meus amores, abraçar os que amo, saber que estão bem, que são felizes, e viver cercada por livros, plantar árvores e vê-las crescer, imaginar caminhos, desenhá-los, caminhar depois por eles, cozinhar e pôr a comida na mesa e ver a família comendo, repetindo com gosto, conversando, leve e feliz. 


O que é que na sua cabeça seria a maior das desgraças? Proust respondeu, aos 20 anos: “Nunca ter conhecido a minha mãe e a minha avó”. Mas aos 13 respondeu apenas quando lhe perguntaram pela maior dor: “Ser separado da mamã”.


- Não quero nem falar, seria terrível, insuportável. 


Quando lhe perguntaram o que é que gostaria de ser, respondeu: “Eu mesmo”, aos 20, e Plínio, o Novo, aos 13. As suas respostas seria diferentes? Quem gostaria de ter sido aos 13 anos? E agora?


- Aos 13 eu não sabia o que queria ser, talvez psicóloga. Por essa altura já tinha desistido de ser cabeleireira. Aos 20 sabia que não queria ser professora, queria trabalhar numa empresa grande, embora em nenhuma função em particular, apenas trabalhar numa empresa grande. De facto, tenho exercido muitas funções, díspares, mas sempre em empresas grandes. Tenho sorte, faço o que queria. Mas hoje sei que poderia fazer outras coisas. Penso, aliás, que um dia ainda as hei-de fazer.


Proust gostaria de viver num país onde a ternura e os sentimentos fossem sempre correspondidos. O país onde gostaria de viver existe deveras? Onde fica?


- Não sou dada a utopias nem a ideais. Maça-me até a perfeição. Vivo em Portugal e é aqui que quero viver. Se me acontecer ter que viver algum tempo noutro país, sei que quererei sempre voltar para cá. Apesar de tudo.


Quais são os seus escritores preferidos? No momento em que respondeu, Proust lia com especial prazer Anatole France e Pierre Loti.




- Muito difícil responder a isto. Também não sou dada a eleitos. Escritores de que gosto há muitos. Seria ridículo escolher um ou outro. Ao acaso apenas alguns: Clarice Lispector, Hélia Correia, Eça, Jorge Luís Borges, Yourcenar, Thomas Mann, Pedro Tamen, Manuel António Pina, Herberto, Sophia - e vou parar porque estes não são os preferidos, são apenas alguns dos que muito gosto.


E os poetas? Ele mencionou dois, e um deles faz parte das listas eternas: Baudelaire.


- Que pergunta... Então os poetas não são escritores? Já mencionei alguns na resposta anterior. Mas são muitos. A poesia para mim é a simetria perfeita da matemática. A expressão destilada, perfeita das coisas. Venero os poetas. Citei aqueles na pergunta anterior mas poderia ir por aí fora. Não o fazendo e apenas para não deixar a pergunta sem resposta substantiva, acrescento dois: Luís Filipe Castro Mendes e Jorge Carreira Maia.


Qual é o seu herói de ficção preferido? Aos 13 anos, Proust falou de Sócrates e Maomé como figuras históricas de eleição... E aos 20, referindo-se às mulheres, elegeu Cleópatra.




As ligações perigosas dão sempre pares memoráveis


- Outra vez... Preferências é coisa que não joga comigo, é estreitar muito o que é imenso. Há tantas coisas de que gosto que reduzi-las apenas para dar uma resposta é coisa em que não alinho. Mas, vá lá, alguns exemplos, e repito-me uma vez mais: apenas exemplos. Aos pares: Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont; Lara Antipova e Yuri Jivago; Karen Dinesen Blixen e Denys George Finch Hatton. São exemplos. Podia puxar pela cabeça e referir mais umas dezenas. E, claro, não tem que ser aos pares. Muitas vezes são personagens que se destacam na sua individualidade. Adriano seria, por exemplo, um deles (e estou, claro, a lembrar-me das suas memórias ditas pela Yourcenar). Mas para que faria esse absurdo exercício? Ficariam de fora outros tantos, muitos outros tantos. Mas quero juntar um outro par, ou melhor mais dois personagens que 'me enchem as medidas': Lisa e Bart Simpson, talvez até mais o Bart. Mas também todos os outros membros da família. 


Quem é o seu compositor preferido? Aos 13 anos, escreveu Mozart, aos 20 Beethoven, Wagner, Schumann. Mas Proust não podia conhecer Tom Jobim ou Cole Porter...


- Fogo... estou quase a desistir. Maçada, isto. Todos os referidos na pergunta e mais cem. E Leonard Cohen. E Rodrigo Leão. E José Afonso. E tantos, tantos mais. 


Proust não foi contemporâneo de Rothko. E escolheu Da Vinci e Rembrandt como pintores favoritos.



"Amor vincit omnia", Caravaggio, 1602 c.


- E continua... Mas vá lá... Rothko, sim, o absurdo de uma cor que nos atrai de forma incompreensível. E a luz de Van Gogh. E as sombras, a sujidade, o vício de Caravaggio. E Paula Rêgo, controversa. E Picasso desbragado. E Balthus, perverso. E cem mais.



The Golden Years, Balthus, 1945

(A primeira imagem que encabeçou o Um Jeito Manso;
acho que esta menina tem muito de mim - e não me perguntem porquê)


Quem são os seus heróis da vida real? Ele apontou dois professores.


- Os desempregados. Não sei como vivem. Não sei como continuam vivos, não sei como encontram forças para se manterem vivos. Curvo-me perante eles. 


“Das minhas piores qualidades”, respondeu o escritor da “Recherche” quando lhe perguntaram do que gostava menos. E no seu caso?


- Esse Proust, credo, parece que não via muito além dele próprio. Eu aquilo de que gosto menos é capaz de ser da hipocrisia. E da mentira dita com descontracção, olhos nos olhos: acho um perigo. Da maldade: tenho medo das pessoas que são más.


Que talento natural gostaria de ter? As respostas de Proust são óptimas: “Força de vontade e charme irresistível”!


- Gostava de saber tocar piano. Nunca consegui. A minha filha toca, aprendeu com uma facilidade impressionante. Eu que lhe ensinava tantas coisas, não apenas não sabia ensinar-lhe isso, como não conseguia aprender. Mas nem os mínimos. Colcheias, semi-colcheias, tra-la-la. Zero. Mas nem tocar de ouvido. Nunca consegui, escusado. E tanto que gostava de saber, de deixar os meus dedos voarem sobre o teclado. 


Como gostaria de morrer? “Um homem melhor do que sou, e mais amado”.


- Proust era mesmo um lírico. Eu sou mais simples: a dormir, sem dar por nada. Pensando melhor, não, que pregaria um susto a quem desse por mim. Por isso, talvez sentada, a ler ou a olhar pela janela, na boa, sem sofrer, sem incomodar os outros, sem me aperceber. 


Qual é o seu actual estado de espírito? “Aborrecido. Por ter que pensar acerca de mim mesmo para responder a este questionário”. Pensar em quem é traz-lhe aborrecimento?


- O meu actual estado de espírito? Será preciso responder? Farta de estar aqui a responder a isto. Não me tinha apercebido que isto era tão comprido, senão não me tinha metido nisto, que seca. (Pensar em quem sou traz-me aborrecimento? perguntam. Não, nenhum. Gosto de ser quem sou)


Proust era condescendente em relação às faltas que conseguia compreender. Quais são aquelas que irreleva?


- Irrelevo (isto é, não perdoo) o que é feito com irresponsabilidade ou com maldade, prejudicando os outros. Por exemplo, irrelevo a devastação que o Governo de Passos Coelho tem levado a cabo no meu País.
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Volto e esta resposta pois fiquei a pensar que, ao responder, atribuí à palavra irrelevar o sentido oposto ao de relevar, ou seja, quis dizer não desculpar. Contudo, parece-me agora que o sentido mais comum que a ela se atribui é o de tornar irrelevante. Por isso, respondo de novo.
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- Irrelevo (no sentido de não dar importância) a atitudes de efeito pouco significativo tomadas no calor de uma discussão ou decorrentes de uma maneira de ser precipitada (por exemplo, disparates ditos ou feitos quase sem pensar e de que, ainda por cima, regra geral, os seus responsáveis por eles se vêm a arrepender)



Por fim, preferiu não responder qual era o seu lema, temendo que isso lhe trouxesse má sorte... É supersticioso como Proust? O que é que o faz correr?


- O meu lema não sei qual é, talvez viver bem e contribuir para que os outros vivam também melhor. Voar. Abraçar. Dar. Coisas assim. O que me faz correr? Acho que não corro. Não tenho pressa, vivo cada instante, degustando-o, e isso é incompatível com correrias. Caminho, aspiro o perfume do ar, deixo o meu pensamento voar.


Acabou? Ufffffff. Parecia que não acabava. Bolas.


[Não vou rever. Passa das 3 da manhã, imagine-se. Que coisa tão comprida esta, credo. Por isso, já sabem, é como nas outras vezes: se encontrarem erros graves, por favor, avisem-me, está bem? Se forem vírgulas ou letras trocadas, por favor, relevem, sim?] 

*

E, para não darem a visita por perdida - que isto de lerem isto tudo também deve ter sido uma seca das antigas - aqui vos deixo Leonard Cohen.





U2 & Leonard Cohen,  Tower of Song
(uma ao acaso)


***

Entretanto, agora de manhã, que vim aqui dar uma rápida vista de olhos, reparei que a Clara de Sousa já não é a última, já lá está uma nova entrevista da Anabela Mota Ribeiro, seguindo o Proust Quest., agora com a Guta Moura Guedes. Mas vou ter que deixar a leitura disso para mais tarde, que os meus afazeres não podem esperar. Estar agora aqui no computador é uma frescura incompatível com os trabalhos pesados a que tenho que deitar mão.


***

E tenham, meus Caros Leitores, um domingo muito feliz!!!!!!!!!