O seu prazer em ser mulher, a defesa acérrima do pleno direito das mulheres, pleno direito a todos os títulos, incluindo ao pleno direito sobre o corpo, o uso pleno da palavra ao serviço da poesia, da condição da mulher, do prazer, do amor, da paixão -- tudo isso me encantou desde sempre.
E, depois, a sua intrínseca liberdade. A liberdade do uso íntegro da palavra. Sem medo, sem hesitação, sem inibição ou vergonha. E sem que, com a sua liberdade, embandeirasse em arco. Sem arrogância. Como uma coisa natural.
Sempre a admirei, não apenas como poeta mas também como mulher.
Estava frágil, em casa, com receio de sair. Além disso, quem se alimenta do amor total a um homem, como ela amou o seu Luís, e da companhia desse homem se vê privada, fica forçosamente debilitada. Chegou ao fim.
Esta terça-feira de manhã tive uma daquelas minhas premonições que até a mim me assustam. Tinha que sair e estava à pressa mas quis ligar o computador. Cá para mim pensei: 'deixa cá ver quem é que morreu...'. E, ao pensar isto, fiquei incomodada. Enquanto o computador ligava, arranjei uma desculpa para um pensamento tão estúpido: pensei que desde já há algum tempo que não aparecia a notícia da morte de alguém do mundo das artes. Mas estava mesmo incomodada, só me chamava estúpida por estar com pensamentos tão parvos. Quando abri um dos jornais, apareceu logo a notícia: Maria Teresa Horta tinha morrido. Só me apeteceu desligar logo o computador. Má notícia. Caraças.
Enfim.
Fica-nos a sua magnífica poesia.
Por exemplo:
Segredo
de Maria Teresa Horta
Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça
nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa
Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço
Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar
nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar
Maria Teresa Horta in 'Minha Senhora de Mim' -1972
Admiradora que sou de Maria Teresa Horta, considerando-a das melhores poetas portuguesas e uma mulher lúcida, franca, inteligente e informada, claro que fico muito contente.
A lista "BBC 100 Women" deste ano inclui nomes de pessoas mais conhecidas, como a atriz norte-americana Sharon Stone, a artista britânica Tracey Emin, a sobrevivente do caso de violação em França Gisèle Pelicot e a iraquiana Nadia Murad, vencedora do Prémio Nobel da Paz.
As brasileiras Lourdes Barreto, ativista pelos direitos das prostitutas, e a ginasta Rebeca Andrade e a bióloga Silvana Santos também estão na lista, que teve em conta a imparcialidade e a representação regional.
A BBC salienta que, ao longo do ano, as mulheres "tiveram de se esforçar muito" para encontrar novos níveis de resiliência e enfrentaram "conflitos mortais e crises humanitárias" em Gaza, no Líbano, na Ucrânia ou no Sudão e testemunharam a "polarização das sociedades após um número recorde de eleições em todo o mundo".
A equipa do BBC 100 Woman elaborou a lista com base em nomes recolhidos através de pesquisas e sugeridos pela rede das 41 equipas linguísticas do Serviço Mundial da BBC, bem como pela BBC Media Action. Todas as protagonistas femininas deram o seu consentimento para aparecerem, e não são apresentados por uma ordem específica.
A escritora portuguesa Maria Teresa Horta tem sido amplamente premiada ao longo da sua carreira literária, destacando-se, só nos últimos anos, o Prémio Autores 2017, na categoria melhor livro de poesia, para "Anunciações", a Medalha de Mérito Cultural com que o Ministério da Cultura a distinguiu em 2020, o Prémio Literário Casino da Póvoa, que ganhou em 2021 pela obra "Estranhezas", e a condecoração, em 2022, com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade.
Nascida em Lisboa em 1937, Maria Teresa Horta frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi dirigente do ABC Cine-Clube, militante ativa nos movimentos de emancipação feminina, jornalista do jornal A Capital e dirigente da revista Mulheres.
Como escritora, estreou-se no campo da poesia em 1960, mas construiu um percurso literário composto também por romance e conto.
Com livros editados no Brasil, em França e Itália, Maria Teresa Horta foi a primeira mulher a exercer funções dirigentes no cineclubismo em Portugal e é considerada um dos expoentes do feminismo da lusofonia.
O que é a poesia? Poder-se-ia redigir como se fosse prosa e continuar a ser poesia? Tem a ver com a forma como se lê? As pausas, a melodia da ligação entre as palavras? Ou não, é poesia mesmo quando espera, silenciosamente, que alguém a leia? Ou o que a distingue da prosa são as ideias destiladas, marcadas pelo silêncio e pela intemporalidade?
Não sei.
Que venha alguém defini-la. Eu não sei.
Soube da morte de Nuno Júdice e fiquei abalada. Não sabia que estava doente. Li que morreu de cancro, no hospital. Quem morre assim, creio eu, morre sempre da mesma maneira: a debilidade a tomar conta do corpo, o tempo a esvair-se. Estaria provavelmente no corredor que quase me apetecia apelidar de corredor da morte, aquele em que já não se trata da cura mas, tão-só, do bem estar, do bem-estar possível, do alívio... Provavelmente a família passou pelo mesmo que eu, e provavelmente toda a gente que acompanha doentes nestas circunstâncias, querendo transmitir alguma esperança ou optimismo mas não sabendo como, pois estamos formatados para não mentir, muito menos aos nossos pais ou àqueles que amamos. E ele provavelmente a ver que os familiares queriam encontrar palavras de ânimo e a saber que essas palavras já não faziam falta.
Quando morre uma pessoa que está nessas circunstâncias, aqueles que os amam pensam: 'descansou', 'já não sofre mais'.
Terá acontecido também com ele. Descansou. E o descanso de um Poeta é sempre inegavelmente merecido pois, ao longo da vida, um Poeta semeia, planta, apara, oferece ao mundo poemas que são flores que não morrem, que para sempre acompanharão os que ainda cá estão e todos os outros que vierem a seguir.
Numa sexta-feira, dia 22 de agosto de 2008, pelas 10:26 da manhã, Nuno Júdice escolheu a imagem abaixo e publicou o poema "Domingo no campo". Escolho-o ao acaso entre tantos mas deixo o caminho para muitos outros: A a Z
Nunca tinha ouvido falar em Khalil Gibran até que uma pessoa que tinha conhecido há pouco tempo e desde logo me surpreendera, no meio de uma reunião, já não me lembro a que propósito, me falou dele. Não percebi. Pedi que escrevesse. Escreveu num papel que rasgou para me dar.
No dia seguinte, eu tinha o Profeta em cima da minha secretária. Durante uns dias conduzi ao som das suas palavras.
Por norma, sou avessa a coisas assim: palavras sobre isto ou aquilo, filosofias. Parecem-me, geralmente, teorias artificiais, lalelas sem substância, tudo previsível. Curiosamente, neste caso, não apenas andei a ouvi-las de gosto como me dava vontade de voltar a ouvir.
Hoje, o algoritmo tinha um vídeo para me propor e eu não me fiz rogada. Entre quase adormecimentos e persistências lá consegui ouvir.
Esta semana, fruto de alguns medicamentos, ando com muito sono. Por isso, é com algum esforço que tento manter o hábito de aqui escrever à noite Espero que em breve possa deixar de tomá-los para ver se volto a sentir-me mais igual ao meu estado anterior. Escrevo porque gosto, porque preciso ou, simplesmente, porque sim. Mas não estranhem se vos parecer que a conversa anda um pouco diferente. Eu, pelo menos, sinto que está pouco fluida.
Mas, falava nas palavras de Khalil Gibran e na misteriosa pessoa que ma deu a conhecer, a mesma pessoa que um dia, ao citar um verso, me deixou intrigada a ponto de eu lhe perguntar: Mas sabe poemas de cor? E ele: Alguns. E eu: Jorge Luis Borges? E ele: Alguns. E eu, esticando a corda: No original?. E ele: Alguns. E eu, querendo desmascarar: Diga um.
E, para meu espanto, ele disse. Parecia uma cena de um outro mundo, saído das minhas ficções. Mas aconteceu.
Hoje, ao ouvir A tear and a smile, lembrei-me desse dia. Dias longínquos, se calhar imaginados, não existidos.
Tirando isso: pouco fiz. Fomos buscar a minha mãe e ela trouxe o almoço para todos, já feito.
Preguicei. Nem ler eu li. Nem fotografar eu fotografei.
E experimentei aquilo que andava com vontade de experimentar: peguei numa das quatro mesinhas que se arrumam umas debaixo das outras, lixei-a, lavei-a com a acetona e, lá vai disto, spray para cima.
Lixar foi de caras, lavar com acetona ainda mais. Mas o spray... Começou que, no sítio onde aterrou a primeira pistolada, ficou a notar-se os pontinhos salientes. Passei com o dedo. Problema. Já estava a secar, enrugou. Passei com o papel com acetona e o papel desfez-se e juntou-se à tinta. A minha filha disse que era como o verniz das unhas que, se a gente lhe mexe depois de aplicado, é para a desgraça, mais vale tirar tido e começar de novo. E tinha razão. Foi à pressa buscar um monte de papel que ensopei em acetona mas não saiu bem, esfarelava-se. Fui com a esponja-lixa mas a esponja absorveu a tinta e ficou estragada. Às tantas, desisti e apliquei mais spray.
Mas fiz mal sob todos os pontos de vista pois estava vento e acho que algumas poeiras ambientes também se juntaram à tinta.
Ficou a secar ao relento. Amanhã verei como ficou. Achei por bem não cobrir totalmente. A minha filha também achou piada a ver o escuro a adivinhar-se por baixo. Estou curiosa. Se, por milagre, tiver ficado bem, este domingo pintarei a segunda mesinha que aqui está na salinha da televisão. As outras duas estão lá em cima, cada uma com uma pilha de livros em cima. Mas acho que lá em cima talvez faça sentido que estejam na sua cor original.
No outro dia, a minha filha disse que achava que esta salinha estava um bocado com too much, talvez com um móvel a mais. Pensei que ela estava a dizer isso por influência de ver muitas almofadas (mais do que o habitual) em cima do meu sofá. Mas fiquei a pensar nisso. E, então, fez-se-me luz. Lá no campo, in heaven, estou com falta de uma pequena estante. Tinha até já escolhido uma no ikea para encomendar. Pois bem, a pequena estante que aqui tinha a televisão em cima é a estante perfeita para lá. Portanto, hoje de tarde, rodopiámos os móveis aqui na sala. A dita estantezinha zarpou. Irá para o campo. Para ter a televisão em cima usámos o pequeno móvel que o meu pai fez e que é de melhor altura e tamanho. Receava que fosse frágil mas acho que se aguenta. De qualquer forma poderei mandar fazer-lhe um tampo de mármore.
A pequena cómoda de pau santo e barriguinha, essa sim com um tampo de mármore da Arrábida, que estava ao lado do sofá do meu marido e que quase parecia ali escusada, agora está aqui ao meu lado.
Portanto, de repente, a sala ficou mais desafogada.
E ganhámos uma estante que aqui estava meio desempregada para ir para lá, onde faz falta.
O meu marido, levado pela minha onda de pinturas, até aventou pintarmos também o pequeno móvel que o meu pai fez. Mas acho que não devemos aventurar-nos. Tem frisos, tem portas de vidro, dificilmente iria ficar bem. Estou a olhar para ele. Imagino que poderia ser pintado por dentro de uma cor, um rosa-pastel, talvez. E, por fora, este beige-cinza-claro que usei para a mesinha, talvez com os frisos a verde-seco-claro. Mas isso seria obra demorada, não a spray. Coisa para futuros carnavais.